CFEM: Prescrição em cinco ou dez anos?

César Augusto Gomes

O Governo Federal, por meio do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), autarquia vinculada ao Ministério das Minas e Energia, vem realizando, em todas as unidades da federação, uma fiscalização das empresas mineradoras sobre eventuais débitos relativos à Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) e impondo, nesta ação fiscalizatória um prazo alongado para a cobrança, que alcança até os últimos dez anos.

Tal fiscalização extemporânea tem como fundamento a Lei nº 9.636, de 15/05/1998, e alterações posteriores, que prevê o prazo de dez anos para a cobrança do crédito vinculado à receita patrimonial da União.

Para impor às empresas mineradoras um prazo superior ao quinquenal, os fiscais do DNPM entendem que a receita da CFEM é patrimonial e se baseiam no artigo 47 da Lei nº 9.636, de 15/05/1998, que diz o seguinte:

"Art. 47. O crédito originado de receita patrimonial será submetido aos seguintes prazos: (Redação dada pela Lei nº 10.852, de 2004)
I – decadencial de dez anos para sua constituição, mediante lançamento; e (Incluído pela Lei nº 10.852, de 2004)
II – prescricional de cinco anos para sua exigência, contados do lançamento. (Incluído pela Lei nº 10.852, de 2004)
§ 1o – O prazo de decadência de que trata o caput conta-se do instante em que o respectivo crédito poderia ser constituído, a partir do conhecimento por iniciativa da União ou por solicitação do interessado das circunstâncias e fatos que caracterizam a hipótese de incidência da receita patrimonial, ficando limitada a cinco anos a cobrança de créditos relativos a período anterior ao conhecimento. (Redação dada pela Lei nº 9.821, de 1999)."

De fato, está prevista que a cobrança das receitas patrimoniais da União pode abranger os últimos 10 anos.

Todavia, essa pretensão de fiscalizar em até dez anos não tem como ser aplicada à contribuição sobre minerais pelo explícito motivo de que a CFEM não é uma receita patrimonial.

Segundo definição do próprio DNPM em seu site:

"a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais, estabelecida pela Constituição de 1988, em seu Art. 20, § 1º, é devida aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e aos órgãos da administração da União, como contraprestação pela utilização econômica dos recursos minerais em seus respectivos territórios." (grifos nossos)

"Contraprestação" é, na verdade, a definição para uma receita não tributária compensatória pelos danos ambientais ocasionados pela exploração dos recursos minerais.

A Lei que criou a compensação financeira foi a de nº 7.990/1989, que estatui em seu art. 6º:

"Art. 6º – A compensação financeira pela exploração de recursos minerais, para fins de aproveitamento econômico, será de até 3% (três por cento) sobre o valor do faturamento líquido resultante da venda do produto mineral, obtido após a última etapa do processo de beneficiamento adotado e antes de sua transformação industrial. (Vide Lei nº 8.001, de 1990)".

Esse preceito legal começa com a frase "A compensação financeira pela exploração de recursos minerais será de até 3%." Mas tal percentual incidirá sobre qual base de cálculo?

A resposta exata é: sobre o faturamento líquido resultado da venda do produto mineral lavrado.

Assim, vê-se que a CFEM nada tem a ver com o patrimônio da União, e, portanto, é um equívoco tratá-la como uma Receita Patrimonial.

Vejamos, pois, quais são as Receitas Patrimoniais definidas pelo Ministério do Planejamento, que estão disponíveis no seu site:

"
Em decorrência da utilização de imóveis da União são devidas as receitas patrimoniais abaixo referidas, segundo a natureza da atividade empreendida no imóvel da União.
Foro
Os terrenos aforados pela União ficam sujeitos ao foro de 0,6% (seis décimos por cento) do valor de avaliação do terreno da União.
Taxas de Ocupação
A taxa de ocupação de terrenos da União, calculada sobre o valor de avaliação do terreno da União, corresponde aos seguintes percentuais:
Laudêmios
Dependerá do prévio recolhimento do Laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor de avaliação do terreno e das benfeitorias existentes, a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil de terreno da União ou de direitos sobre benfeitorias nele construídas, bem assim a cessão de direito a eles relativos"

Como se vê, o próprio Órgão encarregado do orçamento da União define quais são as receitas patrimoniais que, obvia e necessariamente, derivam do Patrimônio da União e a CFEM não está entre elas.

Hoje, no Brasil, é difícil de compreender como tantos Órgãos Públicos, inclusive o próprio Judiciário, e especialistas da iniciativa privada confundem a CFEM como Receita Patrimonial.

Uma coisa é certa: para ser classificada como Receita Patrimonial, o bem objeto de mensuração tem que necessariamente pertencer à União.

Já vimos anteriormente, pela definição legal, que a base de cálculo da CFEM é a venda do mineral lavrado.

Mas será que o mineral lavrado de propriedade da União? A quem efetiva e unicamente pertence o mineral lavrado?

A resposta para esta importantíssima pergunta poderá ser encontrada ao se examinar, mais de perto, o art. 176 da Constituição Federal de 1988, que estatui serem as jazidas e demais recursos minerais pertencentes à União.

Muitos, inadvertidamente, arriscariam dizer que o proprietário que era lavrado é a União, pois as jazidas lhe pertencem.

Mas, ao contrário, esta não é a realidade fática à luz da Constituição. Em seu art. 176, a nossa Lei Maior prevê:

"Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra."

Legalmente, só pode vender uma mercadoria quem é seu dono.

Portanto, é o empresário em regime de concessão, o verdadeiro dono (proprietário) do mineral lavrado.

É ele quem, ao vender o produto do seu investimento de risco e do seu trabalho, cria o fato gerador para a imputação da CFEM.

Aqui fazemos um breve parêntese para informar que o setor de mineração foi responsável por 36% das exportações brasileiras no ano de 2011 e é de interesse da União que esse setor floresça cada vez mais para ajudar a alavancar a balança comercial do país.

Caso a propriedade do produto lavrado fosse da União, qual empresário ou empresa, nacional ou estrangeiro, faria altíssimos investimentos em pesquisa mineral, compra de maquinário, contratação de mão de obra e extração da lavra?

Claro está, assim, que a União não é a proprietária da mercadoria que vai servir de base de cálculo para a CFEM, ou seja, ela não é proprietária do mineral lavrado.

Portanto, a CFEM não é uma receita patrimonial e, não sendo receita patrimonial, qual seria a sua classificação? Sugerimos que ela seja incluída nas receitas não tributárias (embora tenha fato gerador e seja reflexo de percentual sobre o faturamento líquido), como uma contribuição reparativa ou indenizatória pelos danos ambientais resultantes da exploração mineral.

Quanto à prescrição, comprovamos que a CFEM não é uma receita patrimonial e que, portanto, o prazo para a fiscalização é de somente cinco (5) anos.

No Poder Judiciário, em todas as instâncias, está pacificada a tese de que a exigência da CFEM prescreve em cinco (5) anos.

Tome-se como exemplo a decisão abaixo transcrita da lavra do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a saber:

"Direito Minerário. Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais. Natureza Jurídica. Prescrição. Dedução do ICMS. A cobrança de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), prevista no art. 20, § 1º da CRFB não se trata, portanto, de preço público, contraprestação contratual por prestação de serviço público. Tratando-se de relação jurídica de caráter não tributário com assento no Direito Administrativo aplica-se-lhe por simetria o prazo prescricional de cinco anos previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32." (TRF 4ª Região, Apelação em Mandado de Segurança nº 2007.70.00.005618-0/PR, DJU de 02/09/2008).

Superior Tribunal de Justiça decidiu:

"1 – Em se tratando do direito de a Fazenda Pública executar valor de multa referente a crédito não-tributário, ante a inexistência de regra própria e específica, deve-se aplicar o prazo qüinqüenal estabelecido no art. 1º do Decreto 20.910/32.
2 – De fato, embora destituídas de natureza tributária, as multas impostas, inegavelmente, estão revestidas de natureza pública, e não privada, uma vez que previstas, aplicadas e exigidas pela Administração Pública, que se conduz no regular exercício de sua função estatal, afigurando-se inteiramente legal, razoável e isonômico que o mesmo prazo de prescrição – qüinqüenal – seja empregado quando a Fazenda Pública seja autora (caso dos autos) ou quando seja ré em ação de cobrança (hipótese estrita prevista no Decreto 20.910/32 ). Precedentes: Resp 860691/PR DJ 20/10/2006, Rel Min. Humberto Martins; Resp 840.368/MG, DJ 28/09/2006, Rel. Min. Francisco Falcão; Resp 539.187/SC, DJ 03/04/2006, Rel. Min. Denise Arruda.
3 – Recurso especial conhecido e provido para o fim de que, observado o lapso qüinqüenal previsto no Decreto 20.910/32, sejam consideradas prescritas as multas administrativas cominadas em 1991 e 1994, nos termos em que pleiteado pelo recorrente." (REsp 905932/RS 1ª Turma do STJ, Min. José Delgado, DJ de 28/06/2007 pág. 884).

A frase mais importante dessas decisões judiciais é:

"O DNPM dispõe de cinco anos para constituir os créditos da CFEM."

Também a doutrina corrobora o prazo quinqüenal como assevera o Mestre Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro, 18ª Edição, pág. 583:

"Entendemos que, quando a lei não fixa o prazo da prescrição administrativa, esta deve ocorrer em cinco anos, à semelhança da prescrição das ações pessoais contra a Fazenda Pública."

Conclusão

É certo que a constituição, a jurisprudência e a doutrina fixam em cinco anos o direito de ser exigida a CFEM sobre o faturamento líquido das mineradoras e, assim, não cabe ao Órgão fiscalizador ultrapassar esse prazo com base em interpretações e decisões de seus agentes, sob pena de incorrer em falta funcional e, ao macular o Auto de Infração, estimular as impugnações.

César Augusto Gomes

Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil Aposentado. Ex-Delegado da Receita Federal em Caxias do Sul/RS. Tributarista desde 1984. Mestre em Economia pelo PIMES/UFPE - 1980. Articulista de diversos Jornais e Sites Jurídicos no Brasil. Comentarista da Rádio CBN - Vitória/ES

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