Casos de ágio no STJ: o que é planejamento tributário, afinal?

Sergio André Rocha

Afinal, o que é planejamento tributário? Seria possível responder essa pergunta de uma forma muito ampla no sentido de que planejamento tributário seria toda conduta intencional do contribuinte com a finalidade de não pagar tributo, pagar menos tributo ou postergar o pagamento de tributo.

Essa definição ampla de planejamento tributário, contudo, inclui situações muito distintas. Afinal, é possível separar casos nos quais a conduta intencional do contribuinte se materializa no plano da interpretação da legislação tributária daqueles outros em que o sujeito passivo age sobre os fatos, com vistas a se enquadrar em uma regra que estabeleça um tratamento fiscal mais vantajoso ou a se desenquadrar de uma regra que preveja um regime fiscal mais gravoso.

Planejamento interpretativo
Temos um caso de planejamento tributário interpretativo, por exemplo, no debate sobre o pagamento de juros sobre capital próprio em relação a anos anteriores. Estamos diante de uma interpretação da legislação tributária que resulta em uma economia tributária para o contribuinte.

Adotando-se uma definição ampla de planejamento tributário como a que apresentamos acima, esse tipo de comportamento certamente poderia ser caracterizado como tal.

Também temos como exemplo de planejamentos tributários interpretativos os muitos debates sobre aspectos fiscais envolvendo os reflexos das subvenções governamentais. Toda a discussão sobre a contabilização e dedução de isenções, por exemplo, é, na origem, um planejamento tributário interpretativo.

É no campo desses debates interpretativos que o princípio da legalidade tem maior papel. Afinal, o que se está considerando, nesses casos, é exatamente o que estabelece a lei em cada caso.

Planejamento fático-concreto
Nada obstante, cremos que os debates sobre planejamento tributário são, normalmente, travados tendo um conceito mais restrito do que aquele que apresentamos inicialmente. Normalmente estamos nos referindo ao planejamento tributário fático-concreto, por meio do qual o sujeito passivo atua intencionalmente sobre os fatos que serão praticados, de modo a atrair um regime fiscal mais favorável — ou afastar um mais desfavorável — que resulte no não pagamento, na redução do tributo devido ou na postergação da obrigação tributária.

Por mais que, em ambos os casos, seja possível falar que se está diante de planejamentos tributários, há que se reconhecer que não se trata do mesmo fenômeno. Uma vez que um atua sobre a interpretação do texto normativo e outro sobre o fatos, os mecanismos de controle da legalidade do agir do sujeito passivo, em cada um desses casos, são distintos.

Nos planejamentos tributários interpretativos, o controle da legalidade da interpretação jurídica feita pelo sujeito passivo se dá no campo hermenêutico. São situações em que, por exemplo, é possível até que o contribuinte leve o potencial — ou concreto — conflito interpretativo de forma antecipada ao Poder Judiciário, uma vez que se está basicamente controvertendo a interpretação de um ato normativo.

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Por outro lado, nos planejamentos tributários fático-concretos, o controle não se dá (principalmente) pela via da interpretação. Não raro sequer existe dúvida sobre a interpretação do texto normativo aplicável. A questão central é verificar se os fatos que foram formalizados juridicamente pelo sujeito passivo efetivamente se materializaram na vida real.

Pensemos, por exemplo, na cisão de uma empresa que resulte em duas entidades tributadas pelo lucro presumido. Nessa situação, não há grandes dilemas interpretativos sobre a legislação tributária aplicável. A questão que deve ser respondida é: efetivamente passaram a existir duas empresas que podem legitimamente atrair o regime de apuração do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido pelo regime do lucro presumido?

O mesmo pode ser dito das discussões sobre o tratamento fiscal da venda de ativos pela pessoa física, após redução de capital da pessoa jurídica. Embora haja controvérsia sobre o alcance do artigo 22 da Lei nº 9.249/1995, estamos, nos casos concretos, debatendo fatos.

Nota-se, assim, o quão distintas são as duas situações. A primeira centrada na interpretação normativa e a segunda na qualificação fática.

Relevância do tema central
É importante ressaltarmos, para que não haja confusão, que não se trata de uma dicotomia absoluta. Não estamos sustentando que nos planejamentos tributários interpretativos os fatos sejam irrelevantes, nem que nos planejamentos tributários fático-concretos não exista interpretação jurídica. É óbvio que não!

O que estamos destacando é que, em cada um desses casos, há uma preponderância do tema central de controvérsia. Ou seja, não é uma questão de exclusividade, é uma questão de maior ou menor relevância.

É um lugar comum dizer que classificações não são certas ou erradas, mas sim úteis ou inúteis. Pois bem, esta distinção nos parece bastante útil.

Com efeito, em um caso e em outro os mecanismos de controle respectivos são completamente distintos. Portanto, é importante não confundir planejamentos tributários interpretativos com planejamentos tributários fático-concretos. Não é por outra razão que vimos há tempos sustentando que o debate central nos casos de planejamento tributário é “de fato” e não “de direito” [1].

Na literatura sobre o tema, normalmente aponta-se a simulação como o principal critério distintivo entre um planejamento tributário lícito e um planejamento tributário ilícito [2]. Ora, a existência ou não de simulação só pode ser identificada em planejamentos tributários fático-concretos, e não em planejamentos tributários interpretativos.

Debate sobre amortização do ágio
É no contexto da distinção entre esses dois tipos de planejamento tributário que devemos analisar a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 2.026.473-SC, de relatoria do ministro Gurgel de Faria.

Como se sabe, esse caso cuidou de um dos temas mais debatidos do Direito Tributário brasileiro nos últimos anos: a amortização fiscal do ágio pago na aquisição de participação societária no período anterior à vigência da Lei nº 12.973/2014.

Aqui temos claramente um caso em que a Fazenda tentou transformar um debate de planejamento tributário fático-concreto em uma controvérsia sobre um suposto planejamento tributário interpretativo.

Estamos, aqui, tratando principalmente de dois temas em especial: (1) a utilização do chamado “ágio interno”, ou seja, do ágio gerado em operações entre partes vinculadas, e (2) a legitimidade da interposição de “empresa-veículo” como passo para a realização da aquisição ou da incorporação da participação societária adquirida.

É de conhecimento geral que o Decreto-Lei nº 1.598/1977 e a Lei nº 9.532/1997 não traziam quaisquer restrições que proibissem seja a geração de ágio entre partes vinculadas ou a utilização de “empresa-veículo” para a implementação da operação geradora do ágio. Portanto, jamais seria possível, por exemplo, sustentar simplesmente que a legislação proibia a amortização do dito ágio interno. Essa não era uma questão de interpretação da legislação, mas sim de revisão dos fatos ocorridos.

Contudo, a Fazenda Nacional e a Receita Federal, de forma equivocada, transformaram um debate que deveria ser fático-concreto em uma controvérsia interpretativa. Ou seja, em vez de se avaliar, caso a caso, se teria havido simulação na geração de ágio entre partes relacionadas, por exemplo, passou-se a defender, simplesmente, que a legislação — anterior à edição da Lei nº 12.973/2014 — já não permitia a dedução da amortização fiscal do ágio, nessas situações.

Entendimento do relator
O equívoco da posição defendida pelo Fisco não passou despercebido pelo ministro Gurgel de Faria, um dos grandes tributaristas do Poder Judiciário brasileiro. Como destacado em seu voto:

“Não pode a Receita, alegando buscar extrair o ‘propósito negocial’ das operações, impedir a dedutibilidade, por si só, do ágio nas hipóteses em que o instituto é decorrente da relação entre ‘partes dependentes’ (ágio interno), ou quando o negócio jurídico é materializado via ‘empresa-veículo’. Ou seja, não é dado presumir, de maneira absoluta, que esses tipos de organizações societárias são desprovidos de fundamento material/econômico.”

Traduzindo o que afirmou o ministro Gurgel de Faria, à luz de nossas considerações anteriores, ele basicamente afirmou que não pode a Fazenda pretender transformar um debate fático-concreto em uma controvérsia interpretativa.

Conclusão
Essa, inclusive, é a posição que vimos defendendo há temos sobre a questão da dedução do ágio interno anteriormente à Lei nº 12.973/2014: era possível a dedução? Depende dos fatos de cada caso. Certamente não havia uma restrição legal à amortização do ágio em operações realizadas entre partes relacionadas. Logo, comente a prova da ocorrência concreta de uma simulação poderia justificar a exigência fiscal.

Diante do exposto, pensamos ser útil para a classificação das diferentes formas de economia tributária, que segreguemos os casos de planejamento tributário interpretativo daqueles em que a controvérsia é fático-concreta. O julgamento do Recurso Especial nº 2.026.473-SC expõe o risco da tentativa de se transformarem questões de fato em questões de direito, indicando o caminho que deveria ser trilhado por todos os casos de ágio no Superior Tribunal de Justiça.

[1] Ver: ROCHA, Sergio André. O Planejamento Tributário na Obra de Marco Aurélio Greco. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022. p. 44-45.

[2] Ver: ROCHA, Sergio André. O Planejamento Tributário na Obra de Marco Aurélio Greco. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022. p. 102-103.

Sergio André Rocha

professor de Direito Financeiro e Tributário da Uerj, livre-docente em Direito Tributário pela USP, diretor vice-presidente da ABDF, advogado e parecerista.

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