As reviravoltas do regime de Ex-tarifário

Fernanda Kotzias

O regime de Ex-tarifário é, quiçá, o mais utilizado incentivo de importação. Trata-se de instrumento de redução do imposto de importação para bens de capital (BK) e bens de informática (BIT) em que haja comprovadamente a ausência de produção nacional de similar.

De acordo com informações do próprio governo federal, a importância do regime de Ex-tarifário para a economia nacional – que não à toa é tema alocado sob a agenda de competitividade industrial – se concentra em três pontos fundamentais: (1) viabiliza aumento de investimentos em BK e BIT que não possuam produção equivalente no Brasil; (2) possibilita aumento da inovação por parte de empresas de diferentes segmentos, com a incorporação de novas tecnologias inexistentes no Brasil, e com reflexos na produtividade e competitividade do setor produtivo; e (3) produz um efeito multiplicador de emprego e renda sobre segmentos diferenciados da economia nacional [1].

Origem e aspectos normativos
A base legal para essas reduções advém, inicialmente, da Lei nº 3.244/57, que traz em seu artigo 4º dispositivo autorização para isenção ou redução do imposto de importação quando constatado que “não houver produção nacional de matéria-prima e de qualquer produto de base, ou a produção nacional desses bens for insuficiente para atender ao consumo interno”.

Posteriormente, com o advento do Mercosul e da concentração das competências para tratar desses temas em nível intergovernamental, coube ao Conselho do Mercado Comum (CMC) tratar da matéria. Inicialmente, convencionou-se que esse tipo de incentivo seria aplicado unilateralmente por cada um dos membros do bloco, mas por tempo limitado. Todavia, o que se verifica é uma contínua renovação das autorizações, que, para o Brasil, são atualmente válidas até 31 de dezembro de 2028, conforme consta da Decisão CMC nº 08/2021.

Com base nesta premissa, os membros do Mercosul estabelecem, por meio de normas internas, seus próprios requisitos e processos de concessão do regime de Ex-tarifário.

No caso do Brasil, verifica-se que a última década foi marcada por mudanças bruscas no direcionamento do instrumento, em que o tema foi regulamentado, sucessivamente, pelas seguintes normas: Resolução Camex nº 66/2014, Portaria ME nº 309/2019 e Portaria ME nº 324/2019 e Resolução Gecex nº 515/2023.

Antes de adentrar nos critérios e processos de concessão designados pelas normas supracitadas e de tecer considerações sobre estes, cabe ressaltar que o Ex-tarifário, na condição de benefício ou incentivo fiscal [2] – não nos importa diferenciar ou discutir qual das expressões seria mais acertada – é uma liberalidade governamental. Portanto, natural que a cada mudança de gestão haja ajustes e modificações que reflitam as políticas e premissas que se pretende ver aplicadas.

Isto, a nosso ver, não é apenas legítimo, mas esperado. O problema reside nos momentos em que a legalidade e a segurança jurídica são sacrificadas para que tais objetivos políticos sejam atingidos de forma açodada e sem fundamento legal. Assim, a análise e as provocações aqui propostas não dizem respeito ao que deve ser objeto do regime e quais os critérios corretos ou equivocados que são ou foram aplicados, mas à necessidade de transparência e legalidade, independente do conteúdo material dessas regras e das diretrizes políticas que as amparam.

Velhas polêmicas
Com as diversas atualizações do marco normativo do regime de Ex-tarifário, também foram modificados os critérios de concessão e as etapas do processo de análise.

Em que pese o rito sempre ter sido amparado, em linhas gerais, pela exigência de pleito formal ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), em análise prévia para averiguar a existência de todos os elementos técnicos e descritivos do produto, em consulta pública que permitisse à indústria nacional se manifestar sobre a existência de similar nacional e na formulação de parecer técnico com recomendação de deferimento ou indeferimento do pleito para decisão da Câmara de Comércio Exterior (Camex), observa-se que algumas mudanças pontuais tiveram grande impacto da aplicação do regime ao longo dos últimos anos.

A primeira – e grande – polêmica se deu com a Portaria ME nº 309/2019 que removeu a Receita Federal do processo de concessão. Isto porque, até então a autoridade fiscal era responsável por se manifestar, em prazo pré-fixado, a respeito da classificação fiscal e da descrição da mercadoria sugeridas pelo pleiteante [3].

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Esta etapa, por sua vez, acabava por trazer certa limitação a futuras autuações em sede de revisão aduaneira quando a equipe de fiscais da ponta discordava do tratamento concedido à mercadoria no curso de análise do pleito de Ex-tarifário.

Inclusive, tem-se diversos precedentes judiciais e do Carf de casos em de afastamento de autuações fiscais quando comprovado que o importador teria sido o próprio pleiteante do ex-tarifário e que, portanto, a classificação adotada teria sido validada, tácita ou expressamente, pela RFB em momento prévio [4].

Posteriormente, com a exclusão da RFB do processo de concessão, acabou-se por aumentar o espaço para fiscalização no curso e/ou após o despacho aduaneiro, o que vem favorecendo um número maior de lançamentos e discussões sobre classificação fiscal e descrição de mercadorias, com consequente reflexo na carga tributária da importação.

Ainda que este seja aqui tratado como um problema “antigo”, não se pode negar que suas implicações são ainda muito presentes nos dias atuais, em que se verifica com frequência os desafios que empresas pleiteantes de ex-tarifários enfrentam ao buscar desembaraçar máquinas e equipamentos importados cujas próprias informações serviram para a concessão do benefício – situação que não deveria ocorrer, já que, independentemente da classificação, a redução é concedida para um determinado e específico produto cuja ausência de similar nacional foi devidamente comprovada.

Trata-se de situação problemática e sensível, que talvez merecesse um artigo específico. Todavia, como não há espaço suficiente aqui para tratar da questão com a devida profundidade, vale apenas registrar a ressalva de que a situação acima – e nossa preocupação – diz respeito apenas aos casos em que o importador seja o real pleiteante do Ex-tarifário, não se confundindo com os casos de importadores que apenas usufruem de redução tarifária já em vigor, os chamadas free riders.

Novas polêmicas e desafios
A segunda polêmica que precisa ser endereçada e que possui contornos bem mais recentes diz respeito às regras não escritas que vêm dificultando o processo de obtenção de Ex-tarifários.

Com a mudança de governo e, consequentemente, da direção das políticas públicas e comerciais, houve também ajustes nas regras do regime de Ex-tarifário. Em linhas gerais, buscou-se um modelo mais próximo àquele vigente antes de 2019, afastando-se assim a possibilidade de redução tarifária sob o fundamento de preço ou prazo de entrega quando existente produção nacional.

Essas mudanças, bastante razoáveis e coerentes, foram refletidas na Resolução Gecex nº 512 de 16 de agosto de 2023, que passou a regulamentar o processo. O dilema, contudo, não se deu pelo novo marco jurídico publicado, mas pelas ações políticas que o seguiram.

Primeiramente, verificou-se, entre o final de 2023 e início de 2024, uma enxurrada de revogações de Ex-tarifários até então vigentes. Ainda que todas as revogações tenham sido realizadas por meio de processos formalizados, as decisões da Camex sobre elas se deram de forma coletiva, fazendo com que fossem formalizadas mais de 4.600 revogações em cerca de cinco reuniões [5].

Ora, o que se vê é que a Camex, apesar de ser a autoridade com competência para decidir processual e materialmente sobre a concessão das reduções sob o amparo de relatórios técnicos, vem cegamente ratificando as recomendações recebidas da Secretaria de Desenvolvimento e Competitividade Industrial (SDIC/MDIC).

Não bastasse a preocupante supressão de instância decisória, a situação torna-se ainda mais frágil quando verificado que o alto número de pleitos recebidos e de revogações realizadas e em andamento é administrado por uma equipe que não parece ter muito mais do que uma dezena de técnicos.

Por melhor e mais qualificada que a equipe seja – e de termos motivos concretos para acreditar nisso –, parece humanamente impossível garantir que todas as revogações tenham sido individualmente avaliadas e consideradas em toda a sua complexidade, haja vista o excesso de trabalho e prazos impostos de modo a garantir que o contraditório e a ampla defesa, além da correta aplicação dos critérios do regime, tenham sido exaustivamente cumpridos.

Passada a fase das massivas revogações, a maior parte dos beneficiários anteriormente contemplados com Ex-tarifários e que se sentiu injustiçada diante da real ausência de oferta de produto similar nacional, se viu diante de duas opções: (1) apresentar pedido de reconsideração à Camex; ou (2) entrar com um novo pleito e buscar demonstrar, novamente, que faz jus ao benefício.

Os que optaram pelo pedido de reconsideração foram surpreendidos com respostas genéricas e a afirmação de que as revogações de Ex-tarifários não comportam recurso administrativo já que as decisões do Gecex sobre o tema “não teriam natureza sancionatória” tendo como escudo parecer formulado pela Advocacia Geral da União nesse sentido (Parecer nº 00137/2023/ConJur-MDIC/CGU/AGU).

Em nossa visão, tem-se aqui uma situação bastante temerária. Isso porque a Lei n. 9.784/99 não distingue os tipos de processo ao tratar do direito dos administrados em formular recursos em face de razões de legalidade e de mérito. Além disso, se considerado que os membros da Camex validaram as revogações em lista e sequer avaliaram os processos individuais, tem-se, na prática, uma decisão formulada por autoridade única e, em certo nível, incompetente.

Em adição, sequer poderia ser utilizado argumento de que o Ex-tarifário não teria “dono” como razão para afastar a possibilidade de recurso, uma vez que a referida lei do processo administrativo garante o direito não só ao titular do direito, mas também àqueles cujos direitos ou interesses forem indiretamente afetados pela decisão recorrida [6].

Existem alternativas?
A judicialização do tema, ainda que cabível, não parece ser encarada pela maioria das empresas como uma saída inteligente ou adequada, em parte pela morosidade e pela dificuldade de discussão técnica aprofundada, e em outra pelo fato de que, em se tratando de benefício fiscal, ainda que o Judiciário garantisse o direito ao processamento do recurso, não há muito o que ser feito quanto ao conteúdo discricionário da decisão.

Diante disso, as empresas se veem diante de uma última alternativa: recomeçar do zero o pleito de concessão do regime.

Ocorre que as surpresas não terminam por aqui e aqueles que recentemente protocolaram pedidos de ex-tarifário sabem do que estamos falando. A despeito da existência de norma publicada e formal que trata dos requisitos e critérios necessários, a SDIC vem impondo critérios adicionais à análise e ao recebimento de pleitos.

Antes mesmo de aceitar os pleitos recebidos e os encaminhar para a consulta pública, a autoridade passou a dar novo tratamento ao projeto de investimento, requisito contido no inciso III do art. 4º da Resolução Camex nº 512/2023.

Segundo relatos de diversos setores e informações oficiais obtidas, as novas exigências visam impedir os pleitos de produtos destinados à revenda, independentemente do tipo de equipamento e da existência de exigências regulatórias de manuseio, certificação e assistência técnica. Com efeito, criou-se uma limitação não escrita de que o pleiteante deve, obrigatoriamente, ser o usuário final do produto, sob pena de arquivamento do pleito.

Além das óbvias preocupações de legalidade e segurança jurídica, o que chama a atenção é a discriminação que será instaurada a partir de agora. Isto porque, seguindo a regra de o Ex-tarifário não tem “dono” e pode ser utilizado por qualquer importador cujo produto se enquadre na classificação e descrição em vigor, estamos em vias de criar regras conflitantes e completamente ilegais.

Pode haver discriminação entre revendedor e usuário? Nenhum revendedor pode ser pleiteante de ex-tarifário, mas caso este venha a ser pleiteado por usuário final e seja deferido, não deveria poder ser livremente utilizado por todo e qualquer interessado? Revendedor não é pleiteante mas pode ser importador? Haverá controle de uso e destino de importações sob ex-tarifário? Essas restrições não afetam a liberdade empresarial das empresas e suas escolhas em termos operacionais? Essa são algumas das inúmeras dúvidas e provocações que derivam da situação atual…

Considerações finais
Toda matéria que envolve benefícios fiscais, principalmente na importação, traz consigo complexidades e pressões que não facilmente dirimíveis. Portanto, não se pode querer simplificar e condenar as políticas atuais como se não tivessem, ao menos em parte, interesses e responsabilidades legítimas por trás.

A nosso ver, o ponto central reside em garantir que, independentemente do rumo adotado para as políticas de Ex-tarifário, a legalidade e a transparência não sejam maculadas.

Por ser um regime discricionário, cabe ao governo federal fazer as regras, sejam elas liberais ou protecionistas, destinadas a inúmeros usuários ou apenas algumas dezenas. Não importa. A questão não é política, é jurídica.

Sabemos que unanimidade não é um objetivo palpável. Qualquer que seja a regra, irá desagradar uma parcela do mercado. Ainda assim, existe unanimidade na exigência de que, satisfeitos ou insatisfeitos, todos os administrados sejam publicamente informados sobre as regras a que estão sujeitos e que tenham seu direito limitado tão somente nos casos taxativamente previstos em lei. Do contrário, não é um segmento ou outro do mercado que sofre, mas o próprio Estado Democrático de Direito.

[1] MDIC. Portal do Ex-tarifário. Disponível em . Acesso em 15 jul 2024.

[2] Sobre os aspectos conceituais referentes ao tema “benefício fiscal”, sugere-se a leitura do artigo do colega Rosaldo Trevisan publicado nesta coluna em 18/6/2024, disponível aqui.

[3] Vide art. 4º da Resolução Camex nº 66/2014.

[4] A título de exemplo, cita-se o Acórdão Carf nº 3401-008.402 de 22/10/2020.

[5] Conforme consta nas atas publicadas no site da Camex referentes às deliberações das reuniões 205, 206, 210, 211 e 212 do Gecex, corridas entre julho de 2023 e março de 2024.

[6] Arts. 56 e 58, II da Lei nº 9.784/99.

Fernanda Kotzias

associada do Veirano Advogados.

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