As despesas de logística reversa como insumos e o entendimento do Carf

Diego Diniz Ribeiro, João Vivacqua, Mariel Orsi Gameiro, Maria Carolina Maldonado Kraljevic

O tema da coluna de hoje já foi objeto de tratamento anterior neste espaço, em pertinente texto de Alexandre Evaristo Pinto [1]. Em todo caso, considerando se tratar de um tema ainda pouco explorado, bem como a sua repercussão não só para o Direito Tributário, mas também para o advento de um meio-ambiente mais justo e equilibrado, em especial em tempo de tragédias climáticas, nos parece apropriado retomar a discussão neste momento.

Logística reversa e repercussões tributárias
Em 2010, foi promulgada a Lei nº 12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), com foco na redução, reutilização, reciclagem, tratamento e descarte adequado desses resíduos. O principal objetivo dessa legislação é mitigar os impactos ambientais causados pelos rejeitos, utilizando diversos mecanismos para garantir seu destino ambientalmente apropriado.

Uma das maneiras de atingir as metas de regulação dos resíduos sólidos é a implementação das operações de logística reversa, definida pelo inciso XII do artigo 3º da citada Lei nº 12.305/2010 como um instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado pelo conjunto de ações, procedimentos e meios “destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos”, ou ainda a garantir a destinação final “ambientalmente adequada”.

Trata-se de um procedimento por meio do qual todos os envolvidos com o produto — seja na produção, venda ou consumo — compartilham a responsabilidade por seu ciclo de vida e têm o dever legal de assegurar o descarte adequado.

Diante desse cenário, que estabeleceu um ônus legal de se promover a logística reversa para determinadas atividades empresariais, as quais, em grande medida, são tributadas pelas contribuições ao PIS e à Cofins, surge uma relevante questão: os gastos com a implementação das operações de logística reversa poderiam ser classificados como “insumos” para fins de creditamento no regime não-cumulativo dessas contribuições?

Gastos com logística reversa e o conceito jurídico de insumo
Desde 2002, com o advento da sistemática do regime não-cumulativo, discutiu-se a natureza dos “insumos” para fins de creditamento, o que, a partir do julgamento, pelo STJ, do Recurso Especial 1.221.1/PR, foi entendido como um conceito que “deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item — bem ou serviço — para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte” [2].

O critério da essencialidade corresponde a um elemento estrutural do processo produtivo do bem ou serviço, cuja falta compromete a sua qualidade, quantidade ou eficiência. Por sua vez, considera-se um dispêndio relevante quando a sua “finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção.” Em seu voto, a ministra Regina Helena Costa destaca que esta integração pode se dar por singularidades da cadeia produtiva ou, ainda, em decorrência de imposição legal.

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Tais conceitos, de essencialidade e relevância, embora bem delimitados pelo STJ no citado precedente, são dotados de uma certa generalidade e abstração, motivo pelo qual demandam a sua conformação a partir da análise do caso concreto, ou seja, com algum grau de casuísmo.

Nesse sentido, um primeiro e importante ponto para precisar se um dispêndio com logística reversa se enquadra ou não no conceito de insumo é avaliar, de forma minudente, a atividade empresarial realizada pelo contribuinte em cotejo à sua efetiva realidade operacional.

O dispêndio incorrido “após” a cadeia produtiva do bem ou serviço
Todavia, uma das discussões a respeito do creditamento dos dispêndios com logística reversa a título de insumos gira em torno do fato de tais despesas, em regra, ocorrerem “após” a consumação da cadeia produtiva do bem ou serviço, o que pretensamente inviabilizaria a tomada de créditos. Nesse sentido se manifestou a Receita Federal na Solução de Consulta 215/2021. Tal posição, todavia, nos parece equivocada.

Isso porque, para o exercício de determinadas atividades, o atendimento de certas exigências ambientais, inclusive de logística reversa, é fruto de imposição legal. Em outros termos, certas empresas são obrigadas, por normas cogentes, a incorrer em gastos necessários para a implementação dos procedimentos de logística reversa como forma sine qua non de viabilizar a própria existência da atividade empresarial então exercida.

Ou seja, sem a adoção destas medidas ambientalmente orientadas, não é possível à empresa operar, o que, por sua vez, inviabiliza a obtenção de suas receitas. Recorde-se que justamente este deve ser o critério orientador do conceito de insumos: precisar os valores essenciais ou relevantes empregados por uma empresa para exercer sua atividade econômica e, com isso, gerar receita.

Assim, é possível se inverter a ordem de pensamento a respeito deste tema: a logística reversa não é um dispêndio incorrido após a conclusão do processo produtivo, mas é a premissa inescapável do início da produção do bem. Sem ela, não há autorização legal para a produção e, logo, não há receita.

Da adequada discussão do tema e os precedentes do Carf
Como bem pontua a jurisprudência do Carf, o fato de um dispêndio ser posterior ao processo produtivo, não necessariamente o desnatura como insumo para fins de creditamento de PIS e de Cofins. Em verdade, essa posição restritiva e rechaçada pelo Carf, parte do já superado conceito de insumo que equipara o creditamento para PIS e Cofins com o creditamento para o IPI.

Exemplificando a posição do Tribunal Administrativo para a matéria, destacam-se acórdãos que permitem o creditamento das referidas contribuições no caso de dispêndios com o tratamento de efluentes, os quais se vinculam diretamente a ideia de logística reversa. A título de exemplo, o Carf, por meio de julgamento de recurso repetitivo (Acórdão nº 3401-012.499) [3] e de forma unânime, reconheceu o direito ao crédito aqui analisado em favor de uma fabricante de papel, com relação ao dispêndio com tratamento de efluentes, considerando a essencialidade da água utilizada no processo produtivo do papel, para além “da óbvia constatação de que as regras ambientais brasileiras são claras na necessidade de tratamento de resíduos para evitar a contaminação de rios e fontes de água potável”.

Um dos pontos fundamentais para a conclusão acima alcançada foi o fato de o fabricante estar sujeito a diferentes imposições legais para o tratamento dos efluentes [4]–[5], que também é tema já tratado pela Câmara Superior de Recursos Fiscais, no Acórdão 9303-008.400,[6] no qual se afirmou que “a atividade industrial gera efluentes que precisam ser tratados e dada a destinação correta, por força da legislação ambiental. Dessa forma, as reversões das glosas dos créditos sobre os custos/despesas incorridas com (i) tratamento e destinação de efluentes industriais (…) devem ser mantidas, reconhecendo-se o direito de o contribuinte aproveitar créditos sobre tais custos/despesas”.

No mesmo sentido, destaca-se o Acórdão nº 3301-013.627 [7], de relatoria da conselheira Sabrina Coutinho Barbosa. No referido julgado se discutiu a possibilidade de creditamento em relação ao processo de descarte adequado de embalagens de fertilizantes e agrotóxicos, chamado no voto de “resíduo agrossilvopastoril”. No caso, esse descarte adequado, decorrente de imposição legal, seria relevante à atividade empresarial, implicando a admissão do creditamento relativo aos gastos com seu transporte.

Conclusão
Conforme se observa dos precedentes aqui analisados, é possível afirmar que o Carf se posiciona no sentido de que a existência de imposição legal é um importante critério para autorizar o creditamento dos dispêndios relacionados à preservação do meio-ambiente, ainda que não integrem o processo produtivo.

Ademais, como desenvolvido no texto, o procedimento de logística reversa é uma premissa para a produção em si do bem, pois é condição sine qua non para o próprio exercício de determinadas atividades empresariais, uma vez que sem a implementação de determinadas medidas de logística reversa, algumas atividades empresariais sequer podem ser realizadas.

Por tais razões, acreditamos que o Carf, na eventualidade de enfrentar outros gastos incorridos – para além do tratamento de efluentes – com a implementação de sistemas de logística reversa por imposição legal, igualmente deve concluir de forma favorável à possibilidade de tomada de créditos de PIS e Cofins, de modo a integrar [8] a sua jurisprudência, conforme prescrito no artigo 926 do CPC [9].

Por fim, como se não bastassem as razões jurídicas para autorizar o creditamento dos gastos com implementação de logística reversa pelo PIS e Cofins, o descarte inadequado de produtos – cujo combate é o objetivo último da logística reversa – é incompatível com o atingimento das metas de redução de emissão de gases de efeito estufa assumidas pelo Brasil no plano internacional.

[1] Disponível em: O Carf e os créditos de PIS e Cofins sobre logística reversa (conjur.com.br). Acessado em 07/10/2024.

[2] E essa questão está devidamente sedimentada, considerando o teor do julgamento, com repercussão geral, do RE nº 841.979 pelo STF, que redundou no Tema 756, in verbis:

O legislador ordinário possui autonomia para disciplinar a não cumulatividade a que se refere o art. 195, § 12, da Constituição, respeitados os demais preceitos constitucionais, como a matriz constitucional das contribuições ao PIS e COFINS e os princípios da razoabilidade, da isonomia, da livre concorrência e da proteção à confiança;
É infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a discussão sobre a expressão insumo presente no art. 3º, II, das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03 e sobre a compatibilidade, com essas leis, das IN SRF nºs 247/02 (considerada a atualização pela IN SRF nº 358/03) e 404/04.
III. É constitucional o § 3º do art. 31 da Lei nº 10.865/04. (g.n.).

Segundo a tese firmada pelo STF, compete ao STJ dar a última palavra a respeito do conteúdo semântico do termo “insumo”.

[3] Relatoria do conselheiro Renan Gomes Rego.

[4] No mesmo sentido: Acórdão Carf n. 3301-012.932, relator conselheiro Laércio Cruz Uliana Júnior; Acórdão Carf n. 3201-008.800, relator conselheiro Leonardo Vinícius Toledo de Andrade; Acórdão Carf n. 9303-012.104, relator conselheiro Rodrigo Possas;

[5] No mesmo sentido, de que a exigência legal é critério fundamental para a validação do creditamento, é o teor do Parecer Normativo Cosit/RFB nº 5, de 17 de dezembro de 2018, in verbis:

Conforme relatado, os Ministros incluíram no conceito de insumos geradores de créditos da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, em razão de sua relevância, os itens “cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção (…) por imposição legal”.
(…).

São exemplos de itens utilizados no processo de produção de bens ou de prestação de serviços pela pessoa jurídica por exigência da legislação que podem ser considerados insumos para fins de creditamento da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins: a) no caso de indústrias, os testes de qualidade de produtos produzidos exigidos pela legislação4; b) tratamento de efluentes do processo produtivo exigido pela legislação c) no caso de produtores rurais, as vacinas aplicadas em seus rebanhos exigidas pela legislação5 , etc.
(…). (g.n.).

[6] Relatoria do conselheiro Rodrigo da Costa Possas.

[7] Assim ementado: No que toca ao transporte de sucata “SUCATA DE SACARIA PLÁSTICA” (e-fl. 513), também reverto à glosa, valendo-me da Lei nº 12.305/2010 que institui a política nacional de resíduos sólidos, apela pelo compromisso socioambiental, dessa forma traz diretrizes e planos para os resíduos sólidos, na qual versam os artigos 20 e 33:

“Art. 20. Estão sujeitos à elaboração de plano de gerenciamento de resíduos sólidos:

II – Os estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços que:

V – Os responsáveis por atividades agrossilvopastoris, se exigido pelo órgão competente do Sisnama, do SNVS ou do Suasa.

Art. 33. São obrigados a estruturar e implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de:

I – Agrotóxicos, seus resíduos e embalagens, assim como outros produtos cuja embalagem, após o uso, constitua resíduo perigoso, observadas as regras de gerenciamento de resíduos perigosos previstas em lei ou regulamento, em normas estabelecidas pelos órgãos do Sisnama, do SNVS e do Suasa, ou em normas técnicas;”

Compreende resíduo agrossilvopastoril a atividade agropecuária, silvicultural, inclusive embalagens de fertilizantes e de agrotóxicos. Logo, o descarte adequado de sacaria plástica é essencial, demandando, portanto, transporte. Reverto, pois, a glosa e reconheço o crédito. (g.n.).

[8] Tratando de integração, desintegração e hiperintegração de precedentes, vide: RIBEIRO, Diego Diniz. A rescisão da coisa julgada com base em precedentes do STF e do STJ: uma análise critica no processo judicial tributário. São Paulo: Noeses, 2024. pp.225-228.

[9] Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

Diego Diniz Ribeiro, João Vivacqua, Mariel Orsi Gameiro, Maria Carolina Maldonado Kraljevic

Diego Diniz Ribeiro
é advogado tributarista e aduanerista, ex-conselheiro titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento, professor de Direito Tributário, Direito Aduaneiro, Processo Tributário e Processo Civil, doutor em Processo Civil pela USP, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet e pesquisador do NEF da FGV-SP e do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do IBET.

João Vivacqua
é acadêmico de Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Mariel Orsi Gameiro
é conselheira do Carf, professora de Direito Tributário e Aduaneiro em cursos de pós-graduação e graduação, responsável executiva do GT de Direito Aduaneiro da FGV-SP, mestre em Medicina pela Unesp e doutoranda em Direito Tributário na UFMG.

Maria Carolina Maldonado Kraljevic
é mestre e doutoranda em Direito Tributário pela PUC-SP, conselheira da 1ª Turma da CSRF do Carf e advogada (licenciada), contadora e professora.

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