Aquisição de empresas não financeiras por instituições financeiras
Walter Douglas Stuber
Através de deliberação tomada na reunião realizada em 29 de março de 2003, o Conselho Monetário Nacional (CMN) passou a exigir a autorização prévia do Banco Central do Brasil (Bacen) para permitir a participação de Instituições Financeiras (IFs) e demais instituições autorizadas pelo Bacen (entidades equiparadas), de forma direta ou indireta, no capital de quaisquer sociedades não integrantes do Sistema Financeiro Nacional (empresas não financeiras), sediadas no Brasil ou no exterior.
A nova medida foi instituída pela Resolução nº 4.062, de 30 de março de 2012 (Res. 4.062/2012), que alterou a redação do artigo 8º da Resolução nº 2.723, de 31 de maio de 2000 (Res. 2.723/2000). A Res. 2.723/2000 estabelece normas, condições e procedimentos para a instalação de dependências, exterior, e para a participação societária direta ou indireta, no Brasil ou no exterior, por parte de IFs e demais entidades equiparadas.
Anteriormente, bastava uma mera comunicação da operação à autoridade monetária e não era necessário nenhum tipo de aprovação por parte do Bacen ou de qualquer outro órgão governamental para que as IFs pudessem participar de empresas não financeiras. Nos termos da redação original do artigo 8º da Res. 2.723/2000, as IFs e demais entidades equiparadas deviam apenas informar ao Bacen, na forma e no prazo divulgados pelo próprio Bacen, as participações societárias detidas no capital de outras empresas localizadas no país, bem como a sua alienação parcial ou total.
Agora essa situação mudou. As novas regras previstas na Res. 4.062/2012 são as seguintes:
(i) participação de IFs e demais entidades equiparadas, de forma direta ou indireta, no capital de quaisquer sociedades sediadas no Brasil ou no exterior, depende de autorização prévia do Bacen. A única exceção a essa regra são as participações societárias típicas de carteiras de investimento mantidas por bancos de investimento, bancos de desenvolvimento, agências de fomento, e bancos múltiplos com carteira de investimento ou de desenvolvimento;
(ii) essa regra aplica-se à participação societária inicial, ao aumento percentual dessa participação e às situações para as quais é exigida a elaboração de demonstrações financeiras de forma consolidada;
(iii) não há necessidade de autorização prévia do Bacen no caso de participações societárias no Brasil, de caráter temporário, não registradas no ativo permanente e não consolidadas na forma da regulamentação em vigor;
(iv) somente serão admitidas participações em empresas que exerçam atividades complementares ou subsidiárias da instituição participante;
(v) os pedidos de autorização para participação societária e para aumento percentual de participação devem ser instruídos com informações e justificativas circunstanciadas, que contemplem, no mínimo: (a) a descrição do objeto social e das atividades da sociedade participada; (b) a análise da sinergia decorrente da participação; e (c) a adequação da participação societária à estratégia de negócios da instituição participante;
(vi) o Bacen poderá: (a) determinar, a qualquer tempo, que as IFs ou entidades equiparadas apresentem informações e justificativas circunstanciadas com relação a participações societárias de sua titularidade, bem como a implementação de medidas de ajuste consideradas cabíveis; e (b) estabelecer as condições para a remessas dessas informações e justificativas.
O objetivo dessas novas regras é dar mais segurança ao sistema financeiro, reduzindo os riscos sistêmicos que podem ser ampliados quando uma IF, que tem como atividade-fim a intermediação financeira, passa a atuar em outro segmento. Se a IF quiser explorar outra atividade, precisará consultar o Bacen.
De acordo com a própria justificativa apresentada pelo Bacen, essa medida consolida e dá mais transparência ao processo de participações de IFs e entidades equiparadas em empresas não financeiras, visando avaliar de maneira consolidada e sistêmica os níveis de risco assumido. Também se insere no contexto do processo de convergência da regulamentação brasileira aos padrões internacionais, em particular às recomendações do Banco de Compensações Internacionais (Bank for International Settlements – BIS). Cabe à autoridade supervisora, que no caso do Brasil é o Bacen, aprovar, rejeitar, impor critérios e condições para participações significativas de IFs e entidades equiparadas em empresas não financeiras.
As situações em que é exigida a elaboração de demonstrações financeiras de forma consolidada continuam as mesmas e são aquelas previstas no artigo 3º da Res. 2.723/2000 e não foram modificadas pela Res. 4.062/2012.
De acordo com o artigo 3º da Res. 2.723/2000, as IFs e demais entidades equiparadas devem elaborar suas demonstrações financeiras consolidadas, incluindo as participações em empresas localizadas no Brasil ou no exterior em que detenham, direta ou indiretamente, isoladamente ou em conjunto com outros sócios, inclusive em função da existência de acordos de votos, direitos de sócio que lhes assegurem, isolada ou cumulativamente: (i) preponderância nas deliberações sociais; (ii) poder de eleger ou destituir a maioria dos administradores; (iii) controle operacional efetivo, caracterizado pela administração ou gerência comum; (iv) controle societário.
Considera-se controle societário a soma das participações detidas pela IF ou entidade equiparada, independentemente do percentual, com as de titularidade de seus administradores, controladores e empresas ligadas, como daquelas adquiridas, direta ou indiretamente, por intermédio de fundos de investimento. Os investimentos em ações realizados de forma indireta, através de fundos de investimento, devem ser tratados como participações societárias para os efeitos da Res. 2.723/2000.
Na elaboração das demonstrações consolidadas devem ser incluídas, ainda que não haja participação societária, as IFs e demais entidades equiparadas vinculadas por controle operacional efetivo, caracterizado pela administração ou gerência comum ou pela atuação no mercado sob a mesma marca ou nome comercial.
Devem ser consideradas proporcionalmente as participações societárias das IFs e demais entidades equiparadas nas seguintes entidades: (i) empresas não financeiras localizadas no Brasil em que haja controle compartilhado com outros conglomerados, financeiros ou não, ou pertencentes ao setor público; (ii) IFs e demais entidades equiparadas, em que haja controle compartilhado com instituições pertencentes a conglomerados financeiros distintos, sujeitos à supervisão do Bacen; e (iii) empresas localizadas no exterior, em que haja controle compartilhado com outros conglomerados, financeiros ou não.
O artigo 4º da Res. 2.723/2000 esclarece que também se admite a consolidação das demonstrações financeiras proporcionalmente à participação societária detida, na hipótese de inexistência de controle societário, desde que previamente autorizada pelo Bacen.
Da análise da Res. 4.062/2012, podemos concluir que, doravante, investimentos permanentes realizados por IFs ou entidades equiparadas estão sujeitos à prévia autorização do Bacen. Uma das condições para a obtenção dessa autorização é que a empresa não financeira a ser adquirida exerça atividade complementar ou subsidiária à da IF ou entidade equiparada interessada em deter essa participação societária. Investimentos feitos em caráter temporário, todavia, não dependem da manifestação do órgão regulador. Nesse sentido, um banco de investimento, um banco de desenvolvimento, uma agência de fomento ou um banco múltiplo com carteira de investimento ou desenvolvimento pode perfeitamente adquirir uma empresa não financeira e proceder à reorganização societária da companhia com a finalidade de depois revendê-la. Esse tipo de operação se enquadra como participação societária típica de carteira de investimento, e não depende, portanto, de autorização prévia do Bacen.
Walter Douglas Stuber
Sócio fundador da Walter Stuber Consultoria Jurídica. Especialista em Direito Bancário e Mercado de Capitais, Investimentos Estrangeiros e Negociações Empresariais, abrangendo Mergers & Acquisitions, Direito Comercial e Societário.