Aplicação concomitante de multa isolada e multa de ofício e a proposta da Súmula nº 17 do CARF

Mary Elbe Gomes Queiroz/ Antonio Carlos F. de Souza Júnior

Nos dias 10 e 11 de dezembro de 2012, o CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda – irá votar as proposições de novas súmulas (01). Tal convocação possui respaldo no art. 72 do RICARF (02) que permite a aprovação de súmulas se dois terços de todos os conselheiros aprovarem a proposição submetida à votação. Foram apresentadas 26 proposições de súmulas relativas a temas variados, como retificação de declaração de ajuste das pessoas físicas, enquadramento de atividade no SIMPLES, dedutibilidade de tributos com exigibilidade suspensa etc.

Aqui trataremos apenas da proposição nº 17 que diz respeito à aplicação concomitante da multa isolada por não recolhimento de IRPJ e CSLL sob a forma de estimativas e a multa de ofício pelo não recolhimento do IRPJ e CSLL.

Pois bem, a proposta de enunciado de súmula contempla a seguinte redação:

"Até 21 de janeiro de 2007, a multa prevista no art. 44, inciso I, da Lei nº 9.430/96, não se aplica concomitantemente sobre IRPJ ou CSLL devidos no ajuste anual e sobre as correspondentes estimativas não recolhidas, apurados sobre a mesma base de cálculo constatada em procedimento fiscal".

Para cumprimento do requisito estabelecido no § 1º do art. 73 do RICARF (03), a proposição foi instruída com os precedentes relacionados na tabela a seguir, os quais veiculam uma ratio decidendi acerca da matéria a ser sumulada. Vejamos:

Acórdão

Data julgamento

Ementa

9101-00.713

09/11/2010

FALTA DE RECOLHIMENTO POR ESTIMATIVA. MULTA ISOLADA. CONCOMITÂNCIA.

A multa isolada por falta de recolhimento de CSLL sobre base de cálculo mensal estimada não pode ser aplicada cumulativamente com a multa de lançamento de oficio prevista no art. 44, I, da Lei 9.430/96, sobre os mesmos valores apurados em procedimento fiscal.

9101-00.744

09/11/2010

CSLL – MULTA ISOLADA – CONCOMITÂNCIA – Incabível a aplicação da multa isolada concomitantemente com a multa de ofício.

9101-00752

13/12/2010

MULTA ISOLADA. ANO-CALENDÁRIO DE 2000. FALTA DE RECOLHIMENTO POR ESTIMATIVA, CONCOMITÂNCIA COM MULTA DE OFÍCIO EXIGIDA EM LANÇAMENTO LAVRADO PARA A COBRANÇA DO TRIBUTO.

Incabível a aplicação concomitante da multa por falta de recolhimento sobre bases estimadas e da multa de oficio exigida no lançamento para cobrança de tributo, visto que ambas penalidades tiveram como base o valor da receita omitida apurado em procedimento fiscal.

9101-00.888

23/02/2011

FALTA DE RECOLHIMENTO POR ESTIMATIVA. MULTA ISOLADA. CONCOMITÂNCIA.

A multa isolada por falta de recolhimento de IRPJ e CSLL sobre base de cálculo mensal estimada não pode ser aplicada cumulativamente com a multa de lançamento de oficio prevista no art. 44, I, da Lei 9.430/1996.

9101-00.947

29/03/2011

FALTA DE RECOLHIMENTO POR ESTIMATIVA. MULTA ISOLADA. CONCOMITÂNCIA.

A multa isolada por falta de recolhimento de IRPJ e CSLL sobre base de cálculo mensal estimada não pode ser aplicada cumulativamente com a multa de lançamento de oficio prevista no art. 44, I, da Lei 9.430/1996.

9101-01.043

27/06/2011

MULTA ISOLADA. FALTA DE RECOLHIMENTO POR ESTIMATIVA. CONCOMITÂNCIA COM MULTA DE OFÍCIO EXIGIDA EM LANÇAMENTO LAVRADO PARA A COBRANÇA DO TRIBUTO.

Conforme precedentes da CSRF são incabíveis a aplicação concomitante da multa por falta de recolhimento sobre bases estimadas e da multa de oficio exigida no lançamento para cobrança de tributo quando ambas as penalidades tiveram como base o valor da receita omitida apurada em procedimento fiscal.

1401-00.021

12/03/2009

MULTA ISOLADA. EXISTÊNCIA DE MULTA PROPORCIONAL. A multa de oficio sobre CSL efetiva (anual) exclui a incidência da multa isolada sobre CSL mensal por estimativa. Apenado o continente, incabível apenar o conteúdo.

1401-00.051

14/05/2009

MULTAS ISOLADAS COBRADAS JUNTO COM MULTA PROPORCIONAL.

A exigência de multa sobre o valor não pago de IRPJ e CSL efetivamente devidos (anuais) afasta a incidência de multas isoladas sobre valor não pago de IRPJ e CSL mensais por estimativa. Apenado o continente, incabível apenar o conteúdo.

101-96.862

13/08/2008

IRPJ – MULTA ISOLADA – Os incisos I e II caput e os incisos

I, 11, III e IV, § 1º., do art. 44. da Lei n. 9.430196, devem ser interpretados de forma sistemática, sob pena de a cláusula penal ultrapassar o valor da obrigação tributária principal, constituindo-se num autêntico confisco e num "bis in idem" punitivo, em detrimento do principio da não propagação das multas e da não repetição da sanção tributária.

105-17.292

16/10/2008

MULTA ISOLADA – Multa isolada aplicada sobre valores surgidos de recomposição daqueles declarados originalmente e aplicada concomitantemente com a multa de oficio não deve prosperar.

102-49.364

05/11/2008

MULTA ISOLADA E MULTA DE OFÍCIO – CONCOMITÂNCIA – IMPOSSIBILIDADE – A multa isolada não pode ser exigida concomitantemente com a multa de oficio. Precedentes da Câmara e da Câmara Superior de Recursos Fiscais.

104-23.368

06/08/2008

MULTA DE LANÇAMENTO DE OFICIO E MULTA ISOLADA – CONCOMITÂNCIA – É incabível, por expressa disposição legal, a aplicação concomitante de multa de lançamento de oficio exigida com o tributo ou contribuição, com multa de lançamento de oficio exigida isoladamente (Artigo 44, inciso I, § 1 0, itens II e III, da Lei nº. 9.430, de 1996).

104-23.304

25/06/2008

MULTA DE LANÇAMENTO DE OFICIO E MULTA ISOLADA – CONCOMITÂNCIA – É incabível, por expressa disposição legal, a aplicação concomitante de multa de lançamento de oficio exigida com o tributo ou contribuição, com multa de lançamento de oficio exigida isoladamente (Artigo 44, inciso I, § 1 0, itens II e III, da Lei nº. 9.430, de 1996).

 
Conforme pode ser observado, os precedentes citados veiculam entendimento uniforme da jurisprudência administrativa no sentido da impossibilidade jurídica de cumulação de multa isolada em virtude de ausência de recolhimento de estimativas e multa de ofício sem fazer, contudo, nenhuma restrição temporal sobre a aplicabilidade deste entendimento.

Ocorre que, na redação na mencionada proposição, há uma clara intenção de limitar a aplicação do mencionado entendimento para os fatos ocorridos até 21 de janeiro de 2007. Isto, pretende-se criar uma limitação temporal que não consta nos precedentes que dão respaldo à proposição da súmula.

Registre-se, porém, que tal equívoco na redação, caso seja acolhido, poderá levar a uma alteração no entendimento pacificado na Primeira Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais e não pode dar suporte à aprovação de súmula, uma vez que a súmula é o extrato do entendimento reiterado e pacífico da jurisprudência, o que não configura o caso como acima já ficou demonstrado.

Importa alertar que existe uma tese capitaneada por uma corrente minoritária do CARF que defende a possibilidade de aplicação concomitante da multa isolada por estimativa e multa de ofício, após a edição da Medida Provisória 351/2007, publicada no DOU em 22/01/2007, posteriormente convertida na Lei nº 11.488/2007. Para esses, a referida norma permite a aplicação concomitante de multa isolada e de ofício, mesmo após o encerramento do ano-calendário, de modo que o entendimento pela impossibilidade de cumulação deve ficar restrito aos fatos ocorridos até 21 de janeiro de 2007.

Todavia, a referida tese não vem sendo aceita pela 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos fiscais, como por exemplos nos Acórdãos: 9101-01.113 (04), julgado em 02/08/2011 e 9101-00.504, julgado em 26/01/2010.

Com isso, a redação da proposição, ao restringir a impossibilidade de cumulação a fatos anteriores a 22 de janeiro de 2007, caminha no sentido oposto a jurisprudência da própria Câmara Superior de Recursos Fiscais.

Ademais, caso a proposição venha a ser aprovada, há de ser reconhecer a sua invalidade, haja vista a existência de vício no procedimento de aprovação em virtude do descumprimento do comando estabelecido no § 1º do art. 73 do RICARF.

Isto é, os precedentes que instruem uma proposição de súmula, repita-se, devem corroborar com o entendimento proposto e não ir em sentido diametralmente oposto, como no caso da proposição aqui apontada, motivo pelo qual se deve reconhecer o vício no procedimento de aprovação.

Diante desse cenário, cabe-nos o alerta, aos ilustres Conselheiros do Pleno do CARF, para a necessidade de alteração da redação da proposição nº 17 ou não aprovação nos moldes propostos na citada Portaria CARF nº 27/2012.

Notas

(01) Portaria CARF nº 27/2012.

(02) Art. 72. As decisões reiteradas e uniformes do CARF serão consubstanciadas em súmula de observância obrigatória pelos membros do CARF. § 1º Compete ao Pleno da CSRF a edição de enunciado de súmula quando se tratar de matéria que, por sua natureza, for submetida a duas ou mais turmas da CSRF. § 2º As turmas da CSRF poderão aprovar enunciado de súmula que trate de matéria concernente à sua atribuição. § 3º As súmulas serão aprovadas por 2/3 (dois terços) da totalidade dos conselheiros do respectivo colegiado. § 4º As súmulas aprovadas pelos Primeiro, Segundo e Terceiro Conselhos de Contribuintes são de adoção obrigatória pelos membros do CARF.

(03) Art. 73. (…)§ 1º A proposta de que trata o caput será dirigida ao Presidente do CARF, indicando o enunciado, devendo ser instruída com pelo menos 5 (cinco) decisões proferidas cada uma em reuniões diversas, em pelo menos 2 (dois) colegiados distintos.

(04) Ementa: APLICAÇÃO CONCOMITANTE DE MULTA DE OFÍCIO E MULTA ISOLADA – MATÉRIA PACIFICADA – ARTIGO 67, § 10º DO RICARF . Incabível a aplicação concomitante de multa isolada por falta de recolhimento de estimativas no curso do período de apuração e de ofício pela falta de pagamento de tributo apurado no balanço. A infração relativa ao não recolhimento da estimativa mensal caracteriza etapa preparatória do ato de reduzir o imposto no final do ano. A primeira conduta é meio de execução da segunda. A aplicação concomitante de multa de ofício e de multa isolada na estimativa implica em penalizar duas vezes o mesmo contribuinte pela imputação de penalidades de mesma natureza, já que ambas estão relacionadas ao descumprimento de obrigação principal que, por sua vez, consubstancia-se no recolhimento de tributo.

Mary Elbe Gomes Queiroz/ Antonio Carlos F. de Souza Júnior

Mary Elbe Gomes Queiroz: Doutora em Direito Tributário (PUC/SP) e Mestre em Direito Público (UFPE); Pós-graduação na Espanha e Argentina; Professora do Programa de Doutorado e Mestrado da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE e dos cursos de pós-graduação da: PUC/Cogeae/SP, IBET/SP UFBA, IDP/Brasília; Presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários - IPET; Presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil- CEAT-Brasil.

Antonio Carlos F. de Souza Júnior: Mestre em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Pós-graduação em Direito Tributário pelo IBET/SP. Professor do Curso de Pós-graduação do IBET/IPET em Recife/PE. Advogado sócio de Queiroz Advogados Associados.

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