Algo de errado não está certo na ofensiva pela reoneração da folha
José Luis Ribeiro Brazuna
No último dia 25, o ministro Cristiano Zanin, do STF (Supremo Tribunal Federal), concedeu liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.633-DF, suspendendo os artigos da Lei nº 14.784/2023 que permitiriam a prorrogação da contribuição substitutiva sobre receita bruta (CPRB) até 31 de dezembro de 2027.
Antonio Augusto/STFMinistro Cristiano Zanin
A justificativa para a medida cautelar? Violação ao artigo 113, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), porque a referida lei não teria sido acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.
O Senado interpôs agravo regimental.
Defende que a decisão deve ser reconsiderada porque: (1) o artigo 113 apenas se aplica à criação ou alteração de despesa obrigatória ou de renúncia de receita; (2) a Lei nº 14.784/2023 não criou nada, mas apenas prorrogou o regime de desoneração existente; e (3) o relator da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado apresentou o impacto da prorrogação da desoneração (R$ 9,4 bilhões, com a projeção positiva de geração de mais de 620 mil empregos).
Sustentou também que a prorrogação foi autorizada pelo artigo 11, da Emenda Constitucional nº 132/2023, e pelo artigo 30, da Emenda nº 103/2019, sendo inaplicável a norma genérica do artigo 113, do ADCT.
Por fim, o recurso senatorial lembrou que o adicional de 1% da Cofins-importação, previsto no artigo 8º, § 21, da Lei nº 10.865/2004, foi criado e prorrogado até 2027 como “medida de compensação” à desoneração da folha de salários.
Rapidamente, a Secretaria da Receita Federal emitiu nota pública afirmando que a decisão do Supremo deve ser aplicada imediatamente à competência de abril de 2024. As entidades desoneradas estariam obrigadas, então, ao recolhimento da contribuição sobre folha já no próximo dia 20 de maio.
Parece estar certo que a corte precisa encontrar algo de errado com a desoneração. Parece ser certo que o Executivo federal considera errada a decisão do Poder Legislativo em prorrogar a CPRB. Parece estar certo que há muita coisa errada nisto tudo.
Vaivém
O Congresso promulga a Lei nº 14.784/2023 e o presidente da República opõe o seu veto. O Congresso derruba o veto. O presidente edita a Medida Provisória nº 1.202/2024. O Supremo é acionado contra a medida provisória, mas não emite decisão. O presidente da República revoga a medida provisória e encaminha o Projeto de Lei nº 493/2024 ao Congresso. O governo aguarda o processo legislativo e, abruptamente, aciona o STF, que no dia seguinte suspende a lei de 2023.
A suspensão é válida até que sobrevenha “demonstração do cumprimento do que estabelecido no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias” e que haja “oportunidade do necessário diálogo institucional”. O Senado recorre e demonstra que cumpriu o artigo 113. E agora? Ficaremos sujeitos ao tal “diálogo institucional”, seja lá o que isso queira dizer?
Como bem lembrado no agravo senatorial, a desoneração da folha foi acompanhada, na sua origem, da imposição do adicional de 1% da Cofins-importação.
A contribuição substitutiva atendeu, desde sempre, ao artigo 14, da Lei Complementar nº 101/2001, segundo o qual a concessão ou a ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária deve ser justificada: (1) na demonstração de que a renúncia não afetará os resultados fiscais previstos na lei de diretrizes orçamentárias; ou (2) na criação de uma medida de compensação, mediante elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
A CPRB jamais precisaria ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro. O seu impacto é e sempre foi neutralizado pelo adicional da Cofins-importação. Quisesse o Legislador prorrogar a CPRB, mas deixar de cobrar o adicional de 1%… aí sim, seria uma outra conversa.
O certo e o errado
O que está certo é que a gestão fiscal do governo federal está muito errada.
Está muito errada a concertação (ou seria “diálogo institucional”?) entre o Executivo e o Judiciário no indefensável atropelo à decisão do Legislativo de manter um benefício fiscal devidamente compensado pelo aumento de outro tributo, em claro cumprimento ao artigo 14, inc. II, da Lei de Responsabilidade Fiscal.
E está muito errada a aparente certeza de que os contribuintes pagarão a conta, já no próximo dia 20. E às favas com qualquer tipo de anterioridade!
Está certo que não só na Emenda Constitucional nº 132/2023, como também na Emenda nº 103/2019, por duas vezes o Constituinte Derivado decidiu manter a cobrança da contribuição substitutiva e desonerar a folha. Mas isso deve estar errado. É preciso que esteja errado, na visão do Executivo federal.
Enquanto isso, uma claque desidratada assiste ao presidente da República, em pleno 1º de maio, defender que a reoneração é boa para gerar emprego. E que a desoneração só privilegia os ricos.
Será esse o fundamento a embasar uma próxima decisão favorável ao governo?
Algo de errado parece não estar certo.
José Luis Ribeiro Brazuna
professor do IBDT, mestre em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e fundador do Bratax (Brazuna, Ruschmann e Soriano Sociedade de Advogados).