Ainda há questões acerca da cobrança de IPTU sobre área concedida

Fernando Facury Scaff

Por Fernando Facury Scaff

Fernando Facury Scaff [Spacca]O assunto desta coluna margeia o direito financeiro e o tributário, tratando de federalismo fiscal, isto é, da disputa entre a imunidade reciproca estabelecida pelo artigo 150, VI, “a”, em cotejo com a competência tributária concedida aos municípios pelo artigo 156, I, todos da Constituição.

O ponto central é saber se é permitido aos municípios cobrar IPTU sobre áreas concedidas pela União. Para usar um exemplo: pode o município de Guarulhos cobrar IPTU sobre a área concedida pela União à operadora aeroportuária GRU, que administra o Aeroporto de Guarulhos, em Cumbica? Esse exemplo pode ser multiplicado para outros aeroportos, portos, ferrovias etc.

Até março de 2017 o entendimento sedimentado do Supremo Tribunal Federal era no sentido de reconhecer a imunidade recíproca, ou seja, impedir essa cobrança municipal. Como se tratava de propriedade da União, não havia incidência. E mais, mesmo havendo concessão, isso não ocorria com animus domini; logo, mesmo sendo previsto o domínio como aspecto material da hipótese de incidência (artigo 32, caput, CTN), a distinção teórica efetuada a afastava, pois só ocorreria quando houvesse a intenção e a possibilidade de ser dono. Essa tese era consagrada no STF desde a época do ministro Moreira Alves.

Entre março e abril de 2017 foram julgados dois recursos extraordinários com diametral mudança de entendimento.

O RE 601.720, que teve como relator originário o ministro Fachin, e relator para o acórdão o ministro Marco Aurélio, admitiu a incidência de IPTU, cobrado pelo município do Rio de Janeiro, sobre uma área da União, cedida à Infraero, que havia sido alugada para uma concessionária de veículos. No caso, verificava-se que as concessionárias que haviam se instalado de um lado da rua, locatárias da Infraero, não pagavam IPTU, e as do lado oposto, cuja propriedade era privada, eram oneradas por esse imposto. O problema concorrencial aflorava. No caso, o líder da divergência alegou que o problema estava em que, “uma vez verificada atividade econômica, nem mesmo as pessoas jurídicas de direito público gozam da imunidade, o que dizer quanto às de direito privado”. A decisão foi no sentido de ser permitida a cobrança do imposto municipal nessa situação, afastando a imunidade recíproca.

O RE 594.015, julgado à mesma época, teve o ministro Marco Aurélio como relator original, tendo sido esposada tese idêntica. No caso, o município de Santos buscava cobrar IPTU sobre terreno da União, arrendado à CODESP – Companhia Docas do Estado de São Paulo, que administra o Porto de Santos, e que subarrendou parte da área para a Petrobras. O debate mais acerbo neste caso foi entre os ministros Marco Aurélio e Roberto Barroso, acerca da delimitação do Tema da Repercussão Geral.

Propunha o primeiro a seguinte redação: “Incide o IPTU, considerado o imóvel de pessoa jurídica de direito público, arrendado a pessoa jurídica de direito privado, devedora do tributo.” A proposta do Ministro Barroso obteve mais votos, tendo recebido a seguinte redação o Tema 385: “A imunidade recíproca não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público, quando seja ela exploradora de atividade econômica com fins lucrativos. Nessa hipótese, é constitucional a cobrança de IPTU pelo Município.”

Aparentemente o assunto está resolvido, a despeito da existência de embargos de declaração ainda em curso. Porém, olhando com lupa, constata-se que existem ainda muitos problemas a serem enfrentados.

Um deles diz respeito às atividades mistas, o que pode ser melhor esclarecido aproveitando o exemplo acima. Constata-se que, pela Constituição, a atividade de infraestrutura aeroportuária é serviço público (artigo 21, XII, “c”), tal como diversas outras. Logo, lido de forma literal o Tema 385 não alcançará a empresa que vier a explorar a concessão de serviço público aeroportuário, pois este se refere à empresa privada “exploradora de atividade econômica com fins lucrativos”. Ocorre que nem tudo que faz parte da concessão é serviço público, pois existem diversas atividades envolvidas por toda a área física objeto da concessão – esta área compõe a base de cálculo do IPTU.

Seguramente faz parte da área física destinada às atividades de serviço público a pista de pouso e decolagens, a torre de controle e o pátio de manobras de aeronaves. Tais áreas físicas, destinadas às atividades de serviço público, seguramente não podem compor a base de cálculo do IPTU, sob pena de infringência do Tema 385, lido de forma sistêmica. Afinal, incluir tais áreas infringe a imunidade recíproca estabelecida pelo artigo 150, VI, “a”, CF, inclusive os §§ 2º e 3º do mesmo artigo, sendo incabível a aplicação do artigo 173, §2º, também da Constituição.

Por outro lado, as áreas físicas destinadas às comodidades aos passageiros, que, de certa forma, se assemelham a uma galeria de lojas ou a um shopping center (a depender do aeroporto), são destinadas a atividades econômicas com nítido intuito lucrativo — em alguns aeroportos existem até empreendimentos hoteleiros. Entendo que essa área deve compor a base de cálculo do IPTU, observado o enunciado do Tema 385.

O exemplo acima, para aeroportos, pode ser replicado na análise de cada área concedida, a depender da atividade desenvolvida.

Os municípios que extrapolarem essa delimitação de base de cálculo, seguramente verão sua pretensão arrecadatória judicializada, e a data de sua solução lembrará “o apito do trem, que já veio, que já veio, que já veio…”, como na música de Chico Buarque.

Como se vê, os problemas não se encerraram com a decisão sobre o Tema 385, remanescendo outras questões, tais como saber quem será o sujeito passivo da cobrança do IPTU? O concessionário como um todo, ou o lojista? Descarta-se, de pronto, a dupla incidência sobre a mesma área. É necessário analisar esse aspecto nas situações mais complexas, como a acima descrita.

Outra dúvida remanescente diz respeito à expressão constante do artigo 150, §3º, que permite a cobrança do imposto quanto ocorre “… pagamento de (…) tarifas pelo usuário…”. Porém esse aspecto não foi enfrentado pelas decisões acima mencionadas e pelo Tema 385, que se cingiu a tratar da empresa privada exploradora de atividade econômica com fins lucrativos. Como é sabido, nestes casos não há tarifa, mas preço.

Existem ainda dúvidas acerca da modulação dos efeitos da decisão do STF.

Se vier a ser retroativa, alcançando 05 anos para trás, os efeitos jurídicos serão perversos, pois haverá desequilíbrio da equação econômico-financeira dos contratos, uma vez que, quando foram celebrados, esse tributo municipal não era cobrado (ver artigo 24, LINDB). E, nesse caso, as concessionárias cobrarão da União a eventual exigência de IPTU retroativo que lhes vier a ser endereçada — e aqui, ao fim e ao cabo, teremos os Municípios cobrando uma dívida da União, o que pode até ser possível do ponto de vista jurídico, mas é inadequado do ponto de vista econômico. Toda a sociedade pagará por esse custo.

Se a decisão for de efeitos imediatos, também haverá desequilíbrio econômico-financeiro do contrato, porém quem arcará com esse custo serão os usuários dos serviços, devendo ser reajustada de imediato a planilha de custos.

O ideal é que a decisão seja modulada para efeitos futuros, alcançando os contratos em curso — usualmente de longo prazo —, mas dando tempo aos agentes econômicos para reorganizar seus negócios, em face da oneração fiscal municipal. Desse modo, estará sendo respeitado o princípio da segurança jurídica ou da não-surpresa.

Enfim, a matéria, embora decidida pelo STF e até mesmo assentada em termos de repercussão geral, não está esgotada, uma vez que muitos problemas concretos ainda pendem de solução, alguns dos quais acima apontados.

Fernando Facury Scaff

Advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Melo, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados; professor da USP e livre docente em Direito pela mesma universidade.

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