ADIN do funrural pode ser a salvação da lavoura

Fabriccio Petreli Tarosso

Mantendo uma predileção por alterar, ao sabor dos ventos, a sua (no caso já consolidada) Jurisprudência, em 17/05/18 o STF concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário 718.874, rejeitando os embargos e deixando de modular os efeitos da respectiva decisão, cujo R.E., tomado em sede de Repercussão Geral, tratou do conhecido Funrural, contribuição previdenciária que incide sobre a receita bruta da comercialização, pelo produtor rural pessoa física e empregador. Em 30/03/2017, a Corte já havia apreciado o mérito, fixando a seguinte tese: “É constitucional, formal e materialmente, a contribuição social do empregador rural pessoa física, instituída pela Lei 10.256/2001, incidente sobre a receita bruta obtida com a comercialização de sua produção”.

Cabe pontuar que a Lei de 2001 (artigo 1º) somente “reinstituiu” o Funrural, dando nova redação ao caput do artigo 25 da Lei 8.212/1991, da seguinte forma:

Antes da Lei 10.256/01:

Art. 25. A contribuição da pessoa física e do segurado especial referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta lei, destinada à Seguridade Social, é de:

Depois da Lei 10.256/01:

Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22 [ FOLHA DE SALÁRIOS ], e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de:

No entanto, a Lei de 10.256/01 nada dispôs sobre os incisos do Art. 25 da Lei 8.212/1991 que tratam apenas das alíquotas.

Porém – e este é o objetivo do breve ensaio – a obrigação dos adquirentes em reter e recolher o Funrural (sub-rogação), em relação aos produtos que estes compram dos produtores, está prevista no artigo 30, inciso IV da Lei 8.212/90, texto legal, relevantíssimo frisar, que não foi objeto de análise pelo STF no recente julgado mencionado. E não o foi porque se tratou de demanda proposta por produtor e não pelo adquirente. Em outras palavras, decidiu o Supremo que o Funrural é devido pelo contribuinte produtor rural.

Ocorre que o mesmo STF, em duas ocasiões e por unanimidade, já houvera assinalado que o Funrural, mesmo sendo constitucional, não pode ser exigido dos adquirentes.

A primeira decisão ocorreu no RE 363.852/MG (leading case – caso Mataboi):

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO – PRESSUPOSTO ESPECÍFICO – VIOLÊNCIA À CONSTITUIÇÃO – ANÁLISE – CONCLUSÃO. Porque o Supremo, na análise da violência à Constituição, adota entendimento quanto à matéria de fundo do extraordinário, a conclusão a que chega deságua, conforme sempre sustentou a melhor doutrina – José Carlos Barbosa Moreira -, em provimento ou desprovimento do recurso, sendo impróprias as nomenclaturas conhecimento e não conhecimento. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – COMERCIALIZAÇÃO DE BOVINOS – PRODUTORES RURAIS PESSOAS NATURAIS – SUB-ROGAÇÃO – LEI Nº 8.212/91 – ARTIGO 195, INCISO I, DA CARTA FEDERAL – PERÍODO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98 – UNICIDADE DE INCIDÊNCIA – EXCEÇÕES – COFINS E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – PRECEDENTE – INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR. Ante o texto constitucional, não subsiste a obrigação tributária sub-rogada do adquirente, presente a venda de bovinos por produtores rurais, pessoas naturais, prevista nos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com as redações decorrentes das Leis nº 8.540/92 e nº 9.528/97. Aplicação de leis no tempo – considerações”. [1]

Posteriormente, sob o regime da repercussão geral, o STF nos autos do RE 596.177, manteve a inconstitucionalidade, assim decidindo:

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PREVIDENCIÁRIA. EMPREGADOR RURAL PESSOA FÍSICA. INCIDÊNCIA SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO. ART. 25 DA LEI 8.212/1991, NA REDAÇÃO DADA PELO ART. 1º DA LEI 8.540/1992. INCONSTITUCIONALIDADE. I – Ofensa ao art. 150, II, da CF em virtude da exigência de dupla contribuição caso o produtor rural seja empregador. II – Necessidade de lei complementar para a instituição de nova fonte de custeio para a seguridade social. III – RE conhecido e provido para reconhecer a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 8.540/1992, aplicando-se aos casos semelhantes o disposto no art. 543-B do CPC”. [2]

Diz trecho do voto do Min. Lewandowski no citado julgado:

“Por essas razões, conheço do recurso extraordinário e dou-lhe provimento para declarar a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 8.540/1992, que deu nova redação aos arts. 12, V e VII, 25, I e II, e 30, IV, da Lei 8.212/1991, e determino a aplicação desse entendimento aos demais casos, nos termos do art. 543-B do CPC.”

Importante sublinhar que leis posteriores não trouxeram nova redação ao aludido art. 30, inciso IV que permanece inconstitucional em razão do declarado (por duas vezes) pelo STF.

Como se não bastasse, tramita no Supremo Tribunal Federal desde 2.010 a ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) n. 4.395 de autoria da Abrafrigo – Associação Brasileira de Frigoríficos e patrocinada pelo escritório Tarosso Advogados Associados, que pede a declaração de inconstitucionalidade também do próprio art. 30, inciso IV da Lei nº 8.212/91 (sub-rogação). A relatoria é do Min. Gilmar Mendes, tendo havido parecer favorável da Procuradoria Geral da República.

Não obstante as duas manifestações de inconstitucionalidade pelo STF, s.m.j não restam dúvidas que o resultado do julgamento no RE 718.874 em nada interfere na necessária análise da ADIN 4.395 (pela sua extensão erga omnes), haja vista que, repita-se, o dispositivo da sub-rogação não fora objeto de discussão na decisão de 2017.

Não bastasse isso, não se pode furtar ao registro da Resolução do Senado n. 15/2017 (D.O.U. de 13/09/17) suspendendo a execução dos inciso I e II do art. 25 da Lei 8.212/91 (que tratam das alíquotas[3]), mas também do referido inciso IV do art. 30 (obrigação legal da sub-rogação para o adquirente da produção rural).

No âmbito do Poder Executivo, as Resoluções Senatoriais fundadas no art. 52, X, da CF, aliadas ao disposto no Decreto Federal n. 2.346 de 10 de outubro de 1997, vinculam a Administração Pública Federal, fazendo com que as decisões do E. STF, dotadas de eficácia ex tunc, ou seja, retroativa (como assim foi nos célebres já citados célebres RREEs nºs. 363.852/MG e 596.177-RG/RS) produzam efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, verbis:

DECRETO Nº 2.346, DE 10 DE OUTUBRO DE 1997

Art. 1º As decisões do Supremo Tribunal Federal que fixem, de forma inequívoca e definitiva, interpretação do texto constitucional deverão ser uniformemente observadas pela Administração Pública Federal direta e indireta, obedecidos aos procedimentos estabelecidos neste Decreto.

§ 1º Transitada em julgado decisão do Supremo Tribunal Federal que declare a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, em ação direta, a decisão, dotada de eficácia ex tunc, produzirá efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, salvo se o ato praticado com base na lei ou ato normativo inconstitucional não mais for suscetível de revisão administrativa ou judicial.

§ 2º O disposto no parágrafo anterior aplica-se, igualmente, à lei ou ao ato normativo que tenha sua inconstitucionalidade proferida, incidentalmente, pelo Supremo Tribunal Federal, após a suspensão de sua execução pelo Senado Federal.

Além do mais, apenas para argumentar, não se pode conceber a sub-rogação como obrigação acessória (dever material imposto no interesse da fiscalização), pois trata-se de critério de identificação do sujeito passivo da obrigação principal.

Nesse sentido o Art. 113, § 2º do CTN:

“Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. (…)” (destacamos)

Ademais, a regra de que o acessório segue o principal não tem cabimento para a questão em apreço, haja vista que a sub-rogação, sem dúvida, não se traduz numa obrigação de fazer. Além do que, apenas a validação da obrigação principal (dever de recolher o Funrural) não se desloca, de forma desmedida, a terceiros, haja vista que a obrigação tributária é ex lege (nasce somente da Lei).

Como conclusão, pode-se afirmar que, eventual “constitucionalização”, pelo STF, da Lei 10.256/01 – que, como dito, não trata sequer da sub-rogação prevista no Art. 30, IV, da lei 8.212/91, dispositivo já declarado inconstitucional pelo STF em duas vezes – não pode projetar efeitos ao sub-rogado, adquirente.

Por estas razões, espera-se que o Supremo Tribunal Federal, no dever de exercer sua função tão esperada de Guardião da Constituição, aprecie a ADIN 4.395, retomando a coerência com que já decidiu, restaurando assim a segurança jurídica.

AUTOR:

* .

– A

[1] STF, RE 363852, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 03/02/2010, DJe-071 DIVULG 22-04-2010 PUBLIC 23-04-2010 EMENT VOL-02398-04 PP- 00701 RTJ VOL-00217-01 PP-00524 RET v. 13, n. 74, 2010, p. 41-69.

[2] STF, RE 596177, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2011, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-165 DIVULG 26-08-2011 PUBLIC 29-08-2011 EMENT VOL-02575-02 PP-00211 RT v. 101, n. 916, 2012, p. 653- 662.

[3] O que por si só já deveria ter sido suficiente para que o STF reconhecesse a inconstitucionalidade do FUNRURAL no RE 718.874, mas assim não o fez.

Fabriccio Petreli Tarosso

dvogado, Sócio do Escritório Tarosso Advogados Associados, Mestrando em Direito pela UNICURITIBA, Professor em Direito Tributário, Membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná (IDT-PR) e da Comissão de Direito Tributário da OAB-PR.
- Telefones: (41) 3323-1755 / 99949-9967;
- email: fabriccio@tarosso.com.br
- OAB-PR n. 31.938.

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