Acréscimos sobre depósitos em ações tributárias

Edmundo Emerson Medeiros e Bruno Romano

Em 2014, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou, por meio do Tema nº 677, que, “[n]a fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada”. No entanto, em 2022, a mesma 2ª Seção revisitou a matéria e, por apertada maioria de 7 votos a 6, alterou a tese. O novo entendimento estabelece que, “[n]a execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial”.

Essa alteração teve impacto imediato nos processos regidos pelo Código de Processo Civil (CPC), nos quais, mesmo mediante a realização do depósito judicial, o devedor permaneceu obrigado a arcar com o pagamento de juros e atualização monetária, servindo o valor depositado apenas para abater o saldo devedor total existente ao final do processo.

Após essa alteração de entendimento, as procuradorias municipais, estaduais, distrital e federal passaram a pleitear a aplicação do Tema nº 677 em processos tributários, sustentando que contribuintes, mesmo com débitos depositados judicialmente, deveriam arcar com os consectários de mora e a atualização monetária. Essa postura foi adotada em execuções fiscais, mandados de segurança e ações ordinárias em que o Fisco saiu vencedor, buscando ampliar o valor devido ao final das ações.

Observe-se, no entanto, que a tese fixada no Tema nº 677 não é aplicável aos processos tributários, principalmente porque a matéria foi julgada pela 2ª Seção do STJ, competente para questões de direito privado, como contratos, relações de consumo e direito de família, enquanto as matérias tributárias são de competência exclusiva da 1ª Seção, que julga questões de direito público, incluindo tributos e previdência. Essa diferença de competência reforça que não há similitude fática entre os casos que originaram o Tema nº 677 e os processos de execução fiscal.

Outro ponto fundamental é que os processos tributários seguem as disposições específicas da Lei nº 6.830/80, conhecida como Lei de Execuções Fiscais (LEF). Essa legislação tem prioridade sobre o CPC no âmbito fiscal, conforme estabelece o princípio da especialidade. O artigo 9º, parágrafo 4º, da LEF, por exemplo, determina que o depósito judicial “faz cessar a responsabilidade pela atualização monetária e juros de mora”.

Além disso, o artigo 32 da mesma lei atribui à instituição financeira responsável pelos depósitos judiciais a obrigação de garantir sua atualização monetária. Essa previsão transfere ao banco a responsabilidade que, nas execuções privadas, recai sobre o devedor por força do novo entendimento do STJ. O princípio da especialidade, amplamente reconhecido pela jurisprudência, reforça que normas específicas como as da LEF prevalecem sobre as gerais do CPC. A própria LEF dispõe em seu artigo 1° que “[a] execução judicial para cobrança da dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos municípios e respectivas autarquias será regida por esta lei [6.830/80] e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil”.

A tentativa de estender o alcance do Tema nº 677 para processos tributários também ignora a lógica subjacente à Lei de Execuções Fiscais, que transfere à instituição financeira a responsabilidade por garantir a correção monetária dos valores depositados. A aplicação automática de um entendimento originado em execuções privadas contraria não apenas a lei, mas também a sistemática processual específica que rege o direito tributário. Esse descompasso normativo reforça a necessidade de distinguir as situações tratadas pela 2ª Seção do STJ das competências da 1ª Seção, responsável por examinar matérias tributárias.

Portanto, embora o Tema nº 677 tenha redefinido o tratamento do depósito judicial nas execuções privadas, ele não se aplica aos processos tributários. Essa conclusão decorre (i) da ausência de similitude fática entre as execuções regidas pelo CPC e as execuções fiscais, bem como (ii) da prevalência do regime jurídico especial da Lei de Execuções Fiscais. Transferindo à instituição financeira a responsabilidade pelos consectários legais, a LEF assegura que o contribuinte, ao realizar o depósito judicial, extinga suas obrigações relativas à atualização monetária e aos juros de mora.

Assim, ao contrário das execuções privadas, nas quais o depósito judicial é considerado uma garantia de pagamento, nas execuções fiscais ele opera como uma verdadeira “quitação” antecipada do débito, salvaguardando aquele que depositou os valores em juízo para que esteja em situação de regularidade fiscal, protegendo o contribuinte de encargos adicionais e de uma cobrança indevida no futuro.

Edmundo Emerson Medeiros e Bruno Romano

Edmundo Emerson Medeiros e Bruno Romano são, respectivamente, coordenador de pós-graduação e professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie e sócio de SA Law Advogados; e professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) na Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Atuariais e Financeiras (Fipecafi) e na i9 Educação e sócio de Leite, Tosto e Barros Advogados

Gostou do artigo? Compartilhe em suas redes sociais

Depo 25 Bonus 25

Depo 25 Bonus 25