Ação rescisória, tempestividade e modulação de efeitos no Tema 985 do STF

Janson Hackbarth de Oliveira Matos

Conforme se extrai da regra disposta no artigo 975 do Código de Processo Civil [1], é bienal o prazo para proposição da rescisória a partir do trânsito em julgado da última decisão proferida nos autos.

Gustavo Moreno/SCO/STFstf fachada sede prédio
O presente artigo pretende se debruçar — de maneira não exaustiva, contudo — sobre a temática da ação rescisória em matéria tributária, sob um viés voltado à tempestividade em relação ao Tema 985 do Supremo Tribunal Federal.

A ação rescisória possui previsão legal no capítulo VII, entre os artigos 966 e 975 do Código de Processo Civil. No caso, buscamos discorrer a respeito de sua proposição de acordo com a hipótese do inciso V do artigo 966 do Código de Processo Civil, quando houve o trânsito em julgado desfavorável ao contribuinte e cuja decisão foi fundamentada com base no acórdão do mérito do Tema 985.

De início, já apontamos que entendemos cabível a utilização do remédio processual em tais hipóteses, visto que o acórdão então rescindendo violou norma jurídica, qual seja, o teor da decisão emanada pelo STF quando do julgamento dos Embargos de Declaração no RE 1.072.485, ocorrido em 12/6/2024.

Isso porque, dos desdobramentos do julgado pelo STF, há uma situação específica que merece discussão: considerando que o julgamento meritório ocorreu em 31/8/2020, com ata de julgamento publicada em 15/9 do mesmo ano, e que o julgamento dos embargos de declaração modulatórios ocorreu em 12/6/2024, após quase quatro anos, questiona-se a respeito da tempestividade da ação rescisória do acórdão transitado em julgado há mais de dois anos quando do julgamento dos embargos, estes supervenientes ao decurso do prazo previsto no artigo 975, e que afetaria a decisão já transitada.

Hierarquia das normas
Não pode ser incapacitado, sob o argumento da intempestividade, o contribuinte que busca a aplicação da modulação a si, quando preenchidos os requisitos, em razão da violação da garantia constitucional da segurança jurídica esculpido no disposto do artigo 5º, inciso XXXVI, da Carta Magna.

Tendo o legislador constituinte estabelecido que “a lei não prejudicará o direito adquirido (…)”, e estabelecido o STF, quando do julgamento dos Embargos de Declaração no Tema 985, que a decisão possui efeito ex nunc em relação ao acórdão do mérito contado da publicação da ata de publicação (em 15/9/2020), é inviável que o disposto no artigo 975 do Código de Processo Civil se sobreponha à garantia constitucional exposta, sob pena de violação da hierarquia das normas.

Spacca
Tratando de segurança jurídica em matéria rescisória, cita-se o magistério de Rafael Pandolfo:

“A segurança jurídica, é bom relembrar, é um escudo do contribuinte contra, justamente, a invalidade de normas produzidas pelo estado e a incerteza na sua aplicação. Não pode ser suscitada pela fazenda como fundamento para manutenção de uma decisão inconstitucional cujos efeitos atingiram o patrimônio de pessoas ou empresas. O princípio da não surpresa não socorre o Estado contra o cidadão. Pensar o contrário seria chancelar o verdadeiro venire contra factum propiumem favor do Estado” [2].

Deve ser aplicado, por equiparação e segurança jurídica, o disposto nos §§ 15 do artigo 525 e 8º do artigo 535 do Código de Processo Civil, portanto [3]. Isso porque os próprios parágrafos anteriores do mencionado dispositivo legal favorecem tal interpretação, eis que o § 5º, ao mencionar o disposto no inciso III do artigo 535 (alegação de inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação), estabelece que se considera inexigível

“obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.”

E, no § 7º, tal decisão deve ter sido proferida antes do trânsito em julgado da decisão exequenda, in casu, a decisão declaratória, quando aplicada a analogia para o caso concreto. Contudo, o § 6º estabelece a possibilidade do STF modular a decisão no tempo, de modo a favorecer a segurança jurídica. Nota-se, portanto, que a previsão do § 7º não abarca o disposto no § 6º, visto que não o menciona, quer seja por ter o legislador previsto a possibilidade da modulação ocorrer após o trânsito em julgado da decisão, quer seja por outro motivo.

Superioridade do direito fundamental
Portanto, o § 8º, ao nosso entender, visando garantir a segurança jurídica estabelecida pelo § 6º, todos do artigo 535 do CPC, deve ser contado, também, a partir do trânsito em julgado da decisão modulatória dos efeitos (acaso o julgamento ocorra após o julgamento do mérito).

Negar tal possibilidade por ocasião do decurso do prazo previsto no artigo 975 do Código de Processo Civil seria, também, negar a garantir da segurança jurídica, vedada pelo ordenamento jurídico democrático e justo que se busca, conforme lição de Mendes e Branco:

“O fato de os direitos fundamentais estarem previstos na Constituição torna-os parâmetros de organização e de limitação dos poderes constituídos. A constitucionalização dos direitos fundamentais impede que sejam considerados meras autolimitações dos poderes constituídos – dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário –, passíveis de serem alteradas ou suprimidas ao talante destes. Nenhum desses Poderes se confunde com o poder que consagra o direito fundamental, que lhes é superior. Os atos dos poderes constituídos devem conformidade aos direitos fundamentais e se expõem à invalidade se os desprezarem” [4].

Livre concorrência e segurança jurídica
Além disso, a violação também ocorreria em face da garantia da livre concorrência, no sentido de que aqueles que obtiveram posicionamento jurisdicional favorável para suspender as ações até o julgamento dos embargos que modularam os efeitos também garantiram vantagem econômica em relação àqueles que tiveram seus pedidos negados e o trânsito em julgado fundamentado no mérito da mesma ação.

Tampouco é cabível, adiantamos, a compreensão firmada pelo ministro Fux quando do julgamento do Tema 725 do STF [5] ao caso aqui debatido, visto que a situação se difere daquela em que a temática foi debatida e rechaçada pelo Poder Judiciário em momento anterior ao julgamento de mérito do paradigma, e a parte autora encontraria guarida em seu pleito tão somente pela modulação dos seus efeitos após o trânsito em julgado.

Da movimentação do RE paradigmático, ainda, verifica-se que, em 26/6/2023, o ministro relator André Mendonça deferiu pedidos de suspensão, em todo o território nacional, dos processos que versassem sobre o tema em bate, e somente em 12/6/2024 foram julgados os embargos naquele caso.

Em situação em que tivesse sido determinada a suspensão até o trânsito em julgado, sequer seria necessária a proposição de ação rescisória, de modo que a insegurança jurídica perpetrada, em contexto em que poder-se-ia resguardar a economia processual, é notória.

Princípio da igualdade
A manutenção da decisão, nos termos em que exarada, tão somente por conta de suposta intempestividade da proposição da ação rescisória, também violaria o princípio da igualdade, tendo em vista que diversos contribuintes, em situação idêntica, poderão utilizar-se do instrumento processual para garantir seu direito.

Neste esteio, por ocasião da mutabilidade dos conceitos e dos efeitos das decisões, por força da constitucionalidade da matéria, tal decisão seria tudo menos justa, visto que utilizada tão somente para a manutenção do poder, nos mesmos moldes como já expôs Hesse:

“Se as normas constitucionais nada mais expressam do que relações fáticas altamente mutáveis, não há como deixar de reconhecer que a ciência da Constituição jurídica constitui uma ciência jurídica na ausência do direito, não lhe restando outra função senão a de constatar e comentar os fatos criados pela Realpolitik. Assim, o Direito Constitucional não estaria a serviço de uma ordem estatal justa, cumprindo-lhe tão-somente a miserável função – indigna de qualquer ciência – de justificar as relações de poder dominantes” [6].

Conclusão
Temos, portanto, como necessário o conhecimento de eventuais ações rescisórias cujo trânsito em julgado decorreu há mais de dois anos, em razão de decisão fundamentada com base no mérito no Tema 985, visto que inviável a busca, até então, da rescisão, em razão da ausência de motivação.

[1] Art. 975. O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.

[2] PANDOLFO, Rafael. Jurisdição Constitucional Tributária: Reflexos nos processos administrativo e judicial. 2ª ed. São Paulo : Noeses, 2020. p. 238

[3] § 8º Se a decisão referida no § 5º for proferida após o trânsito em julgado da decisão exequenda, caberá ação rescisória, cujo prazo será contado do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

[4] MENDES, Gilmar Feirrera. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 18. ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2023. (Série IDP). Versão ePUB.

[5] A ação rescisória de que tratam os §§ 15 do art. 525 e o 8º do art. 535 do CPC, em respeito à segurança jurídica, deve ser proposta no prazo de 2 (dois) anos do trânsito em julgado da publicação da sentença ou acórdão que se fundou em ato normativo ou lei declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal no curso desse biênio

[6] HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. p. 11. Trad. Gilmar Ferreira Mendes, 1991

Janson Hackbarth de Oliveira Matos

advogado tributarista, associado ao escritório Basso, Cadore & Krahl Sociedade de Advogados, pós-graduando em Direito e Processo Tributário, autor de artigos jurídicos e membro de comissões temáticas da OAB-SC.

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