A transformação de produtos decorrentes da “atividade rural” e o regime jurídico de imposto sobre a renda aplicável

Jayme da Silva Neves Neto

Analisando os textos legais que instituíram o imposto sobre a renda da atividade rural, não nos resta outra conclusão, senão admitir que há um regime jurídico diferenciado e favorecido para este segmento.

Em resumo, buscando demonstrar a existência deste regime diferenciado, podemos destacar as seguintes diferenças: (i) possui forma de composição da base de cálculo diferenciada, consistente no resultado da diferença entre os valores das receitas recebidas e das despesas pagas no ano-base (artigo 4° da Lei n. 8.023 de 1990); (ii) os investimentos são equiparados a despesas, sendo permitida a sua dedução da receita bruta quando da apuração do resultado (artigo 4°, §2° da Lei n. 8.023 de 1990); (iii) há a opção e limitação da base de cálculo em vinte por cento da receita bruta do ano-base (artigo 5°, da Lei n. 8.023 de 1990); (iv) é permitida a compensação integral de prejuízos com o resultado positivo obtido nos anos-base posteriores (artigo 14 da Lei n. 8.023 de 1990); e (v) os deveres instrumentais também são distintos, devendo haver escrituração do livro caixa (art. 23 a 25 da Instrução Normativa SRF n. 83, de 11 de Outubro de 2001 e art. 3° da Lei n. 8.023 de 1990).

O texto do artigo 2°, V da Lei 8.023, de 1990, que tratou da definição do conceito da expressão “atividade rural” para fins de imposto sobre a renda, especificamente com relação à possibilidade de “transformação” dos produtos decorrentes de tal atividade, sofreu alterações pela Lei n. 9.250, de 1995, existindo até hoje calorosas discussões sobre sua interpretação.

Antes, com o texto inicial da Lei 8.023, de 1990, a redação do citado dispositivo legal (artigo 2°, V) era que seria considerada atividade rural a transformação de produtos agrícolas ou pecuários, sem que sejam alteradas a composição e as características do produto in natura e não configure procedimento industrial feita pelo próprio agricultor ou criador, com equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando exclusivamente matéria-prima produzida na área rural explorada.

A partir de 1995, com as alterações introduzidas pela Lei 9.250, de 1995, o texto passou a prescrever que é considerada atividade rural a transformação de produtos decorrentes da atividade rural, sem que sejam alteradas a composição e as características do produto in natura, feita pelo próprio agricultor ou criador, com equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando exclusivamente matéria-prima produzida na área rural explorada, tais como a pasteurização e o acondicionamento do leite, assim como o mel e o suco de laranja, acondicionados em embalagem de apresentação.

Cotejando ambos textos legais (revogado e vigente), de imediato é possível visualizar que as alterações foram relevantes, e demonstram a vontade do legislador de pacificar discussões até então travadas sobre a extensão do conceito de transformação de produtos decorrentes da atividade rural.

Primeiro, enquanto o texto anterior previa apenas a transformação de produtos agrícolas e pecuários, o texto vigente estendeu para produtos decorrentes da atividade rural, restando claro que todo e qualquer produto oriundo da atividade rural, e não só os agrícolas e pecuários, que forem submetidos à transformação e atenda aos demais requisitos do dispositivo legal, devem ter a renda tributada pelo regime diferenciado de imposto sobre a renda citado.

Segundo, o texto revogado prescrevia a condição de que a atividade de transformação não configure procedimento industrial, sendo que este texto foi excluído do texto vigente, permitindo a conclusão de que não mais há proibição para que a atividade industrial (agroindústria) possa realizar “atividade rural” e ser submetida ao regime tributário de imposto sobre a renda em análise[1], pois, do contrário, não haveria lógica na supressão do texto através de alteração legislativa.

Terceiro, o texto vigente alargou a significação da expressão “atividade rural”, ao enunciar exemplificativamente algumas atividades de transformação que seriam consideradas como rural tais como a pasteurização e o acondicionamento de leite, assim como o mel e o suco de laranja, acondicionados em embalagem de apresentação.

Importante interpretar a exclusão do texto não configure procedimento industrial e a citação exemplificativa de determinadas atividades de transformação como a pasteurização, o acondicionamento do leite, etc., de forma conjunta, pois a última vem a confirmar o que sustentamos, no sentido de que não mais é vedada a industrialização, como equivocadamente continua entendendo a Receita Federal.

O ponto central então é definir o conceito do termo transformação, determinando a extensão da sua significação, tarefa que não foi feita, ao menos expressamente, pelo legislador da Lei n. 8.023, de 1990.

No nosso entendimento, o termo transformação encamparia toda e qualquer alteração de produto decorrente da atividade rural, não obstante o legislador também tenha prescrito algumas outras condicionantes para que o contribuinte possa ser tributado pelo regime em estudo.

A questão central passaria, então, a ser a seguinte: até que ponto há coincidência entre as significações dos vocábulos transformação e industrialização? Ademais, se não há vedação para que a transformação consista em industrialização, onde houver coincidência das significações, ou seja, na margem em que se respeitar as demais condicionantes legais, o fato jurídico industrialização deverá ser submetido ao mesmo regime jurídico tributário que o fato transformação, para fins de imposto sobre a renda. 

Nesta sequência, a fim de delimitar o campo semântico em que há coincidência de sentido entre transformação e industrialização, para fins de imposto sobre a renda na atividade rural, importante fixar quais seriam atualmente os critérios condicionantes estipulados pelo artigo 2°, V da Lei n. 8.023, de 1990, para que o contribuinte possa realizar a transformação de produtos decorrentes da atividade rural, e ter o direito de que sua atividade seja considerada como rural e tributada pelo regime jurídico tributário em estudo.

A nosso ver, os requisitos legais, prescritos no próprio inciso V do art. 2° da Lei 8.023, de 1990, seriam os seguintes: i) proibição para que não haja alteração da composição e características do produto in natura; ii) obrigatoriedade de que a transformação seja feita pelo próprio contribuinte, sendo proibido, portanto que terceiro que venha a prestar serviços de transformação tenha a sua renda tributada pelo regime em análise; iii) obrigatoriedade de que a matéria-prima submetida à transformação seja produzida pelo próprio contribuinte; e, iv) obrigatoriedade de utilização da equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais.

Passaremos, então, a análise de cada requisito. Entendemos que (i) a proibição para que não haja alteração na composição e nas características do produto in natura, seria o grande ponto limitador da industrialização, pois, comumente, essa modifica as características do produto.

Todavia, o artigo 4° do Decreto n. 7.212, de 2010, que Regulamenta a cobrança, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto Sobre Produtos Industrializados – IPI, e definiu o termo industrialização, prescrevendo que seria qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para o consumo, deixa patente que para se industrializar não necessariamente há de se modificar a natureza do produto, sendo possível modificar apenas o funcionamento, acabamento, apresentação ou finalidade, etc..

De modo que, para fins de imposto sobre a renda na atividade rural, a transformação (industrialização) de produtos decorrentes da atividade rural será considerada como atividade rural, desde que apenas e tão somente não modifique a natureza do produto.

Assim, entendemos que na faixa apontada, há coincidência entre a significação dos signos transformação e industrialização, não havendo qualquer vedação para que o contribuinte (pessoa física ou agroindústria) tenha sua renda tributada pelo regime em estudo, desde que atendidos os demais requisitos estipulados pelo artigo 2°, V da Lei n. 8.023, de 1990[2].

Com relação a (ii) obrigatoriedade de que a transformação seja feita pelo próprio contribuinte, sendo proibido, portanto que terceiro que venha a prestar serviços de transformação tenha a sua renda tributada pelo regime em análise, se trata de condicionante razoável, onde o legislador buscou limitar a concessão do regime tributário diferenciado apenas ao contribuinte que pessoalmente pretenda avançar na cadeia de produção, realizando a transformação para agregar valor ao seu produto, vedando que outros sujeitos (pessoas físicas ou jurídicas) que não exerçam atividade rural propriamente dita, mas apenas pretendam prestar serviços de transformação, tenham o direito de se submeter ao regime privilegiado.

Sobre a (iii) obrigatoriedade de que a matéria-prima submetida à transformação seja produzida pelo próprio contribuinte, pensamos que se tratou, mais uma vez, de uma forma encontrada pelo legislador de extensão do regime tributário para terceiros que não exerçam a atividade rural propriamente dita e, não merecem o tratamento beneficiado, pois não realiza atividade de elevada incerteza (variações climáticas, instabilidade dos mercados).

Esse requisito é importante, pois no caso da agroindústria, por exemplo, é possível e há casos de frigoríficos de aves e suínos que produzem sua própria matéria prima, sendo, portanto, submetidos ao regime jurídico tributário em questão[3].

Importante também dizer que a produção pelo próprio contribuinte pode ser feita através de contrato de parceria, por exemplo, sendo que o texto legal deve ser interpretado com essa ressalva, pois o contribuinte, no caso da parceria, participa dos riscos do negócio juntamente com o parceiro.

E, por fim, a respeito da (iv) obrigatoriedade de utilização de equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais, há de ser interpretada com ressalvas, evitando-se uma interpretação que trave o crescimento e evolução do setor rural.

Em suma, utilizar equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais em 1950, tinha uma significação. Hoje, evidentemente, tem outra. Atualmente, para que a atividade rural dê lucro, ela deve ser exercida com eficiência, o que envolve utilização de equipamentos altamente mecanizados e complexos, sendo que essa busca pela eficiência não tem o condão de descaracterizar a atividade como rural[4].

Neste contexto, a transformação de produtos decorrentes da atividade rural, nos termos do artigo 2°, V da Lei 8.023, de 1990, em sua redação atual, encampa a atividade de industrialização, desde que respeitadas às condições estipuladas pelo próprio dispositivo legal.  

Notas:

[1] Neste sentido: CALCINI, Fábio Pallaretti. IRPJ/CSLL. Depreciação Incentivada Acelerada e Prejuízos Fiscais na Atividade Rural. Agroindústria. Jurisprudência do Carf. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n. 211, Abril de 2013, p. 47.
 
[2] Neste sentido: CARF, 1° CC, 7ª Câmara, Acórdão n. 107-09.548, Rel. Cons. Marcos Takata, julgado em 12.11.2008.
 
[3] Neste sentido: CARF, 1ª Seção, 1ª Câmara, 1ª Turma Ordinária, Acórdão n. 1101-00.014, Rel. Cons. Aloysio José Percínio da Silva, julgado em 12.3.2009.
 
[4] Neste sentido: CARF, 1ª Seção, 4ª Câmara, 2ª Turma Ordinária, Acórdão n. 1402-00.271, Rel. Cons. Antonio José Praga de Souza, julgado em 8.11.2010.

Jayme da Silva Neves Neto

Advogado, mestrando em Direito Tributário pela PUC/SP.

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