A retroatividade dos direitos antidumping e compensatórios
Bruno Guandalini
Com o Real forte e as importações cada vez mais intensas, a defesa da indústria nacional se faz necessária à preservação dos empregos e ao desenvolvimento do país. Para isso, colocam-se em prática instrumentos de defesa comercial como os direitos antidumping e compensatórios, previstos na Lei 9.019/1995, em conformidade com o Acordo Antidumping e o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias, ambos anexados ao Acordo Constitutivo da Organização Mundial de Comércio (OMC), o qual passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro em razão do Decreto nº 1.355 de 30 de dezembro de 1994.
Em linhas gerais, os direitos antidumping são aplicados de forma a evitar o dumping, o qual se verifica basicamente pela exportação para o Brasil por uma empresa estrangeira de um produto a preço inferior àquele praticado no país em que é produzido. Já os direitos compensatórios têm a função de compensar eventual subsídio concedido pelo governo, mesmo que indiretamente, ao produto exportado para o Brasil, para a fabricação, produção, exportação ou até mesmo transporte, e que cause dano à indústria doméstica.
Deve-se mencionar, ainda, que para a aplicação destes direitos, é necessário que ocorra anteriormente um processo de investigação para apurar a prática de concorrência desleal, o qual é realizado pelo Departamento de Defesa Comercial (DECOM) – estrutura da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – que determinará exatamente suas medidas e valores. Ocorre que os importadores, durante este processo de investigação, sabendo da probabilidade de serem aplicadas tais medidas, antecipam-se e fazem uma grande importação para formar um amplo estoque do produto importado evitando, portanto, a imposição futura daqueles direitos durante um tempo considerável de suas operações.
Para evitar essa situação a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) do mesmo Ministério dispôs, pela Resolução nº 64, publicada dia 12 de setembro, sobre aplicação retroativa de direito antidumping e compensatório. Essa retroatividade já foi prevista no artigo 8 da referida lei federal assim como nos Acordos supra-mencionados, mas sua efetiva aplicação nascerá com esta disposição normativa.
A resolução prevê expressamente em seu artigo 1 que poderão ser aplicados direitos antidumping definitivos sobre produtos importados que tenham sido despachados para consumo em até noventa dias antes da data de aplicação das medidas antidumping provisórias, desde que se determine cumulativamente duas situações. A primeira situação consiste em haver antecedentes de dumping causador de dano (estes entendidos quando os produtos importados objeto de dumping foram objeto de medida antidumping, provisória ou definitiva, aplicada no Brasil, ou quando os produtos importados objeto de dumping são ou foram objeto de medida antidumping, provisória ou definitiva, aplicada em terceiro país) ou no caso em que o importador estava ou deveria estar ciente de que o produtor ou exportador pratica dumping e de que este causaria dano (entendido quando a data do conhecimento de embarque dos produtos importados a preços de dumping for posterior à data da publicação da Circular SECEX que deu início à investigação). A segunda situação exige que o dano seja causado por volumosas importações de um produto a preços de dumping em período relativamente curto, o que, levando em conta o período em que foram efetuadas e o volume das importações objeto de dumping e também o rápido crescimento dos estoques do produto importado, levará provavelmente a prejudicar seriamente o efeito corretivo dos direitos antidumping definitivos aplicáveis, desde que tenha sido dada aos importadores envolvidos a oportunidade de se manifestar sobre a medida. O parágrafo único do artigo primeiro ainda ressalta que de forma alguma serão cobrados direitos antidumping sobre produtos que tenham sido despachados para consumo anteriormente à data de abertura da investigação.
Já no caso de subsídios, o artigo 3 diz que os direitos compensatórios definitivos poderão ser cobrados sobre produtos importados subsidiados que tenham sido internados para consumo em até noventa dias antes da data de aplicação das medidas compensatórias provisórias, sempre que se determine, com relação ao produto em questão, que o dano foi causado por importações volumosas, em período relativamente curto e com possibilidade de prejuízo sério ao efeito corretivo dos direitos compensatórios definitivos aplicáveis.
O objetivo da aplicação retroativa desses direitos, portanto, é evitar a formação de estoque dentro do lapso temporal compreendido entre o início das investigações de práticas comerciais desleais e a efetiva aplicação das medidas antidumping e compensatória. O prazo de 90 dias é estabelecido como o limite de duração para um processo de investigação de forma a garantir, ainda, alguma segurança aos importadores.
Vê-se que o intuito das medidas retroativas não é proporcionar uma restrição ao comércio. Sua única finalidade é evitar que o importador acumule um grande estoque do produto para que passe algum tempo importante sem que o direitos antidumping e compensatórios atrapalhem suas operações, o que certamente pode causar um grande dano à indústria nacional.
Diante desse cenário, os importadores dos produtos objeto de investigação devem atentar para o fato de que toda e qualquer importação que embarque posteriormente ao início das investigações pode sofrer imposição de direitos retroativos. É de extrema importância, portanto, que os importadores tenham assessoria constante de profissionais especializados em direito internacional e aduaneiro para que não sejam surpreendidos pela imposição de direitos retroativos, os quais podem até mesmo caracterizar a operação como inviável em um período posterior à concretização das importações.
De forma geral, vê-se que o governo brasileiro está tomando medidas cada vez mais sérias para proteger sua indústria nacional. A crescente desindustrialização interna e o problema da desvalorização cambial em cenário internacional foram certamente os maiores propulsores desta nova resolução. Entende-se, finalmente, que a indústria nacional deve, sim, receber proteção, mas desde que continuem conformes as leis, resoluções e atos com suas obrigações dos Acordos sob os auspícios da Organização Mundial do Comércio.
Bruno Guandalini
Advogado. Conselheiro do Conselho de Comércio Exterior da Associação Comercial do Paraná. É Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais, Pós-graduado em Direito Internacional Privado e Pós-graduado em Direito Empresarial, todos obtidos pela Université de Paris II (Panthéon-Assas), na França. Formado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba. Aperfeiçoou-se em Common Law tendo realizado os cursos de Introduction to Corporate Law and Governance e de Commercial Law pela London School of Economics and Political Science - LSE em Londres, no Reino Unido.
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