A Reforma Tributária e a Liberdade da Nação

Antonio Esteves Jr.

Há meses que o Governo Federal tenta encampar reformas no sistema tributário brasileiro, apresentando propostas que têm sido objeto mais de críticas do que elogios. Não sem razão.

É fato que o sistema tributário brasileiro precisa de reformas, e também sou da opinião que a isenção do Imposto de Renda sobre os dividendos é uma benesse que não se justifica, uma vez que os detentores de participações societárias têm a prerrogativa de acumular patrimônio ilimitadamente sem tributação, enquanto aqueles que auferem renda em decorrência de um contrato de trabalho se sujeitam a apuração do tributo já a partir de uma renda de míseros R$ 1.903,98 mensais.

Há uma violação explícita à Isonomia, tal como houve quando os funcionários públicos não pagavam imposto sobre suas rendas, o que ocorreu entre a Constituição de 1891 (1º da República) e o Decreto-lei nº 1.564, de 5 de setembro de 1939. A despeito de o referido Decreto ter sido calcado na autoritária Constituição “polaca” de 1937 e ter silenciado decisões que haviam pacificado a questão da não-incidência no âmbito do Supremo Tribunal Federal (que conclui de tal maneira ao interpretar o texto constitucional republicano), é certo que tal imposição sanou um grande equívoco, tanto que isso não se alterou com a Constituição de 1946.

Pelo contrário: com o fim do Estado Novo, reforçou-se o conceito de igualdade de todos perante a lei, e a Constituição posterior não tornou a privilegiar a renda de alguns em detrimento da de outros!

Já a atual isenção do imposto de renda sobre os dividendos, instituída pelo artigo 10 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, viola a Isonomia sob a falsa premissa de que tal medida atrairia investimentos ao país, o que, passado algumas décadas, não se convalidou.

Isso porque, passados 26 anos da instituição da referida isenção, observamos que as medidas que vieram na esteira desse pensamento, a fim de bancar o investidor, prejudicaram sensivelmente outros fatores essenciais à melhoria no ambiente de negócios.

De cara, já em 1996, diante da falta de recursos para a saúde pública, criou-se a CPMF, tributo que por mais de 10 anos onerou o fluxo de caixa de todos os brasileiros e, ainda hoje, é um fantasma que, vira e mexe, volta a assombrar.

Já no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, o Governo Federal seguiu fazendo vista grossa à isenção do IR sobre dividendos e foi migrando a matriz tributária para uma fonte de arrecadação exclusiva – que não demandaria rateio com os Estados e Municípios (na forma do artigo 159 da Constituição de 1988), como fez ao turbinar a arrecadação do PIS e da COFINS, sob a escusa de torná-los “não-cumulativos”. As alíquotas ordinárias de tais tributos passaram de 3,65% para 9,25%.

Como se sabe, além de onerar de sobremaneira o consumo, com a não-cumulatividade do PIS e da COFINS, criaram-se novas obrigações fiscais relacionadas à apuração de tais tributos e, concomitantemente, uma série de critérios para permitir a tomada ou não de créditos. Em outras palavras: as contribuições ao PIS e à COFINS também passaram a demandar muitas horas de apuração.

Na esteira dessa política, em 2004 foram instituídos o PIS e a COFINS sobre a importação, os quais representam mais uma etapa burocrática em nossa já complexa gama de tributos sobre as mercadorias e serviços que são consumidos em solo nacional.

Em oposição a essa complexidade de débitos, créditos e incidências a todo momento, a tributação sobre o resultado é a forma mesmo invasiva de o Estado agir e se financiar. Em um ambiente de negócios perfeito, o contribuinte tem a liberdade de praticar suas operações idôneas sem a intervenção estatal, ficando a seu cargo entregar aos cofres públicos uma parte de seus ganhos. Algo que ocorre após a formação dos preços, preservando toda a cadeia produtiva e comercial.

Em troca disso, o Brasil escolheu onerar as transações financeiras por meio da CPMF, tributar excessivamente o consumo em território nacional por meio do PIS e da COFINS e, de quebra, instituir diversas obrigações que passaram a onerar severamente o custo de apuração fiscal no país, além de ter criado mais tributos sobre a importação de bens.

Será que essa política valeu a pena? Certamente não.

Aqueles que resolvem se instalar e produzir em território nacional se assustam com a quantidade de normas e procedimentos fiscais exigidos no país, e o PIS e a COFINS não cumulativos têm bastante culpa nesse aspecto.

Mas quem mais se assusta com esse emaranhado de tributos e incidências é o próprio povo brasileiro, que tira o chapéu para a qualidade de vida em países como os EUA, por exemplo, em que as pessoas trabalham tanto quanto aqui, mas efetivamente conseguem prosperar, uma vez que a tributação pesa muito mais sobre a renda do que sobre o consumo.

Nesse aspecto, destaco o que penso ser o maior erro em todas essas propostas de reforma tributária: em troca da tributação dos dividendos, propõe-se a redução do IRPJ, enquanto o ideal seria começarmos a reduzir, ainda que gradativamente, o peso do PIS e da COFINS (tributos sobre o consumo).

Para as pessoas jurídicas, a redução do PIS e da COFINS poderia ser equacionada, a fim de possibilitar um resultado maior nas operações, e compensar, com esse ganho no resultado, o efeito do imposto sobre os dividendos.

De toda maneira, o que deve se buscar com a redução da tributação sobre o consumo é, além de interferir menos no mercado, reduzir os preços e possibilitar maior poder de compra do cidadão, fazendo com que a economia se destrave.

Mas esse é um efeito que se obtém com o tempo, com os meses, com a percepção da sociedade de que o consumo está fluindo. Assim, o ganho do capital virá em decorrência de um volume maior na operação e não necessariamente na sua margem de lucro.
Daí dizer que a redução da tributação sobre o consumo deve ser lenta e gradativa, pois uma redução drástica, embora possa parecer interessante, poderia estimular demasiadamente o consumo e gerar inflação, do que devemos nos distanciar.

Apesar disso, o que se vê é a intenção do Governo em, concomitantemente à tributação dos dividendos e redução do IR das pessoas jurídicas (PL 2.337/2021), acentuar a tributação sobre o consumo, com a unificação do PIS e da COFINS sob uma alíquota de 12% (PL 3.887/2020)!!!

É certo que a Lei de Responsabilidade Fiscal deve ser cumprida e receitas não podem ser negligenciadas, sobretudo nesse momento em que a sociedade vem se arrastando de seguidas crises econômicas e muitas famílias precisam de um alento financeiro para reestruturarem suas vidas.

E aqui peço vênia para mais uma chamada acerca da “liberdade”: não seria mais libertador deixar de arrecadar, ou arrecadar menos sobre essa sociedade com baixa renda, do que onerá-la com mais tributos sobre o consumo para, depois, devolver-lhe migalhas do que lhe foi tomado, por meio dos programas de redistribuição de renda?

Veja bem: sou totalmente favorável aos programas de redistribuição de renda, mas penso que eles devem ser bancados pela arrecadação angariada sobre aqueles que possuem, efetivamente, renda; e não sobre os milhões de pessoas que vivem na miséria ou próximo a ela, que é o que ocorre quando se tributa o consumo em larga escala.

Por fim, quero destacar que esse modelo tributário é o culpado pelo alto custo dos serviços no país. Não tenha dúvidas de que, tal qual o ICMS, o PIS e a COFINS encarecem, sem piedade, o custo das escolas de nossas crianças, de nossos hospitais, de nossa energia, de nossa telefonia, etc.

Isso porque, tais tributos, ao serem lançados sobre os insumos que esses prestadores de serviços consomem, na maioria das vezes são absorvidos como custos diretos, sendo repassados ao tomador final do serviço.

Assim, num tempo em que se fala tanto de “liberdade” e “livre mercado”, nada mais apropriado que empresários, políticos, classes alta, média, baixa, ou seja, toda a sociedade tenha o interesse conjunto de retirar tantas intervenções na cadeia produtiva e busque alterações na legislação tributária para que o Estado Brasileiro passe a se sustentar cada vez mais em cima de lucros efetivos, e não mais sobre aventuras, como a CPMF, ou sobre o consumo.

Antonio Esteves Jr.

Sócio do PARISI E ESTEVES ADVOGADO

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