A prescrição e decadência da contribuição previdenciária. Uma análise dos artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91, à luz da jurisprudência do STF.
Maira Cauhi Wanderley
O artigo visa esclarecer as discussões doutrinárias que surgiram com os prazos decadencial e prescricional trazidos pelos artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91 e analisar os fundamentos que levaram o STF a editar a súmula vinculante n. 8.
A lei 8.212/91 dispunha em seus artigos 45 e 46 que a prescrição e decadência para cobrança das contribuições previdenciárias pelo Fisco era de 10 anos. Abaixo, transcreve-se a redação original dos artigos:
Art. 45. O direito da Seguridade Social apurar e constituir seus créditos extingue-se após 10 (dez) anos contados:
…
Art. 46. O direito de cobrar os créditos da Seguridade Social, constituídos na forma do artigo anterior, prescreve em 10 (dez) anos.
Ou seja, a lei ordinária dispunha que a Fazenda Nacional teria 10 anos para constituir o crédito previdenciário e inscrevê-lo em divida ativa e mais 10 anos para ajuizar a competente execução fiscal. Assim, o pagamento de uma contribuição previdenciária estaria sujeito a um prazo extintivo de até 20 anos.
Cabe aqui fazer um adendo para informar que o Código Tributário Nacional ( lei 5.172/66) em seus artigos 173 e 174 dispõe que o prazo da prescrição e decadência tributária é de 5 anos, e que apesar de nominalmente ser uma lei ordinária, alguns dos artigos do CTN foram recepcionados pela Constituição Federal com força de lei complementar, isto é, atualmente só poderão ser modificados por lei complementar.
No entanto, voltando à análise do prazo prescricional e decadencial de 10 anos da lei 8.212/91, a Constituição Federal impõe em seu artigo 146 que cabe à Lei complementar estabelecer normas gerais de direito tributário, especialmente sobre matéria de prescrição e decadência tributários.
Dessa forma, como a Lei 8.212/91 possui natureza de lei ordinária e regulamenta a prescrição e decadência de um tipo de crédito tributário (a contribuição previdenciária), contribuintes de todo país passaram a contestar o prazo extintivo e inovador trazido pela Lei 8.212/91, ao argumento de que feria diretamente o disposto na Constituição Federal, art. 146, III, b, pois a matéria seria de reservada à lei complementar.
Em defesa da lei ordinária, a União argumentava que os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91 não seriam normas gerias, mas sim matéria de cunho específico, e que o conceito de normas gerais tributária ainda não havia sido definido pela doutrina, além de a prescrição ser caracterizada mais como uma matéria processual do que material. Ademais, argumentava que o art. 150,§4º do CTN prevê a possibilidade de lei ordinária fixar prazo prescricional maior do que 5 anos para homologação de lançamento tributário feito pelo contribuinte, o que, em seu entender, fazia com que os artigos da lei previdenciária não conflitassem diretamente com o texto constitucional.
Também alegava a União que as contribuições previdenciárias estavam previstas e submetidas às regras exclusivas do art. 195 da Constituição Federal, e não a outro local do texto constitucional. Ao fim, concluía que os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91 não se tratavam de normas gerais de Direito Tributário, mas de matéria específica das contribuições previdenciárias.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal não acampou a tese da União, pois conforme pode-se verificar no RE 556.664, cujo Relator foi o Min. Gilmar Mendes, reconheceu-se que de fato a CF/88 não definiu o que eram “normas gerais em direito tributário”, mas incluiu no seu conceito a prescrição e decadência tributários ao formular o art. 146.
Ainda, apesar do STF não definir perfeitamente o que eram, de fato, as normas gerais de direito tributário, entendeu que estas são “normas de maior espectro, a serem seguidas por todas as esferas políticas com competência tributária de maneira uniforme” ( RE 556.664).
Por fim, o STF também concluiu que a fixação dos prazos decadenciais e prescricionais são questões que demandam tratamento uniforme de âmbito nacional.
Importante trazer à baila que no julgamento do RE 138.284/CE, o Plenário do STF definiu o regime jurídico constitucional das contribuições, e consolidou a jurisprudência no sentido de que todas as contribuições, sem exceção, sujeitam-se à lei complementar de normas gerais e ao CTN, declarando expressamente que, no que tange à prescrição e decadência definidos em lei complementar de normas gerais (CTN), são aplicáveis às contribuições parafiscais por expressa previsão constitucional.
Cumpre esclarecer que o STF ainda definiu no mesmo acórdão que o art. 149 da CF/88 estabeleceu que as contribuições estão sujeitas também, e não exclusivamente, ao art. 195. Portanto, além das normas tributárias constitucionais, as contribuições sociais estavam vinculadas às regras do art. 195.
Assim, ao julgar a inconstitucionalidade dos artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91 no RE556.664, o Supremo Tribunal Federal rechaçou a tese da Fazenda Pública Federal e uniformizou o entendimento de que em matéria de prescrição e decadência tributária somente a lei complementar poderá dispor sobre os prazos a serem observados pela fazenda pública.
Diante desse entendimento e de que havia muitas demandas judiciais contestando o prazo de 10 anos estabelecido pelos artigos 45 e 46 da ei 8212/91, com decisões judiciais em todos os sentidos, o STF em novembro de 2008 entendeu por bem aprovar a súmula vinculante n. 8, que dispõe:
“SÚMULA VINCULANTE Nº8 – São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991, que tratam da prescrição e decadência do crédito tributário.”
Porém, os efeitos dessa inconstitucionalidade foram somente declarados ex nunc (para frente) como forma de se afastar a possibilidade de ação de repetição de indébito de valores recolhidos em prazo maior do que aquele estabelecido no art. 173 e 174 do CTN.
Dessa forma, o STF acabou por sedimentar de vez o entendimento de que todo e qualquer tributo, seja ele federal, estadual ou municipal, sujeita-se às normas gerais de direito tributário trazidas pelo CTN, e que somente a lei complementar nacional poderá dispor sobre prescrição e decadência tributários.
Maira Cauhi Wanderley
Procuradora Federal, membro da AGU.