A posição do Brasil sobre as restrições dos EUA à importação de aço e alumínio

Márcio Maron

Por Márcio Maron

Nos últimos meses, os Estados Unidos alteraram significativamente as suas políticas fiscais e alfandegárias para as importações de aço e alumínio, com a imposição de cotas quantitativas e alíquotas majoradas para alguns países, entre eles o Brasil.

Segundo as novas disposições da seção 232 do Ato de Expansão do Comércio de 1962 (Section 232 do Trade Expansion Act of 1962), desde 1º de junho de 2018, a importação de aço proveniente de todos os países, com exceção de Argentina, Austrália, Brasil e Coreia do Sul, teve a sua alíquota majorada em 25%. Por outro lado, as importações de Argentina, Brasil e Coreia do Sul passaram a ter um limite quantitativo, calculado a partir da média das importações ocorridas nos três últimos anos. Quanto ao alumínio, a majoração da alíquota atingirá todos os países, exceto Austrália e Argentina, sendo que esta última se submeterá a uma cota também em relação a esse produto.

As mudanças deixaram a comunidade internacional em alerta para uma possível guerra comercial em escala global. Além disso, as novas regras movimentaram o setor produtivo dos países atingidos em razão da redução do mercado consumidor (pela aplicação das cotas) e da perda de competitividade frente aos produtos fornecidos por concorrentes internos e de países com tributação favorecida.

Nesse contexto, é natural que se questione o papel da Organização Mundial do Comércio (OMC) na solução de conflitos dessa natureza, os mecanismos que podem ser utilizados para tanto, se o Estado brasileiro é obrigado a acionar a OMC e, mais ainda, quais são os instrumentos jurídicos que os particulares brasileiros podem utilizar para remediar os prejuízos sofridos.

Primeiramente, é importante compreender que a OMC é um organismo internacional voltado para a promoção da livre circulação de bens, serviços e direitos entre as nações, com o fim precípuo de evitar e solucionar conflitos comerciais entre os Estados que a compõem. A organização, da qual tanto o Brasil quanto os Estados Unidos são membros, é fruto de uma série de convenções internacionais, que prescrevem direitos e deveres dos Estados contratantes, assim como as sanções aplicáveis em razão do descumprimento das regras acordadas e o procedimento de reclamação e solução de conflitos entre os Estados.

O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade – GATT) é um dos principais tratados assinados pelos membros da OMC e governa as relações comerciais entre estes. Logo em seu artigo I:1[1], o GATT veicula a obrigação de Tratamento da Nação Mais Favorável (NMF ou Most Favored Nation, em inglês), segundo a qual todos os signatários estão obrigados a estender as condições mais vantajosas possíveis — entre aquelas praticadas pelo país — para os produtos de outros membros.

Dito de outro modo, entre os membros da OMC, é proibido dar tratamento desigual exclusivamente em razão da origem ou destino de produtos, de modo que os Estados têm o direito subjetivo de exigir dos outros membros o mesmo tratamento mais favorável conferido a qualquer outro Estado — signatário ou não. Sucede que dois Estados-membros nunca poderão ser submetidos a alíquotas diferentes quando seus produtos são importados por outro Estado-membro.

Assim, parece não haver dúvida de que a prática norte-americana viola o artigo I:1 do GATT.

Além disso, o artigo XI do GATT determina que “nenhuma proibição ou restrição que não seja tarifária, tributária ou que envolva outros encargos, quando adotadas por quotas, licenças de importação e exportação ou outras medidas, deverá ser instituída ou mantida por qualquer Membro na importação de qualquer produto de território de outro Membro ou na exportação ou venda para exportação de qualquer produto destinado ao território de qualquer outro Membro”.

Logo, também as restrições quantitativas aplicadas aparentam contrariar o GATT.

Embora haja situações nas quais o próprio acordo dispensa os Estados de tais obrigações, merece atenção a que diz respeito à segurança nacional, uma vez que as proclamações presidenciais 9704[2] e 9705, que resultaram nas alterações ora comentadas, afirmam que as medidas seriam necessárias para a proteção da segurança nacional, embora não se saiba de que maneira a importação de aço e alumínio possa prejudicar a segurança dos EUA.

Segundo o artigo XXI do GATT, um Estado somente poderá “realizar qualquer ação que ele considere necessária para a proteção de seus interesses essenciais de segurança” se estes forem “(i) relativos a materiais fissionáveis ou os materiais dos quais são derivados; (ii) relativos ao tráfico de armas, munição e utensílios de guerra e ao tráfico de outros bens e materiais executados com o propósito de, direta ou indiretamente, suprir um estabelecimento militar; (iii) assumidos em tempo de guerra ou outra emergência em relações internacionais”.

Aparentemente, a situação do aço e do alumínio não se amolda a qualquer das hipóteses supracitadas, razão por que não parece legítimo que os EUA invoquem a segurança nacional como fundamento para o descumprimento das obrigações do GATT.

Resta então saber se a imaginada ameaça à segurança nacional dos EUA poderia advir de uma possível prática comercial prejudicial à indústria americana, o que poderia justificar a adoção das medidas em tela, conforme autoriza o Acordo de Salvaguardas (Safeguard Agreement) e o artigo XIX do GATT.

O aludido artigo XIX do GATT prescreve que “se, em conseqüência da evolução imprevista das circunstâncias e por efeito dos compromissos que uma Parte Contratante tenha contraído em virtude do presente Acordo, compreendidas as concessões tarifárias, um produto for importado no território da referida Parte Contratante em quantidade por tal forma acrescida e em tais condições que traga ou ameace trazer um prejuízo sério aos produtores nacionais de produtos similares ou diretamente concorrentes, será facultado a essa Parte Contratante, na medida e durante o tempo que forem necessários para prevenir ou reparar esse prejuízo, suspender, no todo ou em parte, o compromisso assumido em relação a esse produto, ou retirar ou modificar a concessão”.

Entretanto, não foram apresentadas evidências de que a indústria americana de aço e alumínio estaria sofrendo um “prejuízo sério” em razão de qualquer prática comercial dos países afetados. Realmente não parece ser esse o caso, considerando que as novas condições de importação são permanentes, isto é, não foram instituídas para combater uma prática comercial específica por prazo determinado.

Assim, tudo indica que há causa para que o Brasil acione o mecanismo de solução de conflitos da OMC (Sistema de Solução de Controvérsias – SSC), como já fizeram China (DS544), Índia (DS547), União Europeia (DS548), Canadá (DS550), México (DS551), Noruega (DS552) e Rússia (DS554), que iniciaram o procedimento de consulta junto aos EUA, sustentando que as novas regras violam os artigos 2.1, 2.2, 3.1, 4.1, 4.2, 5.1, 7, 9.1, 11.1(a), 11.1(b), 12.1, 12.2 e 12.3 do Acordo de Salvaguardas e I:1, II:1(a), II:1(b), X:3(a), XI:1, XIX:1(a) e XIX:2 do GATT 1994.

Alguns países foram além e instituíram medidas compensatórias. A Índia, por exemplo, notificou o Comitê de Salvaguardas da OMC (Committee on Safeguards) sobre a majoração da alíquota de importação de certos produtos oriundos dos EUA[3].

Até o momento, não há notícia de que o Brasil tenha acionado o referido mecanismo. O que se sabe é que a Camex autorizou o início do procedimento de consulta na OMC.

Logo, neste momento, não há incentivo para que as barreiras impostas ao Brasil sejam revogadas, deixando os prejudicados sem recurso direto contra as novas normas, pois, no âmbito da OMC, apenas os Estados-membros têm capacidade postulatória — ou seja, podem representar contra outro Estado-membro.

A eventual omissão brasileira pode ser combatida pelos particulares por alguns meios: a formulação de pedido administrativo para que o procedimento de consulta efetivamente se inicie, com a conseguinte instauração do contencioso internacional; pressão política para que os órgãos do governo atuem de ofício e o ajuizamento de ação judicial.

É importante lembrar que a recente alta no resultado das vendas de aço para os EUA[4] — consequência da maior competitividade do produto brasileiro — não afasta a preocupação de que o volume total de vendas neste ano deverá sofrer uma redução de 7% em comparação com 2017. Como não há garantia de que as alíquotas majoradas seguirão em aplicação no futuro (até porque estão sendo questionadas na OMC) e sendo possível que as barreiras quantitativas impostas ao Brasil sejam mantidas, as indústrias nacionais devem considerar todas as formas de remediar o seu dano.

[1] “Com relação às tarifas alfandegárias e taxas de qualquer tipo aplicadas sobre ou em conexão com a importação ou exportação ou impostas na transferência internacional de pagamentos por importações ou exportações, e em relação ao método de incidência de tais tarifas e taxas, e em relação a todas as regras e formalidades relacionadas à importação e exportação, e em relação a todas as questões referidas nos parágrafos 2 e 4 do Artigo III,* qualquer vantagem, benefício, privilégio ou imunidade concedida por qualquer [Membro] a qualquer produto originado em ou destinado a qualquer outro país será conferido imediatamente e automaticamente aos produtos equivalentes originados em ou destinados aos territórios de todos os outros [Membros]”.
[2] “1. On January 19, 2018, the Secretary of Commerce (Secretary) transmitted to me a report on his investigation into the effect of imports of aluminum articles on the national security of the United States under section 232 of the Trade Expansion Act of 1962, as amended (19 U.S.C. 1862).
2. In Proclamation 9704 of March 8, 2018 (Adjusting Imports of Aluminum Into the United States), I concurred in the Secretary’s finding that aluminum articles are being imported into the United States in such quantities and under such circumstances as to threaten to impair the national security of the United States, and decided to adjust the imports of aluminum articles, as defined in clause 1 of Proclamation 9704 (aluminum articles), by imposing a 10 percent ad valorem tariff on such articles imported from all countries except Canada and Mexico.
3. In proclaiming this tariff, I recognized that our Nation has important security relationships with some countries whose exports of aluminum articles to the United States weaken our internal economy and thereby threaten to impair the national security. I also recognized our shared concern about global excess capacity, a circumstance that is contributing to the threatened impairment of the national security. I further determined that any country with which we have a security relationship is welcome to discuss with the United States alternative ways to address the threatened impairment of the national security caused by imports from that country, and noted that, should the United States and any such country arrive at a satisfactory alternative means to address the threat to the national security such that I determine that imports from that country no longer threaten to impair the national security, I may remove or modify the restriction on aluminum articles imports from that country and, if necessary, adjust the tariff as it applies to other countries as the national security interests of the United States require”.
[3] “Pursuant to Article 12.5 of the Agreement on Safeguards, India would like to hereby notify the Council for Trade in Goods of its proposed suspension of concessions and other obligations referred to in Article 8.2 of the Agreement on Safeguards. This notification is made in connection with safeguard measures imposed by the United States of America (“United States”) on imports of certain aluminum and steel articles, vide Presidential Proclamation Nos.9704 and 9705 (dated 8 March, 2018), respectively with the effective date of 23 March, 2018” (G/L/1239 G/SG/N/12/IND/1).
[4] Brasil eleva vendas e ganha mais exportando aço para os EUA. Jornal Folha de S.Paulo, edição de 12/7/2018.

Márcio Maron

é advogado da Advocacia Dias de Souza, mestre em Direito Comercial Internacional e especialista em Direito Tributário.

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