A polêmica tributação dos dividendos

Alessandra de Souza Okuma

Um dos pontos sugeridos nas propostas da reforma tributária é o retorno da tributação de dividendos. Seus defensores sustentam que seria uma medida de isonomia, para evitar o fenômeno chamado “pejotização”. Na visão deles, o empregado suportaria carga tributária muito alta em comparação com a do sócio de uma empresa, cujo dividendo é beneficiado pela isenção do imposto sobre a renda da pessoa física (IRPF).

No entanto, essa comparação simplista deixa de levar em conta todos os demais tributos que incidem sobre os resultados da pessoa jurídica e que impactam a formação dos lucros. É certo que o rendimento recebido por trabalhadores assalariados sofre retenção na fonte (IRRF) em alíquota progressiva de 15% a 27,5%. Todavia, o lucro recebido pelos sócios é resultado que sofreu a incidência de tributos sobre o faturamento (contribuições ao PIS e Cofins, em alíquotas combinadas de 3,65% ou 9,25%), assim como do imposto sobre a renda das pessoas jurídicas (IRPJ) em alíquotas progressivas de 15% a 25% e da contribuição social sobre o lucro líquido à alíquota de 9%.

A causa da “pejotização” não é a ausência de tributação de dividendos, mas os altos custos da tributação sobre a folha de salários. No Brasil temos a contribuição do empregador sobre a folha de salários 20%; contribuição para riscos ambientais do trabalho (RAT) de 1% a 12%; o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) de 8%; o salário educação de 2,5%; a contribuição ao Incra de 0,2% e as contribuições do Sistema S – Sebrae 0,3%, Senac 1%, Senai 1%, Senar 2,5%, Senat 1%, Sesc 2%, Sescoop 2,5%, Sesi 1,5% e Sest 1,5%.

Somados todos esses encargos previdenciários e trabalhistas, a contratação de um empregado chega a custar o dobro para o empregador[1]. De acordo com o economista Bernard Appy[2], a tributação da folha de salários no Brasil varia de 34% a 45%, sendo que a alíquota média da tributação da folha de salários nos países da OCDE está entre 18% e 22%.

Ainda que as pessoas jurídicas possam optar pelo regime do simples ou do lucro presumido, o empresário no Brasil suporta o risco de negócio e altos custos de conformidade. O Brasil é um dos piores países para se empreender de acordo com dados do Banco Mundial (Doing Business). Os contribuintes gastam em média 1.500 horas por ano para cumprir suas obrigações tributárias. O Brasil é dos países que tem a maior complexidade tributária (posição 184 do ranking), superado apenas pelo Congo, Bolívia, Republica Central Africana, Chade, Venezuela e Somália[3].

Portanto, as dificuldades enfrentadas pelos empresários são tantas que, normalmente, aqueles que podem optar pela segurança de um emprego fixo, com todos os direitos trabalhistas garantidos, assim o fazem.

Tratar a “pejotização” como um fenômeno isolado decorrente da ausência de tributação de dividendos é encará-la de maneira míope.

Aliás, a própria história da tributação dos dividendos demonstra a fragilidade dessa solução. Os dividendos passaram a ser tributados pelo imposto sobre o lucro líquido (ILL) (artigo 35 da Lei 7.713/88), que incidia à alíquota de 8% sobre o lucro líquido comercial, na modalidade de retenção na fonte. A partir de 1991, esse imposto passou a incidir somente sobre dividendos remetidos ao exterior (artigo 77 da Lei 8.383/91). Em 1992 e 1993, houve isenção dos lucros já tributados na pessoa jurídica. Em 1994, a distribuição de lucros e dividendos voltou a ser tributada à alíquota de 15% (Leis 8.849/94 e 9.064/95), até a isenção ampla prevista na Lei 9.430/96.

No entanto, durante todo o período que vigorou a tributação dos dividendos, as sociedades civis de prestação de serviços legalmente regulamentadas eram consideradas transparentes. Não havia dupla incidência de imposto sobre as rendas. O lucro era considerado automaticamente distribuído aos sócios, com incidência exclusiva do IRPF na data da apuração do resultado da sociedade (artigos 1 e 2º do Decreto-lei 2.397/87).

Outro ponto de alerta é que a isenção dos dividendos não beneficia apenas os ricos investidores. Dados do Sebrae[4]apontama existência de 6,4 milhões estabelecimentos no Brasil, sendo que desses 99% são micro e pequenas empresas, as quais são responsáveis por 52% dos empregos com carteira assinada no setor privado (16,1 milhões). Portanto, a tributação dos dividendos pode afetar os micro e pequenos empresários e agravar ainda mais o desemprego.

O exercício de determinadas atividades econômicas por intermédio de pessoas jurídicas é de todo interessante ao próprio erário, na medida em que incrementa a geração de empregos formais, assim como a arrecadação em geral, além de facilitar e baratear a fiscalização. Qualquer que seja a sistemática de tributação, as empresas são obrigadas a apresentar declarações, atuam como responsáveis pela declaração e recolhimento dos tributos devidos pelas pessoas físicas. Mais uma razão pela qual o empreendedorismo deveria ser incentivado, e não desestimulado com a oneração igual ou superior ao trabalho assalariado, além de todos os custos de conformidade e riscos envolvidos.

E, como bem alertou Everardo Maciel[5], a tributação dos dividendos pode estimular concentração do lucro nas pessoas jurídicas (sem o reinvestimento) e o uso de engenharias fiscais para distribuição disfarçada de lucros.

É verdade que a maioria dos países membros da OCDE tributa dividendos, mas a alíquota média combinada da tributação da renda, na pessoa jurídica e na pessoa física, é de 41,6%. Com a tributação dos dividendos, uma pessoa jurídica sujeita ao lucro presumido terá a carga majorada de 14,53% para até 42,03% (14,53% + 27,5%). No caso de pessoa jurídica tributada no lucro real, o ônus poderá atingir 70,75% (43,25% + 27,5%).

Na hipótese do lucro presumido, ainda que haja uma primeira impressão de isonomia, há que se considerar que, além dos tributos incidentes sobre o lucro das empresas (14,53% ou 43,25%, conforme o caso), a pessoa jurídica suporta todos os encargos trabalhistas, previdenciários e os altos custos de conformidade que oneram os resultados (reduzindo, quando não eliminando, lucros e dividendos). Esses encargos não se aplicam (ou se aplicam em menor proporção) quando a atividade econômica é exercida diretamente pelas pessoas físicas.

E, adicionalmente, se aprovada a PEC 45/2019, haverá incidência de impostos sobre o consumo de serviços à alíquota estimada de 25%, sem qualquer possibilidade de isenção ou redução[6], nem mesmo para serviços de saúde e educação, na contramão das práticas adotadas pelos países da OCDE.

Assim, considerando a pluralidade de tributos que temos hoje, a relação entre a carga tributária total e o PIB está em conformidade com a média da OCDE. A potencial tributação de dividendos na pessoa física deixaria o Brasil entre os países com maior carga tributária do que a média da OCDE[7]. Afastaria investidores e estimularia o uso de planejamentos fiscais audaciosos, com o consequente aumento de litigo entre o fisco e os contribuintes.

O tema, como se vê, não pode ser tratado de maneira superficial. Eventual tributação dos lucros e dividendos poderá implicar grande retrocesso, ocasionando mais danos do que benefícios à economia nacional. Justifica-se, no mínimo, aprofundar os estudos jurídicos e econômicos acerca da matéria, levando-se em conta seus possíveis efeitos não tão isonômicos quanto se supõe.

*Embora a autoria seja singular, este artigo é fruto de ideias e discussões com Hamilton Dias de Souza e colaboração relevante de Mário Costa.

[1] Essa vertente de pensamento tem como principal formulador José Pastore, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e consultor de empresas, autor de vários trabalhos e artigos sobre o assunto.

[2] https://www.em.com.br/app/noticia/economia
/2019/04/08/internas_economia,1044753/appy-piso-da-tributacao-da-folha-de-salarios-no-pais-e-teto-nos-paise.shtml

[3] https://www.doingbusiness.org/en/rankings

[4] https://www.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/UFs/

SP/Pesquisas/dados_mpes_brasil_2014.pdf

[5] https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,tributacao-
de-dividendos-wolf-e-lagarde,70002778787

[6] OECD (2018), Consumption Tax Trends 2018: VAT/GST and Excise Rates, Trends and Policy Issues, Consumption Tax Trends, OECD Publishing, Paris, p. 12. https://doi.org/10.1787/ctt-2018-en

[7] Instituição Fiscal Independente. Relatório de acompanhamento fiscal. Tópico Especial Carga tributária no Brasil e nos países da OCDE. Dezembro de 2018. https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/
551026/RAF23_DEZ2018_TopicoEspecial_CargaTributaria.pdf

Alessandra de Souza Okuma

Doutora em Direito Tributário (PUC-SP) e advogada do escritório Dias de Souza Advogados Associados.

Gostou do artigo? Compartilhe em suas redes sociais

iplwin

iplwin login

iplwin app

ipl win

depo 25 bonus

slot deposit pulsa

1win login

indibet login

bc game download

10cric login

fun88 login

rummy joy app

rummy mate app

yono rummy app

rummy star app

rummy best app

iplwin login

iplwin login

dafabet app

https://rs7ludo.com/

dafabet