A Nova Lei do Estado de São Paulo “Nos Conformes” – Lei Complementar nº 1.320, de abril 2018
Fernanda Camano
O objeto destas breves considerações é a recém publicada Lei Complementar estadual paulista nº 1.320/2018, denominada “Nos Conformes”, a qual estabelece regras de estímulo à conformidade dos contribuintes à legislação tributária estadual.
O que nos chamou a atenção foram os dispositivos referentes à autorregularização do contribuinte, em que se afasta a possibilidade de lavratura imediata de autos de infração, com aplicação de penalidades, por meio de (i) acesso do contribuinte à base informatizada de dados, i.é., acesso ao resultado do cruzamento eletrônico das informações fiscais realizado pela Administração Tributária e, com isso, aquele passa a compreender a sua situação fiscal perante o Fisco e (ii) acesso à análise fiscal prévia, realizada por Agentes Fiscais de Rendas. Em síntese:
informação ampla (transparência) e auxílio por parte da Administração Tributária (cooperação) colaboram na identificação de suposta irregularidade do contribuinte abrindo-lhe prazo para saná-la.
Com estas possibilidades, constatamos uma profunda alteração de paradigma quanto ao binômio:
litigiosidade/assunção de responsabilidades, nas relações entre Fisco e contribuintes. Em decorrência: transforma-se o eixo de confiança, que se antes da Lei se apoiava no jogo do esconde-esconde, a partir dela funda-se na transparência desta relação.
Quanto à mudança paradigmática da litigiosidade, a Lei põe em evidência uma aproximação efetiva entre Fisco e contribuinte pois, contando com o acesso à base de dados correspondente a sua situação fiscal e socorrendo-se dos Agentes Fiscais para em conjunto retificar as irregularidades, a chance da litigiosidade tão perniciosa à sociedade tende a diminuir.
Um exemplo bastante comum de litigiosidade exacerbada na esfera federal são os parcelamentos especiais (REFIS/PAES/PAEX), em que leis e regulamentos exigem uma série de requisitos a serem cumpridos pelo contribuinte para aderir aos programas. Imaginemos um exemplo em que a lei e os atos normativos regulamentadores determinem que o contribuinte, ao desistir/renunciar à defesa na execução fiscal, deva preencher um formulário indicando o número do executivo fiscal e das CDA que o integram. Determinado contribuinte instituição financeira de grande porte, cumpridor de suas obrigações fiscais, atende aos requisitos legais e, uma vez ouvida a Fazenda Pública, esta concorda com a desistência/renúncia pleiteada; o juiz homologa a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação/defesa. Todavia, ao preencher o formulário de adesão, não obstante o contribuinte tenha indicado corretamente o número do processo judicial, por um lapso deixou de indicar o número de uma das CDA dele componentes.
Posteriormente, o débito relativo a tal CDA – que vem sendo pago parceladamente – permanece em aberto no conta-corrente do contribuinte causando-lhe inúmeros transtornos. O prazo para o pedido administrativo de revisão de débitos inscritos em dívida ativa se esgotou há muito, de forma que o contribuinte se socorre do Judiciário para obter provimento que lhe assegure o direito de permanecer no programa, porque praticou atos inequívocos no sentido de a ele aderir, não infirmando esta conduta o tão só fato de não ter preenchido corretamente o formulário administrativo-fiscal.
Caso tal Lei se aplicasse ao exemplo acima – remodelando o eixo de comunicação: de partes defensivas para cooperativas – e transformando o tão cristalizado “paradigma do crime” nas relações entre Fisco e contribuintes – esta situação não aconteceria, pois a partir de um diálogo transparente e considerado o perfil do contribuinte, seria possível à Administração inclui-lo no programa de parcelamento a que expressamente optou.
Alterando-se o eixo comunicativo – do litígio ao diálogo – transforma-se sobremaneira o paradigma da assunção de responsabilidades, pois quem pretende os benefícios do diálogo, também tem a contrapartida de se responsabilizar pelos fatos alegados. Cada parte compromete-se com a sua parcela de responsabilidade nesta relação, restabelecendo-se o clima de confiança entre Fisco e contribuintes. Inclusive, processualmente, esta ideia está em linha com o artigo 373, § 1º do CPC/2015, que previu a possibilidade do juiz redistribuir o ônus da prova entre as partes equilibrando, diante do caso concreto, as responsabilidades da prova do que se alega.
O maior desafio decorrente da edição desta Lei será a sua implementação efetiva; porém, independente da sua eficácia no plano empírico, um passo significativo foi dado no sentido de ejetar tal Lei no sistema jurídico quebrando o antigo paradigma tão conhecido nas relações entre Fisco e contribuintes: o paradigma da passividade, do espaço vazio existente nesta relação.
Fernanda Camano
Advogada com ampla experiência no contencioso judicial tributário, especialista, mestre e doutora em Direito Tributário pela PUC-SP. Atualmente divide seu tempo entre as atividades acadêmicas e a consultoria relacionada ao processo judicial tributário, de forma autoral.