A ilegalidade do voto duplo no âmbito do Carf – Parte II

Jaqueline de Maria Silva de Sá

No último dia 21/04 foi publicado no Jota um artigo onde abordei a primeira parte do presente tema. Nele sustentei que, desde a entrada em vigor da Lei nº 11.941/2009, os Conselheiros Presidentes das Turmas do Carf não integram mais o quórum de votação, cabendo a estes votar apenas nos casos de empate[i].

Pois bem, por questões editoriais, o texto original precisou ser reduzido e alguns pontos relevantes ficaram de fora, pontos que pretendemos abordar no presente artigo.

Inicialmente, porém, precisamos fixar as seguintes premissas:

1. A Lei nº 11.941/09, ao alterar o caput do artigo 25 do Dec. 70.235/72, fez da paridade um princípio-regra, resgatou do submundo da ilegalidade o voto de qualidade, fixou sua natureza jurídica como critério de desempate e revogou expressamente o Dec. 83.304/79 (artigo 79), cujo artigo 4º estabelecia em número de 08 componentes para cada uma das Câmaras dos antigos Conselhos de Contribuintes;

2. Se antes havia uma determinação de que oito eram os componentes das Câmaras, pelo princípio da paridade os Conselheiros Presidentes estavam contidos na composição dos órgãos, possuindo, como consectário lógico a prerrogativa do voto ordinário e, por de consequência, a prerrogativa do “voto duplo”;

3. Todavia, com a revogação expressa do artigo 4º, do Dec. 83.304/79, somado ao silêncio do Dec. 70.235/72, não há mais como afirmar que os Conselheiros Presidentes integram o quórum de votação;

4. Por outro lado, o fato de exercer a presidência de um órgão colegiado não confere ao seu presidente, automaticamente, o exercício da função judicante neste mesmo órgão. Estas funções não se confundem;

5. Ademais, o princípio da paridade não pode ser interpretado com o fim de restringir o seu próprio alcance[ii];

6. O processo administrativo objeto da presente análise, tal qual como regulamentado pelo RICARF no Brasil, não possui similar no direito comparado, especificamente nos países de tradição romano-germânica (civil law)[iii];

7. O voto de qualidade no âmbito do Carf retornou à sua natureza de verdadeiro “voto de minerva”[iv], que é o voto de desempate proferido pelo presidente quando este não toma parte da votação[v].

Conforme premissa fixada anteriormente, nossa legislação possui diversos exemplos, nos quais quando o legislador pretendeu atribuir ao Presidente do órgão a prerrogativa do voto ordinário o fez de forma expressa. Por todos, citamos o artigo 150 do Regimento Interno do STF[vi].

No mesmo sentido, citamos os artigos 10, da Lei 12.529/2011 e da Lei nº 11.182/2011, que contêm a seguinte expressão quando tratam das atribuições dos respectivos presidentes: “além do voto ordinário, o voto de qualidade”.

No caso do Carf, porém, além do seu Regimento Interno silenciar, consta no Dec. nº 70.235/72 apenas a prerrogativa do voto de qualidade, erigido expressamente como critério de desempate.

Semelhante ao Carf, citamos o artigo 67, da Lei nº 10.233/2001, que regulamenta os julgamentos realizados pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), dispositivo já analisado pelo Poder Judiciário, em acórdão proferido pela Quarta Turma Suplementar do TRF/1ª Região, nos autos da apelação em Mandado de Segurança, processo nº 2005.34.00.028151, ocasião em que, por maioria, entenderam os nobres julgadores, in verbis:

“A interpretação que me parece mais consentânea com a finalidade da disposição do artigo 67 da Lei 10.233/2001 é no sentido de que havendo empate, depois do voto de dois outros membros, cabe ao Diretor-Geral o voto de qualidade para decidir. (…) A lei não estabeleceu que o Diretor-Geral teria voto ordinário e voto de qualidade, como ocorreu quanto ao colegiado de outra agência – ANAC – caso em que o artigo 11 da Lei 11.182/2004 dispôs que o Diretor-Geral teria voto ordinário e de qualidade (grifamos)”.

Mutatis mutandis, também já se manifestou o E. Superior Tribunal de Justiça sobre a necessidade de, nestes casos, ser respeitado o princípio da legalidade. No destaque:

STJ: RE 966.830/DF: “1. A Lei 8.8884/94, ao disciplinar os processos administrativos do CADE, outorga ao presidente do órgão o dever de participar como votante, ao tempo em que também lhe atribui voto de qualidade, em caso de empate. 2. Regra especial a ser aplicada na específica hipótese, em nome do princípio da legalidade”.

(grifamos)

Nem se argumente que não podemos comparar o Carf com os órgãos colegiados que compõe o Poder Judiciário e/ou das agências reguladoras, ao argumento de que o Carf é paritário, pois é justamente a paridade no âmbito do Carf que infirma a necessidade de se preservar o equilíbrio[vii] entre os integrantes das categorias nele representadas.

Neste diapasão, mas por fundamentos diversos, a solução para os casos aonde o voto ordinário do Conselheiro Presidente foi determinante para a manutenção do auto de infração será a mesma lançada na sentença proferida nos autos da ação de mandado de segurança, proc. nº 1005439-62.2018.4.01.3400, em tramite perante a 5ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, in verbis:

“Ante o exposto, DEFIRO A LIMINAR e, determino à autoridade impetrada que adote as providências necessárias para: i) a inclusão na próxima sessão de julgamento de Turma diversa a da 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF, do recurso especial interposto no Processo Administrativo nº 19515.722229/2012-79, sem prejuízo da pauta normal; ii) para que o Presidente vote uma única vez e somente para desempatar a votação do colegiado, não devendo ser computado o voto ordinário; e iii) suspender a exigibilidade dos tributos relativos ao IRPJ e CSLL, formalizado através de auto de infração objeto do PAF em apreço, até a reapreciação pela administração fiscal, nos termos da fundamentação desta decisão.

CONCEDO A SEGURANÇA, nos termos da fundamentação supra, para declarar a nulidade do Acórdão nº 9101-003.141, proferido durante o julgamento do Recurso Especial Fazendário no Processo Administrativo nº 19515.722229/2012-79, para que seja proferido novo julgamento, seguindo as diretrizes acima.”

(grifamos)

Referida decisão teve como causa de pedir a inconstitucionalidade do voto de qualidade e foi objeto de pedido de Suspensão da Segurança perante o Supremo Tribunal Federal, Medida Cautelar na Suspensão da Segurança nº 5.282, ajuizado pela União com o objetivo de sustar os efeitos da decisão supramencionada, liminar deferida pelo Min. Fuz no final do mês passado, sob o argumento da constitucionalidade do referido voto[viii].

Não tem jeito. Sempre que lidamos com questões constitucionais tributárias estamos diante de (04) quatro problemas:

1) O STF é uma Corte Política, nem sempre suas decisões estão fundamentadas em questões técnicas;

2) Atualmente, não há nenhum “Ministro Tributarista”;

3) Em que pese 2/3 dos valores envolvidos nos autos de infração digam respeito às multas impostas, a União sempre traz o argumento dos impactos no orçamento de uma eventual perda de arrecadação;

4) A modulação dos efeitos das decisões proferidas.

Feitas as premissas acima, passemos às questões estatísticas, que desmentem àqueles que afirmam a existência de total imparcialidade no âmbito do Carf[ix].

De maneira geral, de acordo com o Carf[x], um leitor apressado poderia afirmar que suas decisões são proferidas de forma mais favorável aos contribuintes:

Todavia, ao analisarmos as estatísticas qualitativas[xi], verificamos que em se tratando de casos mais vultosos, em 94% dos casos o “voto duplo” foi proferido em benefício da Fazenda Nacional. No detalhe:

De fato, conforme muito bem observado por Augusto César P. S. Nascimento[xii],o atual processo administrativo federal contribui para o alargamento heterodoxo das bases tributárias, cujas teses criadas pelo Fisco (através de Instruções Normativas, Soluções de Consulta, etc.), têm se mostrado eficiente do ponto de vista arrecadatório, pois não envolve a opinião pública (não se fala em novas leis para aumentar a carga tributária) e faz com que a Administração Tributária brasileira utilize sua atípica competência julgadora “como uma ferramenta de apoio ao exercício da sua típica competência arrecadatória”, fazendo com que “que o contencioso administrativo seja considerado uma nova fase do macroprocesso de constituição do crédito tributário iniciado com o lançamento”.

Precismaos ter sempre em mente que a existência do CARF não é um favor, mas sim um poder-dever do Estado Administração inserido em um Estado Democrático de Direito e uma garantia constitucional de participação do contribuinte no controle de legalidade do lançamento tributário[xiii].

[i] https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-ilegalidade-do-voto-duplo-no-ambito-do-carf-21042019

[ii] “O direito à igualdade possui uma aplicação específica no campo dos direitos políticos, mais precisamente no direito ao voto. Não basta o mero direito ao voto, mas sim ao voto “igualitário”, perfazendo a premissa clássica de que para cada homem, deve haver um voto (one man, one vote).” (grifamos). Araújo, Marcelo Labanca Corrêa de; Gadelha, Gabriela Barreto. DIREITO À IGUALDADE DE VOTO E FEDERALISMO: Possibilidade de compatibilização do valor igual do voto à luz da integração regional na Federação brasileira. Disponível em: http://asces.edu.br/publicacoes/revistadireito/edicoes/2011-1/Labanca-isonomia.pdf.

[iii] Na Alemanha, por exemplo, as regras gerais acerca do processo jurisdicional administrativo se encontram previstas em lei de 1960 (Verwaltungsgerichtsordnung – VwGO), que já em seu § 1º estabelece a separação entre a jurisdição administrativa e o exercício da função administrativa, ao determinar que aquela é exercida por cortes independentes, separadas das autoridades administrativas.

[iv] Na língua inglesa, o termo “voto de Minerva” é traduzido como “the deciding vote” ou “the casting vote”.

[v] Vede, por exemplo, o art. 664, parágrafo único, do Código de Processo Penal;

[vi] “Art. 150. O Presidente da Turma terá sempre direito a voto.”

[vii] “O direito à igualdade possui uma aplicação específica no campo dos direitos políticos, mais precisamente no direito ao voto. Não basta o mero direito ao voto, mas sim ao voto “igualitário”, perfazendo a premissa clássica de que para cada homem, deve haver um voto (one man, one vote).” (grifamos). Araújo, Marcelo Labanca Corrêa de; Gadelha, Gabriela Barreto. DIREITO À IGUALDADE DE VOTO E FEDERALISMO: Possibilidade de compatibilização do valor igual do voto à luz da integração regional na Federação brasileira. Disponível em: http://asces.edu.br/publicacoes/revistadireito/edicoes/2011-1/Labanca-isonomia.pdf.

[viii] https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/fus-voto-de-qualidade-carf-27032019

[ix] afirmar que os julgamentos de um órgão paritário são imparcias não passa de um verdadeiro sofisma.

[x] http://idg.carf.fazenda.gov.br/noticias/2016/carf-divulga-relatorio-das-decisoes-proferidas-de-janeiro-a-agosto-de-2016

[xi] http://idg.carf.fazenda.gov.br/noticias/2016/relatorio-julgamentos-do-carf-jan_ags_2016-1.pdf

[xii] Pereira Sampaio Do Nascimento, Augusto César. Redesenho Institucional Da Administração Tributária Brasileira: Uma Proposta De Reforma Do Processo Administrativo Fiscal / Augusto César Pereira Sampaio Do Nascimento. — Rio de Janeiro, 2018.72 f.

[xiii] Torres, Heleno Tavares. (2015). Processo administrativo fiscal é garantia constitucional insuprimível. Consultor Jurídico, https://www.conjur.com.br/2015-mai-13/consultor-tributario-processo-administrativo-fiscal-garantia-constitucional-insuprimivel.

Jaqueline de Maria Silva de Sá

Advogada, Especialista em Direito Tributário pelo CEU – Law School, especializando-se em Gestão Fiscal e Tributária na Live University, com graduação em Ciências Contábeis pela FIPECAFI prevista para dez/2021; titular da JMSS Advocacia Tributária-Empresarial.

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