A falta de bom senso na tributação de medicamentos e o direito à saúde

Ricardo Bernardes Machado

Por Ricardo Bernardes Machado

Na última terça-feira (21/6), dia em que se completaram dois meses de instalação da CPI dos Medicamentos na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, criada originalmente para investigar a adulteração de remédios vendidos naquele estado, membros da diretoria da Associação dos Distribuidores de Medicamentos do Estado do Rio Grande do Sul (Adimers) compareceram à sessão da Comissão para propor a discussão de um tema tão importante quanto a falsificação de produtos médicos e farmacêuticos, porque também trata diretamente do direito à saúde: trata-se da tributação excessiva de medicamentos.

Muitos estados brasileiros já se adequaram à realidade do mercado para tributar medicamentos, mas na região sul do país o Fisco ainda insiste em cobrar impostos que não condizem com a realidade. Com base em uma interpretação jurídica bastante equivocada, que em breve deverá ser revista pelo Superior Tribunal de Justiça, a Receita Estadual no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, por exemplo, persistem na utilização do chamado Preço Máximo ao Consumidor, o PMC, como base de cálculo para a cobrança de ICMS de responsabilidade por substituição tributária. Isso vem causando distorções efetivamente absurdas no preço final dos medicamentos.

O motivo das distorções é bem simples. O PMC, por ser um balizador de teto do preço dos medicamentos, não é praticado pelo mercado. Trata-se de um preço máximo de referência para evitar que produtos essenciais à saúde, como os remédios são, possam se tornar alvo de prática de preços abusivos. É uma forma de regular minimamente o mercado de medicamentos. O problema começa quando esse preço é usado para um fim ao qual não se destina, como a cobrança de ICMS.

O drama é palpável e visto todos os dias em cópias de notas fiscais que chegam à Adimers. Os exemplos são abundantes. No dia 16 de junho, uma distribuidora de Blumenau vendeu a um comerciante dois lotes de um remédio cujo princípio ativo é a sinvastatina, usado na prevenção e para o tratamento de doenças cardíacas.

Pelo PMC, o valor dos produtos seria de mais de R$ 135 mil. Mas a venda se deu por R$ 14,2 mil, que é o preço praticado pelo mercado atacadista no caso deste medicamento. Como o estado de Santa Catarina usa o PMC como base de cálculo do ICMS-ST, o valor apenas do imposto de circulação foi calculado em R$ 20,6 mil. O valor da transação foi de R$ 34,9 mil. O imposto cobrado pelo estado foi, pasmem,40% maior do que o valor dos próprios medicamentos.

Para que fique claro. Se o ICMS fosse calculado sobre o preço praticado na venda, o valor da nota seria de R$ 16,7 mil. Diferença de mais de R$ 18 mil cobrados, reforce-se, injustamente. A nota fiscal em questão está à disposição de quem quiser acessá-la no perfil da Adimers no Facebook. Como “não existe almoço grátis”, o varejista repassa esse imposto ao consumidor. E o preço dos remédios, que poderia ser muito menor, começa a pesar no bolso do paciente, que é o principal prejudicado pela lógica irracional do estado. Lógica segundo a qual quanto mais barata é a venda do medicamento, mais imposto o distribuidor, comerciante e paciente pagam.

A boa notícia é que parte da solução para o problema está nas mãos do STJ, que deverá julgar no segundo semestre deste ano um recurso especial interposto pelo Rio Grande do Sul contra decisão do Tribunal de Justiça gaúcho, que reconheceu a cobrança abusiva do estado. Os desembargadores reconheceram que o Preço Máximo ao Consumidor é um valor de referência e não é praticado pelas farmácias e drogarias.

Pesquisa de mercado feita pelo Instituto Nielsen comprovou recentemente, com farta documentação, que o valor do PMC “não reflete a média dos preços usualmente praticados pelo mercado varejista”. Demonstrou-se um abatimento médio de 45% em relação ao Preço Máximo ao Consumidor. Em alguns casos, já se verificou diferença entre o PMC e o valor de venda de até 90% do preço.

A questão que o STJ deverá examinar é a seguinte: uma vez comprovado por pesquisa de preço de mercado que o valor do PMC não reflete a média dos preços praticados pelas farmácias na venda de medicamentos, por ser muito superior, este valor poderá ser utilizado como base de cálculo do ICMS-ST? É obvio que não, tendo em vista que o ICMS deve ser calculado sobre o valor da operação, e, no caso da substituição tributária, sobre a média dos preços normalmente praticados.

O Brasil é reconhecidamente um país com uma alta carga tributária. Figura entre as nações que mais cobram tributos no mundo, com um agravante: há muito pouca, ou quase nenhuma contrapartida, que deveria se dar por meio de serviços públicos decentes. A cobrança correta de impostos implicará em desoneração. A expectativa é que isso se reflita em preços mais baixos de medicamentos e, consequentemente, mais acesso à saúde. Ao cobrar um tributo correto, o estado ao menos começará a atender ao direito fundamental à saúde, tão negligenciado.

Acreditamos que o STJ certamente terá isso em foco ao decidir sobre a controvérsia, confirmando o entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que reconheceu a impossibilidade de utilização do valor do PMC para fins de cálculo do ICMS-ST nas operações com medicamentos.

Ricardo Bernardes Machado

Diretor jurídico da Associação dos Distribuidores de Medicamentos do Estado do Rio Grande do Sul (Adimers).

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