A ditadura do ICMS em São Paulo
Eduardo Salusse
O Governo do Estado de São Paulo aumentou o valor do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) para diversos setores, ao abrigo do que lhe foi autorizado pelo artigo 22 da Lei nº 17.293/2020.
Este dispositivo autorizou o Poder Executivo a reduzir os benefícios fiscais e financeiros-fiscais relacionados ao ICMS, equiparando-se a benefício fiscal a alíquota fixada em patamar inferior a 18%.
A justificativa para o aumento do ICMS foi a necessidade de arrecadar mais para fazer frente aos gastos com a pandemia do covid-19. De plano, fosse a justificativa válida, o aumento deveria restringir-se aos setores que se beneficiaram no período pandêmico, como o e-commerce, farmacêutico, delivery, supermercados, bebidas, petshop, informática e material de construção (segundo levantamento feito pelo Sebrae).
Monumento em São Paulo recebe máscaras em ação para conscientizar pessoas sobre o coronavírus – vírus, covid-19, pandemia — Foto: AP Foto/Andre Penner
Monumento em São Paulo recebe máscaras em ação para conscientizar pessoas sobre o coronavírus – vírus, covid-19, pandemia — Foto: AP Foto/Andre Penner
Seja como for, o respeito aos princípios da legalidade e da indelegabilidade deveriam ser respeitados.
A Constituição Federal de 1988 (artigo 150, I) e a Constituição do Estado de São Paulo (art. 163, I) asseguram ao contribuinte ser vedado ao Estado exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.
E “a majoração de um tributo pode dar-se de modo direto (isto é, por meio da alteração, para mais, de sua base de cálculo, de sua alíquota ou de ambas), como de modo indireto (mudando-se índices que serão levados em conta por ocasião de seu pagamento ou antecipando-se os prazos de pagamento)” (Roque A. Carrazza).
O ICMS, o Fazendeiro e a Fazendária
A Lei nº 17.293/2020 não poderia delegar ao Poder Executivo a competência tributária que recebeu da Constituição Federal. A própria Constituição do Estado de São Paulo também disciplina que é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições (artigo 5º, § 1º).
Como se não bastasse, a edição de Decretos Paulistas nºs 65.255/2020 e 65.454/2020 aumentando o ICMS para diversos setores é um genuíno ato administrativo, estando sujeito ao princípio da motivação previsto no artigo 37 da Constituição Federal de 1988. E a motivação levada a efeito neste aumento de tributos foi de que “as receitas tributárias diminuíram significativamente em razão da crise econômica gerada pela pandemia”. É o que está escrito na exposição de motivos da referida lei paulista.
Mas esta motivação é falsa e acarreta a nulidade do correspondente ato. Isto porque os Relatórios da Receita Tributária do Estado de São Paulo, disponíveis no sítio oficial da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo atestam que a arrecadação Estadual “vai muito bem”, não tendo ocorrido a tal diminuição drástica na arrecadação se comparada à receita tributária nos anos de 2019, 2020 e 2021.
Houve progressivo aumento de arrecadação e do próprio PIB do Estado nos anos de 2020 e de 2021, tendo a expectativa de que cresça além de 6% neste ano, podendo chegar a 7,6%.
Há, portanto, um enorme vício de motivação na justificativa para a delegação de poderes e para os próprios aumentos de ICMS encampados pelo Estado de São Paulo.
Sabe-se que “os motivos apresentados pelo agente como justificativas do ato associam-se à validade do ato e vinculam o próprio agente. Isso significa, na prática, que a inexistência dos fatos, o enquadramento errado dos fatos aos preceitos legais, a inexistência da hipótese legal embasadora, por exemplo, afetam a validade do ato, ainda que não haja obrigatoriedade de motivar.” (Odete Medauar).
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Fonte: Valor Econômico
Eduardo Salusse
Advogado graduado pela PUC/SP, mestre em direito tributário pela FGV Direito SP, doutorando em direito pela PUC/SP e professor de pós-graduação na FGV/SP