A base de cálculo da contribuição previdenciária – Incidente sobre a receita bruta

Gustavo Martini Matos

Foram amplamente divulgadas pelo Governo Federal as medidas adotadas tendentes a desonerar a folha de salários de determinados setores econômicos, visando, com isso, fomentar o seu nível de atividade, aumentando a competitividade da indústria brasileira, bem como reduzir a informalidade nas relações de trabalho.

Essas medidas consistiram, basicamente, na substituição das contribuições previstas no art. 22, incisos I e III, da Lei nº 8.212, de 24/07/1991, devidas pelas pessoas jurídicas por tais setores econômicos, por uma contribuição incidente sobre a receita bruta, apelidada de CPRB.

Os setores econômicos, originalmente, "beneficiados" pela desoneração da folha de salários e que, em contrapartida, contribuíam com a Previdência Social com base na receita bruta, estavam discriminados nos art. 7º e 8º da Lei nº 12.546, de 14/12/2011.

Posteriormente, esses dispositivos legais foram alterados pelo art. 55 da Lei nº 12.715, de 17/09/2012, ampliando-se sensivelmente os setores econômicos submetidos à "nova" sistemática de apuração da contribuição previdenciária (1). Atualmente, os art. 7º e 8º da Lei nº 12.546/11 possuem a seguinte redação:

"Art. 7º Até 31 de dezembro de 2014, contribuirão sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, à alíquota de 2% (dois por cento):
I – as empresas que prestam os serviços referidos nos §§ 4º e 5º do art. 14 da Lei nº 11.774, de 17 de setembro de 2008;
II – as empresas do setor hoteleiro enquadradas na subclasse 5510-8/01 da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE 2.0;
III – as empresas de transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, municipal, intermunicipal em região metropolitana, intermunicipal, interestadual e internacional enquadradas nas classes 4921-3 e 4922-1 da CNAE 2.0."
"Art. 8º. Até 31 de dezembro de 2014, contribuirão sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, à alíquota de 1% (um por cento), em substituição às contribuições previstas nos incisos I e III do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, as empresas que fabricam os produtos classificados na Tipi, aprovada pelo Decreto nº 7.660, de 23 de dezembro de 2011, nos códigos referidos no Anexo desta Lei.
(…)
§ 3º O disposto no caput também se aplica às empresas:
I – de manutenção e reparação de aeronaves, motores, componentes e equipamentos correlatos;
II – de transporte aéreo de carga;
III – de transporte aéreo de passageiros regular
IV – de transporte marítimo de carga na navegação de cabotagem;
V – de transporte marítimo de passageiros na navegação de cabotagem;
VI – de transporte marítimo de carga na navegação de longo curso;
VII – de transporte marítimo de passageiros na navegação de longo curso;
VIII – de transporte por navegação interior de carga;
IX – de transporte por navegação interior de passageiros em linhas regulares; e
X – de navegação de apoio marítimo e de apoio portuário."

Como se vê, enquanto vigorar esses dispositivos legais, as pessoas jurídicas que desenvolverem as atividades por eles abrangidas deverão recolher a contribuição previdenciária com base na receita bruta, ajustada pelas exclusões expressamente previstas nessas leis (2).

Note-se que as Leis nº 12.546/11 e 12.715/12 não atribuíram qualquer sentido à expressão receita bruta, o que levou algumas empresas a formularem consultas sobre a interpretação dos art. 7º e 8º daquela lei, notadamente, no tocante à base de cálculo da "nova" contribuição previdenciária.

A Divisão de Tributação da 4ª Região Fiscal, mediante a Solução de Consulta nº 45, de 14/06/2012, proferiu o entendimento de que, para fins de incidência da contribuição previdenciária em foco, integram a receita bruta, além do produto decorrente da venda de mercadorias e/ou da prestação de serviços, os ingressos de qualquer natureza auferidos pela pessoa jurídica. Confira-se (3):

"Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB). Os recolhimentos dos valores pertinentes à chamada Contribuição Previdenciária Patronal substitutiva da Folha de Pagamentos, instituída, na espécie, pelo art. 8º da Lei nº 12.546, de 2011, alterado pela Medida Provisória nº 563, de 2012, devem ser efetuados de forma centralizada pelo estabelecimento matriz, nos mesmos moldes das demais contribuições sociais incidentes sobre a receita bruta, de modo que, na respectiva base de cálculo, deve ser incluída, portanto, a receita bruta auferida por filiais, ainda que, na hipótese, estas últimas exerçam, exclusivamente, atividade comercial.
Para os fins da citada CPRB, considera-se receita bruta o valor percebido na venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia, bem como o ingresso de qualquer outra natureza auferido pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou de sua classificação contábil, sendo irrelevante o tipo de atividade exercida pela empresa. Porém, não integram tal base de cálculo: a) as vendas canceladas; b) os descontos incondicionais concedidos; c) o valor do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI destacado em nota fiscal, e d) o valor do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS devido pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto tributário, desde que destacado em documento fiscal." (grifamos)

A nosso ver, a posição adotada pela Divisão de Tributação da 4ª Região Fiscal não reflete a correta interpretação dos art. 7º e 8º da Lei nº 12.546/11, uma vez que elasteceu, demasiadamente, o conceito de receita bruta.

Com efeito, se fizer uma análise histórica e sistemática de nosso ordenamento jurídico, verificar-se-á que essa expressão foi empregada inúmeras vezes pelo legislador infraconstitucional para designar o produto obtido com a venda de mercadorias e prestação de serviços.

Examinando-se diversos dispositivos inseridos em normas tributárias, constata-se que o termo receita bruta vem normalmente acompanhado dos qualificadores "vendas" e "serviços", possuindo significado bastante próximo, para não dizer idêntico, ao de faturamento.

Tome-se, por exemplo, o art. 12 do Decreto-lei nº 1.598, de 26/12/1977, consolidado no art. 279 do atual Regulamento do Imposto de Renda, o qual prescreve que "a receita bruta das vendas e serviços compreende o produto da venda de bens nas operações de conta própria e o preço dos serviços prestados".

Igualmente, a Lei Complementar nº 70, de 30/12/1991, ao instituir a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – COFINS, dispôs que esta exação incidiria à alíquota de dois por cento sobre:

"O faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza" (art. 2º).

Não é só na legislação tributária que a expressão receita bruta se encontra relacionada ao produto de vendas e serviços, mas também na societária, conforme se verifica pela análise do inciso I do art. 187 da Lei nº 6.404, de 15/12/1976, segundo o qual:

"A demonstração do resultado do exercício discriminará (…) a receita bruta das vendas e serviços, as deduções de vendas, os abatimentos e os impostos".

Como se vê, a expressão em análise usualmente é empregada para referir-se às receitas das vendas e serviços, sendo raramente utilizada em referência a outras receitas, que não provenham dos eventos "venda de mercadorias" e "prestação de serviços".

O Supremo Tribunal Federal instado a manifestar-se, em mais de uma ocasião, sobre o conceito de faturamento, posicionou-se no sentido de que esse vocábulo, para fins fiscais, é sinônimo da expressão receita bruta, tal como definida pela legislação do imposto de renda, compreendendo, pois, as receitas auferidas com a venda de mercadorias e/ou a prestação de serviços.

Nesse sentido, confira-se a seguinte passagem do voto do Ministro Moreira Alves, proferido na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1, em sessão plenária de 1º/12/1993 (4):

"Note-se que a Lei Complementar n. 70/91, ao considerar o faturamento como ‘a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza’ nada mais fez do que lhe dar conceituação de faturamento para efeitos fiscais, como bem assinalou o eminente Ministro Ilmar Galvão, no voto que proferiu no RE 150.764, ao acentuar que o conceito de receita bruta das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços ‘coincide com o de faturamento, que, para efeitos fiscais, foi sempre entendido como o produto de todas as vendas, e não apenas das vendas acompanhadas de fatura, formalidade exigida tão-somente nas vendas mercantis a prazo (art. 1º da Lei 187/36)’." (grifamos)

Por oportuno, reproduzimos parcialmente o voto do Ministro Ilmar Galvão, referido no trecho acima transcrito, que foi proferido no julgamento do Recurso Extraordinário nº 150.764, em 16/12/1992 (5):

"Trata-se, todavia, de premissas falsas, como se poderá facilmente demonstrar. Com efeito, o art. 56 do ADCT/88, ao invocar o FINSOCIAL como fonte de receita para a Seguridade Social afastou qualquer eiva de inconstitucionalidade, o que já havia sido feito pelo STF, ao julgar o RE nº 103.788. Por outro lado, a existência de duas contribuições sobre o faturamento está prevista na própria Carta (art. 195, I e 239), motivo singelo, mas bastante, não apenas para que não se possa falar em inconstitucionalidade, mas também para infirmar a ilação de que a contribuição do art. 239 satisfaz a previsão do art. 195, I, no que toca à contribuição calculada sobre o faturamento. De outra parte, o DL 2.397/87, que alterou o DL 1940/82, em seu art. 22, já havia conceituado a receita bruta do art. 1º, § 1º, do mencionado diploma legal como a ‘receita bruta das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços’, conceito esse que coincide com o de faturamento, que, para efeitos fiscais, foi sempre entendido como o produto de todas as vendas, e não apenas das vendas acompanhadas de fatura, formalidade exigida tão-somente nas vendas mercantis a prazo (art. 1º da Lei nº 187/36). A Lei nº 7.689/88, pois, ao converter em contribuição social, para os fins do art. 195, I, da Constituição, o FINSOCIAL até então calculado sobre a receita bruta das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços, nada mais fez do que instituir contribuição social sobre o faturamento. Por fim, inexiste norma constitucional que impeça a fixação ou alteração de alíquota de contribuição social por meio de lei ordinária." (os grifos são nossos)

Mais recentemente, esse entendimento foi reafirmado pela Suprema Corte que, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 527.602, na sessão de 05/08/2009, reconheceu que são equivalentes, isto é, sinônimas as expressões receita bruta e faturamento. Confira-se:

"PIS E COFINS – LEI Nº 9.718/99 – ENQUADRAMENTO NO INCISO I DO ARTIGO 195 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NA REDAÇÃO PRIMITIVA. Enquadrado o tributo no inciso I do artigo 195 da Constituição Federal, é dispensável a disciplina mediante lei complementar.

RECEITA BRUTA E FATURAMENTO – A sinonímia dos vocábulos – Ação Declaratório nº 1, Pleno, relator Ministro Moreira Alves – conduz à exclusão dos aportes financeiros estranhos à atividade desenvolvida – Recurso Extraordinária nº 357.950-9/RS, Pleno, de minha relatoria." (DJe nº 213/2009 (6) , p. 17 – grifamos)
Ora, sendo receita bruta sinônimo de faturamento, os seus sentidos e significados são equivalentes, correspondendo ao produto da veda de mercadoria e da prestação de serviços e não se confundindo, consequentemente, com a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica.

Reforça esse entendimento a constatação de que, nas oportunidades em que o legislador quis conferir sentido mais amplo ao vocábulo faturamento e, por extensão, à expressão receita bruta, para nelas incluir todas as receitas da pessoa jurídica, ele o fez expressamente, como, por exemplo, nas Leis nº 10.637, de 30/12/2002, e 10.833, de 29/12/2003.

Com efeito, na legislação que rege a incidência não cumulativa da contribuição ao PIS e da COFINS, em decorrência de expressas determinações legais, os conceitos de faturamento e receita bruta afastaram-se dos previstos na legislação do imposto de renda, tendo sido ampliados para alcançar todas as receitas da pessoa jurídica.

Note-se que não se está a questionar se as Leis nº 12.546/11 e 12.715/12 poderiam ter delimitado um campo mais amplo de incidência da contribuição previdenciária, determinando a inclusão, em sua base de cálculo, da totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica.

É inconteste que tivesse sido esta a opção do legislador ordinário, a correspondente norma legal encontraria fundamento de validade na competência tributária conferida à União Federal pela alínea "b" do inciso I do art. 195 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constituição nº 20, de 15/12/1998 (7).

No entanto, não foi isso o que fez o legislador, razão pela qual, enquanto inexistir norma legal alterando a base de cálculo da contribuição destinada ao custeio da Previdência Social, de que tratam os art. 7º e 8º da Lei nº 12.546/11, o conceito de receita bruta não poderá ser ampliado pelo intérprete e aplicador da lei.

Dessa forma, a expressão receita bruta ("espécie") não pode ser confundida com a totalidade das receitas ("gênero") auferidas pela pessoa jurídica, abrangendo apenas as decorrentes da venda de mercadorias e da prestação de serviços.

A distinção conceitual existente entre o faturamento e, por extensão, a receita bruta e a totalidade das receitas da pessoa jurídica foi tratada, com extrema precisão, no voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 390.840, em 09/11/2005, no qual se discutia a inconstitucionalidade do "alargamento" da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS, levado a efeito pelo § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718, de 27/11/1998 (8), conforme se verifica pela leitura da seguinte passagem (9):

"Não fosse o § 1º que se seguiu, ter-se-ia a observância da jurisprudência desta Corte, no que ficara explicitado, na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1-1/DF, a sinonímia dos vocábulos ‘faturamento’ e ‘receita bruta’. Todavia, o § 1º veio a definir esta última de forma toda própria:
(…)
O passo mostrou-se demasiadamente largo, olvidando-se, por completo, não só a Lei Fundamental como também a interpretação desta já proclamada pelo Supremo Tribunal Federal. Fez-se incluir no conceito de receita bruta todo e qualquer aporte contabilizado pela empresa, pouco importando a origem, em si, e a classificação que deve ser levada em conta sob o ângulo contábil.
Em síntese, o legislador ordinário (logicamente não no sentido vulgar, mas técnico-legislativo) acabou por criar uma fonte de custeio da seguridade à margem do disposto no artigo 195, com a redação vigente à época, e sem ter presente a regra do § 4º nele contido, isto é, a necessidade de novas fontes destinadas a garantir a manutenção ou a expansão da seguridade social pautar-se pela regra do artigo 154, inciso I, da Constituição Federal, que é explícito quanto à exigência de lei complementar. Antecipou-se à própria Emenda Constitucional nº 20, no que, dando nova redação ao artigo 195 da Constituição Federal, versou a incidência da contribuição sobre a receita ou o faturamento. A disjuntiva ‘ou’ bem revela que não se tem a confusão entre o gênero ‘receita’ e a espécie ‘faturamento’. Repita-se, antes da Emenda Constitucional nº 20/98, posterior à Lei ora em exame, a Lei nº 9.718/98, tinha-se apenas a previsão de incidência da contribuição sobre a folha de salários, o faturamento e os lucros. Com a citada emenda, passou-se não só a se ter a abrangência quanto à primeira base de incidência, folha de salários, apanhando-se de forma linear os rendimentos do trabalho pagos ou creditados a qualquer título, mesmo sem vínculo empregatício, observando-se o precedente desta Corte, como também a inserção, considerando o que surgiu como alínea ‘b’ do inciso I do artigo 195, da base de incidência, que é a receita." (nossos grifos)

Como se vê, as definições de faturamento e de receita bruta são equivalentes, correspondendo, grosso modo, ao produto auferido nas vendas de mercadorias e nas prestações de serviços, estando englobadas no conceito de receita, mas com este não se confundindo.

Enquanto o conceito de receita abrange, de modo geral, novos ingressos financeiros que se incorporam, em caráter definitivo, ao patrimônio da pessoa jurídica e que são produzidos pelo emprego desse patrimônio ou pelo esforço de seu titular (10), os conceitos de faturamento e receita bruta alcançam apenas a parcela de tais ingressos decorrente da venda de mercadorias e/ou da prestação de serviços.

Desse modo, se determinada hipótese legal faz alusão ao faturamento e/ou à receita bruta, não apresentando uma nova e específica definição para esses termos, os mesmos devem ser considerados na acepção que são normalmente tomados pelo legislador ordinário, razão pela qual não se poderá incluir, em tal hipótese, receitas outras que não as provenientes da venda de mercadorias e da prestação de serviços.

A propósito, não se deve olvidar do alerta feito por Carlos Maximiliano no sentido de que, havendo antinomia entre dois significados, deve ser dada preferência ao sentido adotado pelo mesmo autor ou legislador, noutras oportunidades. É o que se verifica pela passagem, a seguir, transcrita (11):

"O juiz atribui aos vocábulos o sentido resultante da linguagem vulgar; porque se presume haver o legislador, ou escritor, usado expressões comuns; porém, quando são empregados termos jurídicos, deve crer-se ter havido preferência pela linguagem técnica. Não basta obter o significado gramatical e etimológico; revela, ainda, verificar se determinada palavra foi empregada em acepção geral ou especial, ampla ou estrita; se não apresenta às vezes exprimindo conceito diverso do habitual. O próprio uso atribui a um termo sentido que os velhos lexicógrafos jamais previram. Enfim, todas as ciências, e entre elas o Direito, têm a sua linguagem própria, a sua tecnologia; deve o intérprete levá-la em conta; bem como o fato de serem as palavras em número reduzido, aplicáveis, por isso, em várias acepções e incapazes de traduzir todas as gradações e finura do pensamento. No Direito Público usam mais dos vocábulos no sentido técnico; em o Direito Privado, na acepção vulgar. Em qualquer caso, entretanto, quando haja antinomia entre os dois significados, prefira-se o adotado geralmente pelo mesmo autor, ou legislador, conforme as inferências deduzíveis do contexto." (grifamos)

Aplicando-se os ensinamentos de Carlos Maximiliano à situação aqui analisada, admitindo-se que receita bruta possa ter outros significados que não o extraído do art. 12 do Decreto-lei nº 1.598/77 e do art. 187, inciso I, da Lei nº 6.404/76, caso as Leis nº 12.546/11 e 12.715/12 quisessem adotar acepção diversa da que é habitualmente utilizada pelo legislador ordinário, deveriam tê-lo feito expressamente, indicando qual seria esse sentido.

Porém, conforme acima visto, ao instituírem a contribuição previdenciária substitutiva da incidente sobre a folha de salário, as referidas normas legais limitaram-se a mencionar receita bruta, não conferindo qualquer definição especial a essa expressão, distinta da usualmente empregada nos textos legais.

Nesse contexto, quando da promulgação daquelas leis, o legislador ordinário limitou a base de cálculo da contribuição previdenciária em análise à receita bruta da pessoa jurídica, assim entendido o produto da venda das mercadorias e da prestação dos serviços, abrangido pelas hipóteses dos art. 7º e 8º da Lei nº 12.546/11.

As manifestações dos autores da Medida Provisória nº 563, de 03/04/2012, constantes da Exposição de Motivos nº 25, de 02/04/2012, corroboram esse entendimento, conforme se verifica pela análise do seguinte excerto:

"71. Em vista das considerações expostas, a presente proposição aduz convergência às diretrizes do Plano Brasil Maior e estabelece a continuidade do processo de desoneração da folha de pagamentos, mediante a definição de setores selecionados dos serviços e da indústria de transformação, que serão contemplados com a migração da base de contribuição patronal para a seguridade social, da folha de pagamentos para o faturamento, conforme previsto nos §§ 12 e 13 do art. 195 da Constituição Federal.
72. Note-se, ademais, que a contribuição sobre o faturamento será fixada em alíquota inferior àquela que seria neutra do ponto de vista fiscal, mas que o Fundo do Regime Geral de Previdência Social, de que trata o art. 68 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, não sofrerá perdas, pois, conforme inciso IV da Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011, a União compensará o referido Fundo, no valor correspondente à estimativa de renúncia previdenciária, de forma a não afetar a apuração do resultado financeiro do Regime Geral de Previdência Social – RGPS." (os destaques são nossos)

Como se vê, a Exposição de Motivos nº 25/12 é mais um elemento, dentre os que foram acima examinados, que nos permite afirmar que a base de cálculo da contribuição previdenciária, prevista no art. 8º da Lei nº 12.546/11, corresponde ao faturamento ou à receita bruta da pessoa jurídica, devendo nela ser considerado o produto da venda de mercadorias e da prestação de serviços (12).

Sendo assim, tendo o legislador ordinário optado por taxar a receita bruta da pessoa jurídica, e não a sua receita total, as autoridades fiscais não podem exigir que, na base de cálculo da contribuição em análise, sejam consideradas outras receitas que não as provenientes da venda de mercadorias e/ou da prestação de serviços.

Pelo exposto, conclui-se que estão incluídas, na base de cálculo da contribuição previdenciária sobre a receita bruta, apenas as receitas decorrentes desses "eventos", desde que, por óbvio, relacionados às atividades previstas nos art. 7º e 8º da Lei nº 12.546/11, com a redação dada pela Lei nº 12.715/12.

Portanto, carece de amparo legal a Solução de Consulta nº 45, da Divisão de Tributação da 4ª Região Fiscal, que se posicionou no sentido de que devem ser consideradas, na base de cálculo da contribuição regida por aquele dispositivo legal, todas as receitas auferidas pela pessoa jurídica, e não apenas as auferidas na venda de mercadorias e na prestação de serviços, decorrentes das atividades neles previstas.

Notas

(1) Mais recentemente, o art. 2º da Medida Provisória nº 582, de 20/09/2012, alterou o Anexo referido no caput do art. 8º da Lei nº 12.546/11, incluindo novos códigos de produtos que se sujeitam à incidência da contribuição previdenciária com base na receita bruta.

(2) Os art. 8º, caput, e 9º, § 7º, da Lei nº 12.546/11, com a redação dada pela Lei n 12.715/12, autorização a exclusão, do valor da receita bruta, das vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, bem como o IPI, se nela incluído, e o ICMS, quando cobrado pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto tributário.

(3) Publicada no Diário Oficial da União, de 23/07/2012, nº 141, Seção 1, p. 12.

(4) A íntegra dessa decisão encontra-se disponível na página virtual do Supremo Tribunal Federal (http://www.stf.jus.br).

(5) O inteiro teor desse acórdão pode ser obtido na página virtual do Supremo Tribunal Federal (http://www.stf.jus.br).

(6) Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/djEletronico/DJE_20091112_213.pdf.

(7) "Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (…) b) a receita ou o faturamento; (…)"

(8) "Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica. § 1º Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas."

(9) A íntegra dessa decisão encontra-se disponível na página virtual do Supremo Tribunal Federal (http://www.stf.jus.br).

(10) Uma análise detalhada do entendimento doutrinário acerca do conceito jurídico de receita foi feita por Ricardo Mariz de Oliveira, no Capítulo II de sua obra Fundamentos do Imposto de Renda, São Paulo, Quartier Latin, 2008.

(11) Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 109.

(12) Não se pretende aqui conferir caráter determinante à exposição de motivos da Medida Provisória nº 563/12, muito menos atribuir-lhe valor de interpretação autêntica, o que representaria um evidente absurdo, contrário ao entendimento da doutrina e ao posicionamento jurisprudencial acerca da interpretação das leis, mas apenas demonstrar que, neste particular, a intenção manifestada nos trabalhos preparatórios, que resultaram na referida medida provisória, confirma aquela interpretação do texto legal. Nesse sentido, é precisa a lição de Carlos Maximiliano, para quem "só devem servir de guia da exegese os Materiais Legislativos quando o pensamento diretor, objetivo central, os princípios, que dos mesmos ressaltam, encontram expressão no texto definitivo" (op. cit., p. 143 – grifamos).

Gustavo Martini Matos

Advogado em São Paulo. Mestre em Direito Tributário pela USP. Sócio da Advocacia Lunardelli.

Gostou do artigo? Compartilhe em suas redes sociais

iplwin login

iplwin app