O peso de um trambolho fiscal
Pressionado pelos governos dos principais Estados exportadores, o governo federal deverá repassar aos Tesouros estaduais R$ 3,9 bilhões, em 2010, como compensação pela desoneração das exportações. O repasse poderá chegar a R$ 5,2 bilhões, se a arrecadação permitir. Qualquer pagamento vai depender, no entanto, de emenda à proposta de lei orçamentária em tramitação no Congresso. Nenhuma verba para essa finalidade foi prevista no projeto original. Os governadores de São Paulo e de Minas Gerais, José Serra e Aécio Neves, logo se mexeram para articular uma grande reação com os colegas de outros Estados. Ameaçaram proibir os exportadores de usar os créditos do ICMS para pagar fornecedores. A proibição valeria a partir de janeiro e seria mais um golpe contra as empresas numa fase especialmente difícil do comércio internacional.
Os Estados devem aos exportadores cerca de R$ 25 bilhões em créditos fiscais. A União deve outros R$ 10 bilhões. São estimativas da Associação de Comércio Exterior do Brasil e coincidem com informações extraoficiais de fontes do governo federal. A liquidação dos créditos é difícil, os custos fiscais se acumulam para os empresários e qualquer agravamento da situação pode afetar seriamente sua atividade, a criação de empregos e o crescimento econômico.
A disputa entre os governos estaduais e o federal por causa da compensação das desonerações é recorrente. Com a Lei Kandir, todo tipo de produto exportado ficou isento do ICMS a partir de 1996. Antes dessa medida, a isenção valia só para os manufaturados. Se a arrecadação caísse, o Estado receberia verba federal. O esquema valeria por alguns anos. Afinal, o aumento das exportações acabaria beneficiando as economias estaduais e a receita do ICMS tenderia a crescer. Além disso, qualquer reforma tributária razoável deveria desonerar totalmente, e de modo mais ordenado, as vendas ao exterior.
Não houve reforma tributária, mas a receita de exportações acabaria crescendo com vigor, principalmente depois da mudança cambial de 1999. A arrecadação dos Estados também se expandiu de forma quase ininterrupta. Mas o esquema de repasses foi mantido e os governos estaduais passaram a agir como se a “compensação” fosse um direito adquirido. Além disso, a Lei Kandir nunca foi aplicada integralmente, porque previa também a desoneração dos investimentos e das despesas com insumos não incorporados no produto.
Segundo o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Machado, a União não é mais obrigada a ressarcir os Estados pelo ICMS não cobrado nas exportações desoneradas pela Lei Kandir. Ele menciona como argumentos a Lei Complementar nº 115, de dezembro de 2002, e a Emenda Constitucional nº 42, promulgada um ano depois. Para as autoridades estaduais, a obrigação permanece. Mas o governador José Serra tem um argumento de outro tipo. Segundo ele, é justo dividir entre União, Estados e municípios o custo da isenção fiscal, “porque o esforço exportador é grande, as exportações consomem estradas, quem trabalha nelas consome serviços sociais do Estado e tudo mais”. O argumento é obviamente frágil.
Os custos da infraestrutura e dos serviços sociais são financiados por uma ampla carga de tributos, tarifas e contribuições, mais pesada que a da maior parte dos países concorrentes com o Brasil. Nesses países, no entanto, exportações e investimentos são em geral desonerados de tributos, não por favor, mas porque os governos sabem avaliar as condições necessárias para conquistar mercados, aumentar a produção e criar empregos. Apesar da menor tributação, muitos desses governos oferecem ao público serviços melhores que os do Brasil em educação e saúde.
A Lei Kandir, apesar de necessária, foi um remendo. Os governos deveriam tê-la descartado há muito tempo, com uma reforma tributária inteligente. Mas não o fizeram porque a administração pública brasileira não aprendeu a viver sem tributos excessivos e de baixíssima qualidade. Isso vale também para os governos estaduais. A briga recorrente em torno do cumprimento da Lei Kandir e de seus custos é um dos muitos sintomas de atraso e da incapacidade brasileira de se livrar de velhos trambolhos – a começar pelo péssimo sistema tributário.
Os Estados devem aos exportadores cerca de R$ 25 bilhões em créditos fiscais. A União deve outros R$ 10 bilhões. São estimativas da Associação de Comércio Exterior do Brasil e coincidem com informações extraoficiais de fontes do governo federal. A liquidação dos créditos é difícil, os custos fiscais se acumulam para os empresários e qualquer agravamento da situação pode afetar seriamente sua atividade, a criação de empregos e o crescimento econômico.
A disputa entre os governos estaduais e o federal por causa da compensação das desonerações é recorrente. Com a Lei Kandir, todo tipo de produto exportado ficou isento do ICMS a partir de 1996. Antes dessa medida, a isenção valia só para os manufaturados. Se a arrecadação caísse, o Estado receberia verba federal. O esquema valeria por alguns anos. Afinal, o aumento das exportações acabaria beneficiando as economias estaduais e a receita do ICMS tenderia a crescer. Além disso, qualquer reforma tributária razoável deveria desonerar totalmente, e de modo mais ordenado, as vendas ao exterior.
Não houve reforma tributária, mas a receita de exportações acabaria crescendo com vigor, principalmente depois da mudança cambial de 1999. A arrecadação dos Estados também se expandiu de forma quase ininterrupta. Mas o esquema de repasses foi mantido e os governos estaduais passaram a agir como se a “compensação” fosse um direito adquirido. Além disso, a Lei Kandir nunca foi aplicada integralmente, porque previa também a desoneração dos investimentos e das despesas com insumos não incorporados no produto.
Segundo o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Machado, a União não é mais obrigada a ressarcir os Estados pelo ICMS não cobrado nas exportações desoneradas pela Lei Kandir. Ele menciona como argumentos a Lei Complementar nº 115, de dezembro de 2002, e a Emenda Constitucional nº 42, promulgada um ano depois. Para as autoridades estaduais, a obrigação permanece. Mas o governador José Serra tem um argumento de outro tipo. Segundo ele, é justo dividir entre União, Estados e municípios o custo da isenção fiscal, “porque o esforço exportador é grande, as exportações consomem estradas, quem trabalha nelas consome serviços sociais do Estado e tudo mais”. O argumento é obviamente frágil.
Os custos da infraestrutura e dos serviços sociais são financiados por uma ampla carga de tributos, tarifas e contribuições, mais pesada que a da maior parte dos países concorrentes com o Brasil. Nesses países, no entanto, exportações e investimentos são em geral desonerados de tributos, não por favor, mas porque os governos sabem avaliar as condições necessárias para conquistar mercados, aumentar a produção e criar empregos. Apesar da menor tributação, muitos desses governos oferecem ao público serviços melhores que os do Brasil em educação e saúde.
A Lei Kandir, apesar de necessária, foi um remendo. Os governos deveriam tê-la descartado há muito tempo, com uma reforma tributária inteligente. Mas não o fizeram porque a administração pública brasileira não aprendeu a viver sem tributos excessivos e de baixíssima qualidade. Isso vale também para os governos estaduais. A briga recorrente em torno do cumprimento da Lei Kandir e de seus custos é um dos muitos sintomas de atraso e da incapacidade brasileira de se livrar de velhos trambolhos – a começar pelo péssimo sistema tributário.