Empresas reagem a intercâmbio entre fiscos
As empresas acompanham atentamente a tramitação, no Congresso, do acordo bilateral Brasil-Estados Unidos sobre sigilo e fiscalização tributária. Resultado de consenso entre os fiscos americano e brasileiro, o texto causa preocupação à Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp) por prever uma troca de informações considerada inédita, inclusive com previsão de vinda de fiscais americanos para colher informações e documentos.
Embora o tratado preveja sempre a aplicação dos limites da legislação interna, existe um receio de que os dados sejam usados para outros fins que não apenas o da fiscalização tributária e que haja acesso pleno a documentos bancários e contábeis, o que violaria o sigilo e o direito à privacidade. “Somos a favor da fiscalização e da transparência, mas esse acordo nos preocupa porque prevê praticamente a troca livre de informações”, diz Hélcio Honda, assessor jurídico da presidência da Fiesp.
A Receita Federal diz que o receio é infundado. Segundo o órgão, os dados só poderão ser repassados com a anuência do fisco do país-sede da empresa investigada. Em alguns casos, a companhia poderá até recusar-se a prestar contas ou a receber fiscais do outro país.
Embora já tenha sido assinado pela Receita e pela Embaixada dos Estados Unidos, o acordo só entra em vigor depois da aprovação do Congresso. O projeto de decreto legislativo do acordo já havia sido aprovado por duas comissões antes de ser alvo de polêmica na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
A estratégia das empresas e de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que também é contra o texto, é provocar uma discussão e sensibilizar os parlamentares para questões constitucionais relacionadas à proteção ao sigilo e a garantias individuais, como o direito à privacidade. “Não se trata de uma bandeira fácil de carregar”, diz um advogado que prefere não se identificar. “A crítica a um acordo de troca de informações gera atualmente acusações de interesse em manter impunidade em ilícitos e crimes fiscais.”
Desde que chegou à CCJ, o texto tem sido alvo de polêmica. Deputados governistas e da oposição criticam o texto, classificando-o de inconstitucional. Esse entendimento é também do relator do projeto, Regis de Oliveira (PSC-SP), que já apresentou seu parecer. O PT e o governo defendem o projeto de forma intensa e farão de tudo para aprová-lo na comissão. O principal parlamentar encarregado de defender a posição da Receita é o deputado José Genoíno (PT-SP).
Cientes de que a pressão do empresariado será fundamental para o futuro do acordo, tanto aqueles que querem derrubá-lo quanto seus apoiadores procuram o setor produtivo. O deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC), por exemplo, um dos que tentam barrar a votação do texto, já conversou com a Fiesp e com a Confederação Nacional das Indústrias (CNI).
A pedido de Bornhausen, a CCJ fará uma audiência sobre o assunto na próxima semana. “As duas entidades estarão lá na comissão para assistir ao debate”, garante o integrante do Democratas. O deputado foi o primeiro a levantar a tese, na comissão, de que o acordo é perigoso e pode representar quebra de sigilo de informações de brasileiros. Bornhausen foi avisado pela OAB paulista sobre o projeto. “Eles me alertaram sobre as inconstitucionalidades”, revela.
Na Fiesp, circular interna às empresas do departamento de comércio exterior recomenda o acompanhamento do assunto “com atenção” em razão da “amplitude das regras” do acordo e do receio de que uso das informações obtidas não se limitem a fins tributários. A circular ainda convoca empresas com subsidiárias ou com investimentos nos EUA a participar da audiência pública.
“O acordo bilateral dá à Receita um poder de polícia que ela não tem”, diz o advogado Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, que acompanha o assunto pela OAB e pela Fiesp. “Inclusive permite que autoridades fiscais americanas acompanhem depoimentos no Brasil. Nem a Receita Federal pode fazer isso. O Fisco brasileiro somente acompanha quaisquer processos estritamente para aspectos de repercussão tributária.” Ele lembra que a OAB e a Fiesp não são contra a troca de informações em si, mas quer levar o teor do acordo a debate. “O Supremo Tribunal Federal ainda não se pronunciou sobre a extensão do sigilo bancário e, mesmo assim, o acordo prevê acesso a documentos originais de posse dos bancos.”
Críticos do projeto temem ser acusados de defenderem a impunidade em crimes fiscais
Entre as empresas, o que também causa inquietação é que, diferentemente dos demais casos de troca de informações fiscais, o intercâmbio com os EUA não está inserido dentro de um acordo bilateral para evitar a bitributação, pleito antigo das companhias brasileiras. “Do ponto de vista das empresas, haverá o ônus da troca de informações entre os dois países sem o bônus de um tratado de bitributação”, diz Amaral. Para ele, o envio de informações seria a grande moeda de troca do Brasil para negociar o tratado de dupla tributação.
Para Honda, assessor jurídico da Fiesp, a troca de informações beneficia principalmente o Fisco americano. “É uma via de mão dupla com muitas pistas para o outro lado”, diz, referindo se ao volume relativamente pequeno de empresas brasileiras nos EUA em relação às companhias americanas no país. Segundo advogados ouvidos pelo Valor, isso pode concentrar as atenções do Fisco principalmente para os planejamentos tributários para reduzir os impostos pagos nos Estados Unidos. Para Amaral, há uma questão política pública envolvida. “É preciso analisar o interesse do país em custear com recursos públicos o trabalho da Receita no levantamento de informações ao Fisco americano.”
Para Amaral, a disparidade não se restringe ao fluxo de informações. A possibilidade da troca de informações detonar uma fiscalização internacional também poderia colocar os contribuintes dos dois países em situação desigual, diz ele “Existem dispositivos na legislação dos EUA que garantem direitos a contribuintes americanos em fiscalizações internacionais. No Brasil não há isso.”
A pedido do Valor, a Confederação Nacional do Comércio (CNC) avaliou o acordo bilateral. A avaliação, segundo parecer jurídico da entidade, é de que o tratado será “positivo para ambos os países”. Mas há também o receio de que as informações sejam utilizadas indevidamente. A confederação ressalta “a imperiosa necessidade de que não haja excessos no cumprimento deste instrumento, ou seja, de que, na sua execução, sejam respeitados os direitos e garantias do cidadão brasileiro, a necessidade de autorização judicial para quebra de sigilo bancário, fiscal e demais situações em que seja necessário preservar o direito à intimidade”.
A Receita defende o acordo e diz que haverá troca de informações apenas em relação às empresas que sofram investigação nas instâncias tributária e judicial da outra parte. O órgão lembra que a fiscalização de autoridades americanas só acontecerá com anuência da Receita e do fiscalizado.
Um dos pontos mais criticados é o que prevê que a Receita Federal terá de fornecer ao fisco americano até mesmo as informações que não possui. Nesse caso, terá de adotar todas as medidas importantes para coletar os dados, mesmo que a Receita não necessite deles imediatamente para a sua própria atuação. O órgão diz, porém, que o acordo é claro ao ressaltar que não será atendido qualquer pedido de um país em relação a outro, caso a solicitação afronte as respectivas legislações internas.
O acordo prevê, diz ainda a Receita, que o pedido de informações poderá ser recusado quando a revelação das informações pedidas for contrária ao interesse público da outra parte ou quando o pedido não respeitar todas as especificidades previstas no texto.
Em nota, a Receita garante que o acordo “respeita as limitações legais de cada país e objetiva a troca de informações entre as administrações tributárias”. Segundo a autarquia, acordos desse tipo são comuns. A Receita diz que o Brasil tem, em matéria aduaneira, tratados semelhantes com Rússia, Holanda e Estados Unidos com resultados bastante positivos.
As entidades que reúnem empresas não vêem o texto do acordo somente com críticas. A assessoria da CNI afirma que não é possível levantar ilegalidades ou inconstitucionalidades no acordo firmado pela Receita.
Além do mais, a avaliação é de que, uma vez aprovado o texto e iniciada a fiscalização das autoridades dos dois países sobre as suas empresas, haverá maior segurança jurídica nos negócios firmados pelas empresas brasileiras.
Embora o tratado preveja sempre a aplicação dos limites da legislação interna, existe um receio de que os dados sejam usados para outros fins que não apenas o da fiscalização tributária e que haja acesso pleno a documentos bancários e contábeis, o que violaria o sigilo e o direito à privacidade. “Somos a favor da fiscalização e da transparência, mas esse acordo nos preocupa porque prevê praticamente a troca livre de informações”, diz Hélcio Honda, assessor jurídico da presidência da Fiesp.
A Receita Federal diz que o receio é infundado. Segundo o órgão, os dados só poderão ser repassados com a anuência do fisco do país-sede da empresa investigada. Em alguns casos, a companhia poderá até recusar-se a prestar contas ou a receber fiscais do outro país.
Embora já tenha sido assinado pela Receita e pela Embaixada dos Estados Unidos, o acordo só entra em vigor depois da aprovação do Congresso. O projeto de decreto legislativo do acordo já havia sido aprovado por duas comissões antes de ser alvo de polêmica na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
A estratégia das empresas e de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que também é contra o texto, é provocar uma discussão e sensibilizar os parlamentares para questões constitucionais relacionadas à proteção ao sigilo e a garantias individuais, como o direito à privacidade. “Não se trata de uma bandeira fácil de carregar”, diz um advogado que prefere não se identificar. “A crítica a um acordo de troca de informações gera atualmente acusações de interesse em manter impunidade em ilícitos e crimes fiscais.”
Desde que chegou à CCJ, o texto tem sido alvo de polêmica. Deputados governistas e da oposição criticam o texto, classificando-o de inconstitucional. Esse entendimento é também do relator do projeto, Regis de Oliveira (PSC-SP), que já apresentou seu parecer. O PT e o governo defendem o projeto de forma intensa e farão de tudo para aprová-lo na comissão. O principal parlamentar encarregado de defender a posição da Receita é o deputado José Genoíno (PT-SP).
Cientes de que a pressão do empresariado será fundamental para o futuro do acordo, tanto aqueles que querem derrubá-lo quanto seus apoiadores procuram o setor produtivo. O deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC), por exemplo, um dos que tentam barrar a votação do texto, já conversou com a Fiesp e com a Confederação Nacional das Indústrias (CNI).
A pedido de Bornhausen, a CCJ fará uma audiência sobre o assunto na próxima semana. “As duas entidades estarão lá na comissão para assistir ao debate”, garante o integrante do Democratas. O deputado foi o primeiro a levantar a tese, na comissão, de que o acordo é perigoso e pode representar quebra de sigilo de informações de brasileiros. Bornhausen foi avisado pela OAB paulista sobre o projeto. “Eles me alertaram sobre as inconstitucionalidades”, revela.
Na Fiesp, circular interna às empresas do departamento de comércio exterior recomenda o acompanhamento do assunto “com atenção” em razão da “amplitude das regras” do acordo e do receio de que uso das informações obtidas não se limitem a fins tributários. A circular ainda convoca empresas com subsidiárias ou com investimentos nos EUA a participar da audiência pública.
“O acordo bilateral dá à Receita um poder de polícia que ela não tem”, diz o advogado Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, que acompanha o assunto pela OAB e pela Fiesp. “Inclusive permite que autoridades fiscais americanas acompanhem depoimentos no Brasil. Nem a Receita Federal pode fazer isso. O Fisco brasileiro somente acompanha quaisquer processos estritamente para aspectos de repercussão tributária.” Ele lembra que a OAB e a Fiesp não são contra a troca de informações em si, mas quer levar o teor do acordo a debate. “O Supremo Tribunal Federal ainda não se pronunciou sobre a extensão do sigilo bancário e, mesmo assim, o acordo prevê acesso a documentos originais de posse dos bancos.”
Críticos do projeto temem ser acusados de defenderem a impunidade em crimes fiscais
Entre as empresas, o que também causa inquietação é que, diferentemente dos demais casos de troca de informações fiscais, o intercâmbio com os EUA não está inserido dentro de um acordo bilateral para evitar a bitributação, pleito antigo das companhias brasileiras. “Do ponto de vista das empresas, haverá o ônus da troca de informações entre os dois países sem o bônus de um tratado de bitributação”, diz Amaral. Para ele, o envio de informações seria a grande moeda de troca do Brasil para negociar o tratado de dupla tributação.
Para Honda, assessor jurídico da Fiesp, a troca de informações beneficia principalmente o Fisco americano. “É uma via de mão dupla com muitas pistas para o outro lado”, diz, referindo se ao volume relativamente pequeno de empresas brasileiras nos EUA em relação às companhias americanas no país. Segundo advogados ouvidos pelo Valor, isso pode concentrar as atenções do Fisco principalmente para os planejamentos tributários para reduzir os impostos pagos nos Estados Unidos. Para Amaral, há uma questão política pública envolvida. “É preciso analisar o interesse do país em custear com recursos públicos o trabalho da Receita no levantamento de informações ao Fisco americano.”
Para Amaral, a disparidade não se restringe ao fluxo de informações. A possibilidade da troca de informações detonar uma fiscalização internacional também poderia colocar os contribuintes dos dois países em situação desigual, diz ele “Existem dispositivos na legislação dos EUA que garantem direitos a contribuintes americanos em fiscalizações internacionais. No Brasil não há isso.”
A pedido do Valor, a Confederação Nacional do Comércio (CNC) avaliou o acordo bilateral. A avaliação, segundo parecer jurídico da entidade, é de que o tratado será “positivo para ambos os países”. Mas há também o receio de que as informações sejam utilizadas indevidamente. A confederação ressalta “a imperiosa necessidade de que não haja excessos no cumprimento deste instrumento, ou seja, de que, na sua execução, sejam respeitados os direitos e garantias do cidadão brasileiro, a necessidade de autorização judicial para quebra de sigilo bancário, fiscal e demais situações em que seja necessário preservar o direito à intimidade”.
A Receita defende o acordo e diz que haverá troca de informações apenas em relação às empresas que sofram investigação nas instâncias tributária e judicial da outra parte. O órgão lembra que a fiscalização de autoridades americanas só acontecerá com anuência da Receita e do fiscalizado.
Um dos pontos mais criticados é o que prevê que a Receita Federal terá de fornecer ao fisco americano até mesmo as informações que não possui. Nesse caso, terá de adotar todas as medidas importantes para coletar os dados, mesmo que a Receita não necessite deles imediatamente para a sua própria atuação. O órgão diz, porém, que o acordo é claro ao ressaltar que não será atendido qualquer pedido de um país em relação a outro, caso a solicitação afronte as respectivas legislações internas.
O acordo prevê, diz ainda a Receita, que o pedido de informações poderá ser recusado quando a revelação das informações pedidas for contrária ao interesse público da outra parte ou quando o pedido não respeitar todas as especificidades previstas no texto.
Em nota, a Receita garante que o acordo “respeita as limitações legais de cada país e objetiva a troca de informações entre as administrações tributárias”. Segundo a autarquia, acordos desse tipo são comuns. A Receita diz que o Brasil tem, em matéria aduaneira, tratados semelhantes com Rússia, Holanda e Estados Unidos com resultados bastante positivos.
As entidades que reúnem empresas não vêem o texto do acordo somente com críticas. A assessoria da CNI afirma que não é possível levantar ilegalidades ou inconstitucionalidades no acordo firmado pela Receita.
Além do mais, a avaliação é de que, uma vez aprovado o texto e iniciada a fiscalização das autoridades dos dois países sobre as suas empresas, haverá maior segurança jurídica nos negócios firmados pelas empresas brasileiras.