Receita tributa créditos de carbono

Pela primeira vez, a Receita Federal manifestou-se sobre a tributação de créditos de carbono no país, gerados a partir do desenvolvimento de projetos que, de alguma forma, contribuam para a redução da emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). É pela comercialização destes créditos, atestados pela Redução Certificada de Emissão (RCE), que nasce a discussão sobre sua tributação, até hoje sem regulamentação no Brasil. Apesar do esclarecimento da Receita Federal resultar de uma solução de consulta – e, portanto, valer apenas para a empresa que formulou o questionamento -, o entendimento do fisco é visto por especialistas como uma referência, ainda que mínima, sobre a venda das RCEs pelas empresas brasileiras.

No caso específico da Solução de Consulta nº 59, respondida pela delegacia fiscal da 9ª região (que engloba o Paraná e Santa Catarina), a Receita entendeu que a empresa não deve pagar o PIS e a Cofins na comercialização do certificado por tratar-se da cessão de direito para o exterior. Por ser exportação, as contribuições não são devidas nesta operação. Em relação ao recolhimento do imposto de renda, a solução de consulta, segundo alguns especialistas, é aberta, dando a entender que a venda pode ter sido classificada tanto como uma cessão de direito quanto uma prestação de serviço, em razão dos dispositivos legais citados.

A empresa que realizou a consulta é optante do lucro presumido, ou seja, com faturamento de até R$ 48 milhões, e sendo a RCE classificada como cessão de direito ou serviço, o percentual de imposto de renda a ser recolhido será de 4,8% para um faturamento de até R$ 62,5 mil e de 8% sobre o valor que exceder a este montante. “A dúvida existente é se ao crédito de carbono será aplicada a regra comum do imposto de renda ou normas para commodities”, afirma o advogado Rogério Ramires, do escritório Loddi e Ramires Advogados. Para o advogado, indiretamente a Receita esclareceu que o certificado seria um serviço, e não uma mercadoria. Mas, apesar disto, para Ramires a RCE não poderia ser tributada pelo ISS, por não existir previsão na Lei Complementar nº 116, de 2003, que trata da tributação dos serviços. Além disto, o advogado afirma que o certificado não é uma obrigação de fazer, característica necessária para a cobrança do imposto municipal.

Para a advogada Ana Cláudia Utumi, sócia do TozziniFreire Advogados, do ponto de vista técnico a RCE não seria serviço, mas um produto ou mercadoria. Sendo produto, a tributação seria menor no caso de uma empresa do lucro presumido. Tendo um faturamento de R$ 100 mil, por exemplo, a empresa recolheria 3,8 mil de imposto de renda se o certificado fosse classificado como mercadoria. No caso de serviço, o imposto a ser recolhido seria de R$ 10,8 mil, diz.

Segundo a advogada, em razão das incertezas em relação à questão fiscal, algumas empresas brasileiras que têm RCEs para comercializar têm optado por tratá-los de maneira conservadora e os classificado como “outras receitas”. “É uma tributação mais gravosa”, diz.

A advogada Bianca Delgado, do escritório Décio Freire Advogados, entende que a solução de consulta não trouxe novidades. Isto porque muitas empresas já têm considerado a venda do certificado como uma cessão de direito, o que vai ao encontro do entendimento da solução de consulta. “Neste caso, a base de tributação é mais ampla e a empresa corre menos risco de sofrer autuações”, afirma. Mas a dúvida sobre a natureza dos créditos ainda persiste, diz, a advogada. “Discute-se se é serviço, mercadoria ou valor mobiliário.” Segundo ela, uma possível isenção de tributos sobre estas negociações só poderia ocorrer pela edição de uma lei específica que a estipulasse.

A notícia da solução tem circulado entre as consultorias especializadas em créditos de carbono, mas muitas delas, procuradas pelo Valor, preferiram não comentar o assunto por falta de conhecimento mais aprofundado da solução publicada pela Receita. A primeira reação, no entanto, é de indignação. E, junto com ela, uma lista de problemas que há algum tempo preocupam consultorias e detentores de projetos. Flávio Pinheiro, gerente de desenvolvimento de novos projetos da Econergy, uma das líderes deste setor no país, diz que a somatória de problemas o afasta cada vez mais do Brasil.

“Já temos o risco de atrasos na aprovação dos projetos pelas autoridades brasileiras. Depois tivemos novos fatores de emissão para energia renovável (pendenga não resolvida com o governo e que diminui o retorno financeiro para os projetos do setor) e agora essa história de imposto”, diz. Segundo ele, “todos os países da América Latina são mais fáceis” do que o Brasil. Por isto, ele está de olho em outros mercados – México, Chile, Equador, Nicarágua, Costa Rica e Bolívia, onde já desenvolve projetos de carbono. Para Marco Antonio Fujihara, diretor da Sustain Capital, a tendência de migração de projetos para países onde não há tributação é possível. Mas este nem seria o aspecto mais importante, diz: o que está em jogo é o clima. “Como se pode tributar uma coisa que quer salvar o planeta? É um contra-senso com o Protocolo de Kyoto”, questiona. “Por que não tributar quem emite em vez de quem reduz as suas emissões? Desta forma, o Estado está onerando um problema global.”

Ratificado em 2005, o Protocolo de Kyoto é um mecanismo de combate ao aquecimento global que determina que países industrializados cortem as emissões de gases em 5% frente aos níveis de 1990. O Brasil se beneficia do protocolo com o MDL, pelo qual países ricos podem compram créditos de projetos limpos em países em desenvolvimento para ajudar a fechar a conta. Cada crédito equivale a uma tonelada de CO2 que se deixou de jogar na atmosfera.

Fonte: Valor Econômico

Data da Notícia: 10/04/2008 00:00:00

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