O Redirecionamento da Execução Fiscal: Possibilidade de Atribuição de Responsabilidade Tributária no Curso do Processo Judicial para Cobrança da Dívida Ativa

Ailson Santana Freire Filho

RESUMO:. O presente estudo está inserido num contexto de divergentes paradigmas jurisprudenciais e doutrinários acerca do cabimento do chamado redirecionamento da Execução Fiscal para terceiros, tendo por pressupostos a aplicação deste “instituto” do Direito Processual e Tributário. A análise em questão envolve, basicamente, os conceitos de execução, responsabilidade tributária, lançamento, devido processo legal e desconsideração da personalidade jurídica, investigando, dentre outros aspectos, o momento em que se dá a incidência das normas previstas nos art. 124 e 135 do CTN. Traz-se à baila a doutrina e a jurisprudência do STJ, cujos entendimentos divergentes justificam uma nova abordagem temática, donde se pretende chegar a uma conclusão satisfatória quanto ao tema proposto.

Palavras-chave: responsabilidade tributária; art. 124; art. 135; lançamento; procedimento administrativo; CDA; desconsideração da personalidade jurídica; execução fiscal.

ABSTRACT: This study was part of a context of divergent case law and doctrinal paradigms about the appropriateness of the “redirection of the Tax Enforcement to partner of Person Legal debtor of the tax authorities”, with the objective of ascertain the premises to application of this “institute” of the Tax Law. The analysis in question involves, basically, the concepts of execution, tax liability, launch, due process and disregard doctrine, investigating, among other themes, the impact of the rule laid down in art. 124 and 135 of CTN. Brings to the fore the doctrine and the Superior Court’s case law, whose divergent findings justify a new thematic approach, where it aims to reach a satisfactory conclusion on the proposed theme.

Keywords: tax liability; art. 124; art. 135; tax launch; administrative procedure; CDA; disregard doctrine, tax enforcement.

1. INTRODUÇÃO

Na atual conjuntura jurisprudencial, é bastante comum o redirecionamento de Execuções Fiscais em curso para sócios da empresa executada e/ou para outras pessoas jurídicas (a pretexto da existência de Grupo Econômico), com possível fundamento nos art. 124 e 135 do CTN.

As reiteradas decisões que firmaram o posicionamento acima partiram do pressuposto de que o tal “redirecionamento” teria natureza jurídica de aplicação de responsabilidade tributária e, por isso, foram importados os pressupostos legais ao emprego de responsabilidade para que se atinja o patrimônio daquele, cuja sujeição passiva não fora apurada no momento da constituição do crédito tributário.

Sobre o tema proposto, este trabalho almeja uma revisão do entendimento firmado pelos tribunais, tomando como ponto de partida os enunciados contidos no ordenamento jurídico brasileiro, interpretando-os a fim de investigar a procedência do que se chama de “redirecionamento” da execução fiscal.

O presente trabalho não tem o escopo de analisar os pressupostos à aplicação de responsabilidade tributária, mas avaliar qual o momento e modo oportunos para averiguação e atribuição de sujeição passiva tributária.

2. O LANÇAMENTO E A IMPORTÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL ADMINISTRATIVO PARA AFERIÇÃO DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA

2.1. O LANÇAMENTO COMO MEIO PARA APURAÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Nos termos do art. 142 do CTN, o lançamento tributário pode ser entendido como procedimento tendente à constituição do crédito tributário, a partir do qual a Autoridade Administrativa deverá “determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”.

Sendo assim, de acordo com o referido dispositivo legal, é no átimo do lançamento que deverá haver a atribuição de sujeição passiva pela autoridade competente. Nesse contexto, considerando que a responsabilidade é modalidade de sujeição passiva, as regras atinentes à responsabilidade devem ser aplicadas por ocasião do lançamento.

Não só o art. 142 do CTN nos permite concluir desse modo, como também o princípio do devido processo legal, afinal, ainda que na fase administrativa, é dever do Estado proporcionar aos seus administrados a chance de impugnarem o lançamento, participando do Processo Administrativo Fiscal, o que é corolário dos princípios da ampla defesa e contraditório.

Aplicar responsabilidade tributária tão somente na esfera jurídico-executiva é desvirtuar, por completo, os Sistemas Tributário, Administrativo e Processual vigentes, como adiante explorado.

A apuração de responsabilidade tributária pressupõe prévio procedimento administrativo, culminando em título executivo que irá delimitar a atividade jurisdicional executiva. Nesse sentido, destacamos o raciocínio desenvolvido por Paulo Pimenta[1]:

Assim, por força da aplicação deste princípio constitucional. Deve ser assegurado ao administrado a faculdade de se manifestar sobre a atribuição de responsabilidade no procedimento administrativo fiscal . Calha bem aqui a lição de Hugo de Brito Machado, quando afirma: “assim, qualquer pessoa que se veja na iminência de sofrer prejuízo em sua liberdade, ou em seu patrimônio, tem indiscutível direito de defender-se. E tal situação de iminência de prejuízo patrimonial configura-se, indiscutivelmente, com a inclusão do nome de alguém, na condição de responsável, em um titulo executivo extrajudicial qualquer”.

Diversos outros dispositivos do CTN também exigem a prática desse comportamento pelo Fisco. O art. 142 estabelece que o lançamento tributário é um procedimento que tende a “identificar o sujeito passivo”. A lei tributária não estabeleceu a espécie de sujeito passivo, referindo-se apenas ao gênero. Logo, alcança tanto a sujeição passiva direta quanto a indireta, donde se infere que tanto o contribuinte quanto o responsável deverão ser identificados pelo lançamento tributário.

O art. 201 do CTN conceitua dívida da seguinte forma: “constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular”. O contribuinte é identificado pela lei, de acordo com a conceituação estabelecida pelo art. 121, parágrafo único, I, do CTN. No entanto, o sujeito passivo não é indicado pela lei, à medida que esta apenas indica o pressuposto de fato que possibilita a atribuição da responsabilidade tributária a alguém. Sendo assim, tal pressuposto deverá ser apurado mediante processo administrativo, do qual resultará uma decisão fixando um prazo para o pagamento do tributo, como prevê o mencionado art. 201. No âmbito deste procedimento deverá ser assegurado ao suposto responsável o direito à ampla defesa. Portanto, a apuração da responsabilidade tributária deve anteceder à inscrição da dívida ativa.

Conclui-se que a legislação brasileira exige a apuração da responsabilidade tributaria em procedimento administrativo, antes da inscrição da dívida ativa do ente tributante.

Por fim, o art. 202, I, do CTN prevê que o termo de inscrição da dívida deverá indicar, obrigatoriamente, “o nome do devedor e, sendo o caso, o dos corresponsáveis”. Para que isso ocorra, é indispensável que o suposto corresponsável seja intimado da constituição do débito, antes de ser posto nessa condição pelo termo de inscrição da dívida, e posteriormente, pela CDA. Em outras palavras, a presença de um determinado sujeito com responsável na CDA pressupõe a prévia apuração do pressuposto de fato da responsabilidade e a certificação, por meio de ato administrativo, da sua responsabilidade. Sendo assim, o nome do responsável não pode ser acrescido apensas no ato de inscrição, sem que antes não lhe tenha sido assegurada a ampla defesa em procedimento administrativo (grifos nossos).

De igual modo, Leonardo Nunes Marques[2], segundo o qual:

Promover a inserção do sócio na certidão de dívida ativa sem prévio ato de imputação da responsabilidade e debate desta matéria em via administrativa representa não franquear ao contribuinte o direito de apresentar administrativamente as suas razões de inconformismo com a restrição de direito que lhe é imposta, o que viola flagrantemente o princípio da ampla defesa e do devido processo legal.

Para o ex Ministro Joaquim Barbosa[3]:

Os princípios do contraditório e da ampla defesa aplicam-se plenamente à constituição do crédito tributário em desfavor de qualquer espécie de sujeito passivo, irrelevante sua nomenclatura legal (contribuintes, responsáveis, substitutos, devedores solidários etc). Por outro lado, a decisão administrativa que atribui sujeição passiva por responsabilidade ou por substituição também deve ser adequadamente motivada e fundamentada, sem depender de presunções e ficções legais inadmissíveis no âmbito do Direito Público e do Direito Administrativo. Considera-se presunção inadmissível aquela que impõe ao sujeito passivo deveres probatórios ontologicamente impossíveis, irrazoáveis ou desproporcionais, bem como aquelas desprovidas de motivação idônea, isto é, que não revelem o esforço do aparato fiscal para identificar as circunstâncias legais que permitem a extensão da relação jurídica tributária.

A supressão da instância administrativa e a apuração de responsabilidade tão somente na fase executiva indica uma colisão frontal contra o Ordenamento Pátrio, desprovendo de certeza o título a ser executado, no caso da Execução Fiscal a CDA.

2.2. A CONFECÇÃO DA CDA COMO DESDOBRAMENTO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO INICIADO COM O LANÇAMENTO E A PRESUNÇÃO DE LIQUIDEZ E CERTEZA DO TÍTULO

A Execução Fiscal, regida pela Lei 6.830/80, com procedimento especial, consubstancia execução de título extrajudicial, consoante se infere do art. 784 do CPC, in verbis:

Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:

(…)

IX – a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;

Nesse contexto, vale lembrar que toda e qualquer execução tem o escopo de promover o cumprimento forçado de uma obrigação refletida num título executivo. No caso da execução fiscal, este título é a Certidão de Dívida Ativa (CDA) cujos requisitos estão dispostos no art. 202 do CTN e, especificamente, no art. 2º, §5º da lei 6.830/80.

Fica-se claro que o ente competente para a cobrança de determinado crédito (sujeito ativo) deverá lavrar a CDA de modo a identificar a obrigação correspondente, trazendo, ainda, todos os elementos da relação jurídico-obrigacional, quais sejam: sujeito passivo e objeto da prestação.

O título executivo deverá descrever, precisamente, a prestação exigida, indicando sua natureza, seu valor, a forma de calcular e sua origem, identificando, inclusive, o processo administrativo ou auto de infração do qual decorreu o crédito.

É que a CDA é um título executivo confeccionado exclusivamente pelo titular do crédito, sem a participação do devedor. Por isso, faz-se necessário que reflita, ao menos, que o sujeito passivo deu margem ao surgimento da obrigação espelhada no título, seja através da confissão do crédito (“auto lançamento”, no caso de tributos sujeitos ao lançamento por homologação), seja através de processo no qual o devedor tenha exercido o contraditório na via administrativa. Apenas assim, tem-se por “certa” a obrigação espelhada na CDA, perfazendo-se, assim, o reflexo da bilateralidade na formalização do título executivo.

Ocorre que o Fisco, muitas vezes, confecciona CDA diversa daquilo que foi o prévio procedimento administrativo, incluindo eventuais “corresponsáveis” ao qual não foi assegurado o direito ao devido processo legal administrativo, isto é, atribuindo sujeição passiva em momento posterior ao lançamento.

Sobre o tema, vejamos o que leciona Humberto Theodoro Junior[4]:

Sendo a execução fiscal regulada pela Lei 6.830 puro procedimento executivo, continua, a meu ver, inadmissível, em feito da espécie, pretender a Fazenda o acertamento de responsabilidade de terceiros ou coobrigados que não figuraram ni processo administrativo e contra quem não se formou o título executivo, que é a Certidão de Dívida Ativa.

(…)

Para que seja possível a execução fiscal contra alguém, não basta lei dizer que, além do devedor principal, também o responsável tributário pode ser executado; como não é suficiente dizer a lei cambiaria que a responsabilidade do avalista é igual à do avalizado, se, no caso concreto, não dispuser o credor do título onde se possa encontrar o aval formalmente lançado.

Com relação à corresponsabilidade de terceiros pelo credito tributário inscrito em nome de outrem, o que não se sabe, antes do regular processo administrativo de lançamento e inscrição do credito também contra o possível corresponsável, é justamente se o terceiro apontado é, ou não, um legitimo responsável tributário. É precisamente, portanto, sua qualidade de responsável tributário que está a reclamar acertamento antes do ingresso da Fazenda no juízo executivo, pois do contrário estar-se-ia admitindo execução forcada sem título executivo e, consequentemente, sem a certeza jurídica da obrigação que se intenta realiza, sob coação estatal de medidas executivas concretas, imediatas e definitivas.

Em que pese a indigitada conduta nos pareça violadora das garantias constitucionais, a CDA goza de presunção de liquidez e certeza, o que faz com que vigore, na pátria jurisprudência, entendimento segundo o qual o ônus de provar a ausência de responsabilidade é do executado, vide precedente firmado na análise do Tema 103 no Superior Tribunal de Justiça (STJ):

Se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, a ele incumbe o ônus da prova de que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do CTN, ou seja, não houve a prática de atos ‘com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos’.

Vejamos aplicação do indigitado precedente, pelo STJ[5]:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO SÓCIO. NOME DO EXECUTADO NA CDA. ILEGITIMIDADE PASSIVA ARGUIDA EM EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. INVIABILIDADE. 1. No que se refere à alegada afronta ao disposto no art. 535, inciso II, do CPC, o julgado recorrido não padece de omissão, porquanto decidiu fundamentadamente a quaestio trazida à sua análise, não podendo ser considerado nulo tão somente porque contrário aos interesses da parte. 2. O acórdão recorrido encontra-se em sintonia com a jurisprudência do STJ no sentido de que não é cabível Exceção de Pré-executividade em execução fiscal promovida contra sócio que figura como responsável na Certidão de Dívida Ativa – CDA. A presunção de legitimidade assegurada à CDA impõe ao executado que figura no título executivo o ônus de demonstrar a inexistência de sua responsabilidade tributária, demonstração essa que demanda dilação probatória, a qual deve ser promovida no âmbito dos Embargos à Execução. 3. Agravo Regimental não provido.

Diante do entendimento supra, percebe-se que, para o STJ, a lavratura unilateral do título executivo pelo credor (ainda que dissonante do processo administrativo originário do crédito) importa na transferência do ônus da prova no que concerne a aplicação de responsabilidade tributária. Isto é, a Administração Pública tem a prerrogativa de incluir no título o nome de terceiro estranho ao tributo e executá-lo, oportunidade na qual o sujeito passivo não terá direito de defesa pela via da Exceção de Pré-Executividade, devendo garantir o crédito executado para oposição dos Embargos à Execução.

Tal entendimento, com todo respeito, não nos parece adequado. É que a presunção de liquidez e certeza não pode se referir, indiscriminadamente, ao título. A nosso ver, a presunção de liquidez e certeza abrange apenas aquilo que o título confirmou, ou seja, abrange o procedimento pelo qual se constitui o crédito. Com efeito, todo e qualquer título espelha uma obrigação entre partes e, como tal, deve ter traços de bilateralidade. Sendo assim, tal presunção só pode operar efeitos em face daquele que participou do procedimento.

Nesse diapasão, trecho extraído do voto-vista da ex Ministra Eliana Calmon[6] no processo abaixo discriminado:

Observando-se o procedimento realizado para a confecção do titulo executivo, bem como o significado dos atributos da CDA, entendo que esta possui presunção de certeza e liquidez quanto ao débito e quanto à empresa devedora, a qual é responsável pelo pagamento dos tributos devidos ao fisco, mas não quanto aos responsáveis indicados no art. 135, III do CTN, por força do reconhecimento da responsabilidade subjetiva destes.

(…)

Considerando que a responsabilidade tributária nestes casos não é objetiva, mas sim subjetiva, tendo como causa determinante a efetiva comprovação da pratica de atos dolosos ou ao menos culposos dos sócios-gerentes ou administradores, a pretensa responsabilização mediante mera indicação de nomes no título executivo contraria frontalmente os ditames do art. 135 do CTN.

Parece ser impróprio, segundo os alicerces de um Estado Democrático de Direito (tal como concebido pela Constituição Brasileira), que o título executivo possa inovar em relação ao procedimento de constituição do crédito. A propósito, cumpre rememorar a preocupação externada pela então Ministra do STJ Eliana Calmon quando do julgamento do AgRg no Agravo de Instrumento n. 1.260.662.MG:

Vejo como necessária uma profunda reflexão sobre a presunção de exigibilidade, certeza e liquidez da CDA quanto aos gestores da sociedade de responsabilidade limitada. Afinal, se para se configurar a responsabilidade dos sócios exige-se a comprovação da prática de ato ilícito, ou da dissolução irregular da sociedade, qual o real significado e alcance da presunção de exigibilidade, liquidez e certeza da CDA?

A pergunta da ex ministra merece reflexão: se é exigida (do Fisco) a comprovação de prática de ato ilícito ou dissolução irregular da sociedade, não faria sentido que a CDA fosse lavrada para cobrança de tributo em face de “corresponsável” cuja constituição não tenha comprovado qualquer hipótese e responsabilidade.

Entendemos, portanto, que a presunção de liquidez e certeza da CDA apenas alcança a obrigação tributária constituída pelo lançamento, isto é, os sujeitos ativo, passivo e o objeto da prestação contidos no procedimento descrito no art. 142 do CTN, já acima reproduzido.

2.3. A EDIÇÃO DA PORTARIA 948/2017 PELA PGFN

Em 19 de setembro de 2017 foi publicada, no Diário Oficial da União, a Portaria n. 948, a qual “regulamenta, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), o Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade – PARR”.

A referida portaria prevê uma espécie de “processo administrativo”, através do qual será apurada e aplicada a responsabilidade tributária ainda na via administrativa, em momento prévio ao redirecionamento da execução fiscal, nos casos de dissolução irregular da pessoa jurídica devedora.

Num primeiro momento, parece-nos oportuna a edição da referida Portaria, afinal cria-se um processo através do qual será oportunizado ao pretenso responsável o direito de defesa em via administrativa.

Noutro giro, embora possa parecer algo positivo, o referido processo – instaurado no âmbito da PGFN – apenas se inicia após a inscrição em dívida ativa, sem garantia de duplo grau, sem julgamento por conselho paritário, sem inclusão em pauta de julgamento, sem preservar o direito de sustentação oral do contribuinte, etc.

Em síntese: o “processo” criado pela indigitada contraria, em essência, a própria Lei 9.784 e o Decreto 70.235, os quais regulamentam o processo administrativo em âmbito federal, além de colidir com o devido processo legal.

Ademais, a referida Portaria não trata de todas as possíveis hipóteses de “responsabilidade tributária”, limitando-se às hipóteses de dissolução irregular da sociedade.

Dessa forma, em que pese não seja objeto central do presente estudo, entendemos que a Portaria 948.2017 não supriu adequadamente a necessidade de apuração de responsabilidade tributária na via administrativa. Na prática, corroborando, desde já, o que se verá adiante, a edição da referida portaria parece ter o claro propósito de antecipar a discussão e/ou fugir da instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no art. 133 do CPC, no bojo da execução fiscal.

3. O PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL E SUA (IN)COMPATIBILIDADE COM O “REDIRECIONAMENTO”

3.1. A FINALIDADE DA EXECUÇÃO E A COGNIÇÃO DO JUÍZO

A execução é uma modalidade de ação, pela qual um credor socorre-se do Poder Judiciário em busca do cumprimento forçado de determinada obrigação, consubstanciada em um título executivo.

Na execução, a atividade jurisdicional cinge-se à utilização de meios constritivos e expropriatórios de satisfação do credor, balizados, é claro, por uma atuação – de ofício – em consonância com a Ordem Jurídica vigente.

É exatamente esse, por exemplo, o fundamento da súmula 393 do STJ que, em virtude da incompatibilidade existente entre a ampla cognição e o Processo Executivo, restringe o âmbito de cabimento da Exceção de Pré-Executividade às questões que não demandem dilação probatória. Nesse sentido, vejamos:

STJ Súmula nº 393 – 23/09/2009 – DJe 07/10/2009

A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória.

Entendemos que as regras válidas para o executado, também devem valer para o exequente, o qual – por sua vez – não poderá requerer dilação probatória para fins de apuração de responsabilidade tributária.

O equilíbrio entre as partes, decorrente da aplicação imediata do princípio da isonomia, impõe que haja tratamento igualitário aos litigantes. Admitir prerrogativas ao Fisco (cognição para aplicação de responsabilidade tributária), sem que, de igual modo, o executado possa valer-se de igual favor, distorce os valores tutelados pelo Direito Positivo.

Ademais, se a execução é norteada pela satisfação do crédito executado e encontra óbice intransponível nas questões que demandam dilação probatória, por qual motivo, a requerimento do credor, o Poder Judiciário poderia, – em típica decisão de processo “de conhecimento”, realizando cognição ampla (advinda de elemento desconexo à Execução), e, ao revés do título que a lastreia e impõe limite à atividade jurisdicional – redirecionar o feito?

Com o escopo de acalmar o inquietante debate, nada mais propício que as lições de Freddie Didier Jr.[7]:

É lição velha a de que, no cumprimento da tarefa executiva, a cognição judicial, se existir, é mínima, “rarefeita”, em famosa adjetivação de Kazuo Watanabe.

(…)

Se se pretende a execução, a cognição judicial não deve abarcar, ao menos inicialmente, questões que digam respeito à formação do título, mas, necessariamente, envolverá as questões que dizem respeito à efetivação da obrigação, ou seja, os pressupostos de admissibilidade e a sobrevivência da obrigação executada. (grifos nossos)

Vejamos, nesse sentido, o magistério de Humberto Theodoro Junior[8], segundo o qual:

“atua o Estado, na Execução, como substituto, promovendo uma atividade que competia ao devedor exercer: a satisfação da prestação a que tem direito o credor (…). Enquanto no processo de conhecimento, o juiz examina a lide para descobrir e formular a regra jurídica concreta que deve regular o caso, no processo de execução providencia as operações práticas necessárias para efetivar o conteúdo daquela regra (…). Não há, nessa ordem de ideias, decisão de mérito na ação de execução. A atividade do juiz é prevalentemente prática e material (…). No processo de conhecimento o juiz julga (decide), no processo de execução, o juiz realiza (executa).”

Observe-se, outrossim, que a atuação do juízo encontra limites no pedido proposto na petição inicial, não podendo o demandante inovar na causa após ter delimitado o âmbito dentro do qual se dará a tutela jurisdicional.

3.2. A (IN)COMPATIBILIDADE ENTRE A EXECUÇÃO E A APURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA

A imputação de responsabilidade tributária, com base no art. 135 do CTN, pressupõe a análise de dolo ou culpa, o que, por sua vez, demanda dilação probatória própria do processo de conhecimento. Noutro giro, a “solidariedade” prevista no art. 124 do CTN exige comprovação de prática conjunta (ou interesse comum) na situação que ensejou a ocorrência do fato gerador, devendo haver reexame fático-probatório para fins de se apurar a existência de eventual “Grupo Econômico”.

Apesar de representar verdadeira inovação de cunho cognitivo amplo, a jurisprudência majoritária, como será demonstrado adiante, vem admitindo responsabilização dentro do processo de execução fiscal.

Noutro giro, a petição inicial traça os limites dentro dos quais o autor busca a manifestação jurisdicional, de acordo com o princípio da congruência ou adstrição. É essa a inteligência dos artigos 141 e 492 do CPC, que preveem a correlação entre o objeto demandado e o julgamento da lide. Vejamos:

Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte.

Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.

Os limites de atuação do Juízo são traçados no átimo do ajuizamento da Execução, havendo, inclusive, a possibilidade de aditamento à inicial até a citação do devedor. A partir daí a prestação jurisdicional dentro da ação executiva não comportará decisões de cunho cognitivo.

Por outro lado, em sentido oposto ao quantum aduzido neste tópico, o STJ[9] possui entendimento segundo o qual o momento propício para aferição de eventual responsabilidade tributária é o momento do redirecionamento da execução fiscal. Vejamos:

TRIBUTÁRIO – AÇÃO DECLARATÓRIA – RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE – INCLUSÃO DO NOME NA CDA – LEGALIDADE – PODERES DE GESTÃO – AUSÊNCIA DE PROVA DO REDIRECIONAMENTO – ARTS. 134 E 135 DO CTN – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. 1. Versam os autos sobre ação declaratória de inexistência de relação jurídica, na qual se discute a possibilidade de exclusão do nome do sócio-gerente da Certidão de Dívida Ativa, quando ainda não configurado o redirecionamento da execução fiscal. 2. Nos termos do art. 134 do Código Tributário Nacional, nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal, respondem solidariamente os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas, nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis. 3. Nada obsta a indicação do nome do sócio-gerente como solidário na Certidão de Dívida Ativa, tendo em vista que, in casu, a dívida fiscal foi constituída no período em que este possuía instrumento regular de procuração, fato incontroverso nos autos. 4. Precipitada é a exclusão do nome do sócio-gerente constante da CDA, por meio de ação declaratória, quando ainda não se configurou o redirecionamento da execução fiscal, por ser este o momento adequado para a comprovação e aferição dos requisitos legais para a inclusão no polo passivo do feito executivo, em respeito ao artigo 135 do CTN. Agravo regimental improvido

Como visto, nos parece imprópria a apuração de conduta subjetiva do agente (sócio-gerente da pessoa jurídica executada) dentro do contexto da Execução Fiscal, contudo, ultrapassado este ponto, veremos adiante como deve se dar a atribuição de sujeição passiva àqueles que se utilizaram de meios fraudulentos para frustrar a satisfação dos créditos fiscais.

Desde já, asseveramos que o presente estudo não tem o escopo de se debruçar sobre os pressupostos à aplicação de responsabilidade tributária e/ou à configuração de grupo econômico, mas visa discutir – apenas e tão somente – o momento processual oportuno para atribuição de sujeição passiva processual.

4. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Os tópicos acima indicam que o entendimento perfilhado neste trabalho é contrário à atribuição de responsabilidade tributária em sede de execução fiscal, afinal isso demandaria exame fático-probatório, incompatível com a cognição exercida pelo Juízo da execução, além de violar a garantia ao processo administrativo fiscal inaugurado pelo lançamento.

Não obstante, há outra ferramenta processual à disposição do credor para sujeição passiva processual no âmbito da execução. É que o art. 133 e seguintes do CPC trata da instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, a partir do qual poderá ser atribuída sujeição passiva a terceiro, desconsiderando autonomia patrimonial da parte executada e atingindo terceiros que possuam vínculos societários.

Vejamos o que preconizam os referidos dispositivos legais, in verbis:

Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.

§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.

§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.

§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.

§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.

§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.

§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.

Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.

Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.

Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

No incidente previsto no dispositivo legal supra, há garantia do exercício do contraditório e ampla defesa, afinal o “redirecionamento” não é realizado diretamente no bojo da execução, mas cria-se um incidente próprio que comportará dilação probatória e no qual será proferida uma decisão após exercício de cognição compatível com o pleito do exequente, vide art. 135 supracitado.

Desde já, cumpre-nos observar que não se trata de atribuição de responsabilidade tributária, mas de pretensão do credor de ver garantido o objeto da obrigação executada por terceiros.

Com efeito, o instituto da “desconsideração da personalidade jurídica” serve ao fim de buscar satisfação da obrigação por terceiros que “abusaram” da autonomia patrimonial da parte executada em seu benefício próprio, utilizando-se da estrutura societária com o propósito de blindagem e frustração de seus credores.

Referido instituto encontra previsão legal no art. 50 do Código Civil, in verbis:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

§ 1º Para fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;

II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto o de valor proporcionalmente insignificante; e

III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

§ 3º O disposto no caput e nos § 1º e § 2º também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.

§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.

Pelo fato do referido o instituto encontrar-se positivado no Código Civil, muito se discute se teria aplicabilidade às Execuções Fiscais, principalmente em matéria tributária.

Entretanto, não vemos qualquer motivo que impeça a aplicação do instituto às execuções fiscais, afinal nos parece tratar-se de garantia do exequente enquanto parte processual, e não de uma garantia do credor em âmbito cível.

Aliás, seria um contrassenso dar uma prerrogativa aos credores cíveis em detrimento dos credores fiscais, os quais são titulares de créditos públicos e, por isto, possuem a prerrogativa de agir em nome do interesse público.

Não é demais relembrar que a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica e a utilização do respectivo incidente processual trazem benefícios não só ao credor, mas também ao devedor, o qual passará a contar com a garantia de seu direito de defesa antes de sua inclusão no polo passivo de uma execução.

Nesse sentido, não é preciso discutir aplicação de responsabilidade tributária, nem a possibilidade de sua aplicação em âmbito executivo (o que nos parece impróprio), mas apenas proteger o credor fiscal da utilização abusiva da personalidade jurídica com intuito de frustrar a satisfação de seus créditos.

Além de inequívoco benefício às partes envolvidas, há considerável ganho do ponto de vista da economia processual, afinal simplifica-se o árduo trabalho do intérprete de amoldar uma clara situação de abuso da personalidade jurídica à previsão legal de responsabilidade tributária.

A título exemplificativo, cita-se o art. 135 do CTN, o qual atribui responsabilidade tributária por “créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”.

A utilização desse instituto, a nosso ver, não permite responsabilização daqueles que frustram a satisfação de créditos executados, mas apenas a responsabilização daqueles cujos ilícitos perpetrados ensejaram o surgimento de obrigação tributária, hipótese bastante restrita. Veja-se que essa responsabilização é apurada no momento do lançamento tributário, não se tratando de uma garantia do credor contra “blindagem patrimonial fraudulenta”.

Isto é, ao invés de tentar forçar uma interpretação equivocada da legislação tributária, a utilização do instituto da desconsideração da personalidade jurídica simplifica o “redirecionamento” da execução, facilitando a satisfação do crédito tributário e garantindo à parte o exercício de seu direito de defesa.

De igual forma, ocorre com a chamada responsabilização dos “grupos econômicos”, cuja análise e aplicação demanda amplo trabalho investigativo, além de uma subsunção à norma do art. 124 do CTN por parte do intérprete (cuja aplicação deve ocorrer, repita-se, no momento do lançamento).

Ao invés de se tentar investigar fatores relativos ao interesse comum ou à “prática conjunta do fato gerador”, basta uma análise acerca da finalidade empresarial das pessoas jurídicas que compõem eventual grupo. Caso haja utilização de “empresas de fachada” ou qualquer outro mecanismo de blindagem para frustração do exequente, aplica-se a desconsideração e instaura-se o respectivo incidente.

Já há, inclusive, uma corrente jurisprudencial que defende a instauração do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) em sede de execuções fiscais. Nesse sentido, citamos precedente[10] que trilhou o seguinte entendimento:

É que o reconhecimento de grupo econômico de fato, importa, na realidade, em ampliação da sujeição passiva da execução, e tal é cabível apenas quando, com base no art. 124 do CTN, procede-se à responsabilização de outros pela dívida do executado por ter havido interesse comum no fato gerador do tributo. Sob essa ótica, é imprescindível que a exequente aluda especificamente a esse fato, é dizer, à necessidade de ampliação da sujeição passiva da execução de modo a alcançar as demais sociedades empresárias que tiveram interesse comum na formação do fato gerador do tributo. No entanto, assim não sói acontecer. A Fazenda exequente costuma aludir, como no caso presente, para demonstrar o grupo econômico, não à existência de tributo específico em face do qual houve interesse das empresas no fato gerador, mas apenas a razões outras, como o funcionamento das empresas no mesmo endereço, parcial ou total coincidência de sócios gerentes, exploração de mesmo fundo de comércio etc, temas esses que devem ensejar, em verdade, não um pedido de redirecionamento da execução a outras empresas, mas, sim, de desconsideração da personalidade jurídica da executada originária, a exigir, a propósito, a instauração do respectivo incidente (art. 133 do CPC), afinal seu fundamento reside na alegação do desvio de função da sociedade, a estear a possível aplicação da chamada “disregard doctrine”. E nada disso sucedeu no caso de que se cuida.

Em que pese nos pareça clara a possibilidade de instauração do IDPJ em execução fiscal, a 2ª Turma do STJ possui precedentes que tratam da incompatibilidade entre o regime geral do CPC e o regime especial da Lei de Execuções Fiscais. Nesse sentido:

REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO DE EMPRESAS. GRUPO ECONÔMICO DE FATO. CONFUSÃO PATRIMONIAL. INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022, DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA. I – Impõe-se o afastamento de alegada violação do art. 1.022 do CPC/2015, quando a questão apontada como omitida pelo recorrente foi examinada no acórdão recorrido, caracterizando o intuito revisional dos embargos de declaração. II – Na origem, foi interposto agravo de instrumento contra decisão, em via de execução fiscal, em que foram reconhecidos fortes indícios de formação de grupo econômico, constituído por pessoas físicas e jurídicas, e sucessão tributária ocorrida em relação ao Jornal do Brasil S.A. e demais empresas do “Grupo JB”, determinando, assim, o redirecionamento do feito executivo. III – Verificada, com base no conteúdo probatório dos autos, a existência de grupo econômico de fato com confusão patrimonial, apresenta-se inviável o reexame de tais elementos no âmbito do recurso especial, atraindo o óbice da Súmula n. 7/STJ. IV – A previsão constante no art. 134, caput, do CPC/2015, sobre o cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, na execução fundada em título executivo extrajudicial, não implica a ocorrência do incidente na execução fiscal regida pela Lei n. 6.830/1980, verificando-se verdadeira incompatibilidade entre o regime geral do Código de Processo Civil e a Lei de Execuções que, diversamente da lei geral, não comporta a apresentação de defesa sem prévia garantia do juízo, nem a automática suspensão do processo, conforme a previsão do art. 134, § 3º, do CPC/2015. Na execução fiscal “a aplicação do CPC é subsidiária, ou seja, fica reservada para as situações em que as referidas leis são silentes e no que com elas compatível” (REsp n. 1.431.155/PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, Dje 2/6/2014). V – Evidenciadas as situações previstas nos arts. 124 e 133, do CTN, não se apresenta impositiva a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, podendo o julgador determinar diretamente o redirecionamento da execução fiscal para responsabilizar a sociedade na sucessão empresarial. Seria contraditório afastar a instauração do incidente para atingir os sócios-administradores (art. 135, III, do CTN), mas exigi-la para mirar pessoas jurídicas que constituem grupos econômicos para blindar o patrimônio em comum, sendo que nas duas hipóteses há responsabilidade por atuação irregular, em descumprimento das obrigações tributárias, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica, mas sim de imputação de responsabilidade tributária pessoal e direta pelo ilícito. Precedente: REsp n. 1.786.311/PR, Rel. Ministro Francisco Falcão, DJe 14/5/2019. VI – Agravo conhecido para conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negar provimento[11].

Entretanto, há divergência na própria Seção de Direito Público do STJ, afinal para a Primeira Turma

“o redirecionamento de execução fiscal à pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas que não foi identificada no ato de lançamento (nome na CDA) ou que não se enquadra nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN, depende da comprovação do abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tal como consta do art. 50 do Código Civil, daí por que, nesse caso, é necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora”.

Ainda assim, entretanto, entendemos que os precedentes da 1º Turma deixa margem para atribuição de responsabilidade tributária no bojo de execução fiscal sem que seja instaurado o incidente, excepcionando sua aplicação nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN, bem como na hipótese em que o nome do pretenso responsável conste na CDA.

Portanto, a partir do que vimos até aqui, temos que impossível a atribuição de responsabilidade tributária no bojo dos executivos fiscais, sendo possível, no entanto, a utilização da desconsideração da personalidade jurídica para coibir eventuais abusos de personalidade, desde que instaurado o respectivo incidente.

5. CONCLUSÃO

A partir da revisão do Direito Positivo e da doutrina no que concerne ao tema “Redirecionamento da Execução Fiscal e Responsabilidade Tributária”, o presente estudo nos conduz a uma conclusão razoável: A execução fiscal não é o “meio” nem o “momento” adequado para apuração de responsabilidade.

Como visto, a apuração de responsabilidade tributária exige o preenchimento de critérios de ordem subjetiva e, como sanção que é (no que tange ao art. 135 do CTN), não pode ser aplicada antes do devido processo legal.

Desse modo, a Fazenda Pública deve proporcionar o contraditório e ampla defesa na seara administrativa antes mesmo da lavratura do título a ser executado, com o qual irá executar o devedor. Só assim, o título gozará da presunção de liquidez e certeza quanto aos sujeitos passivos responsáveis.

Ademais, a ação executiva, por sua própria natureza, não comportaria tamanho grau de dilação probatória, a fim de obter uma decisão de conhecimento para aplicação da responsabilidade enquanto sanção.

Noutro giro, entendemos ser possível a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica nas execuções fiscais, desde que instaurado o respectivo incidente, o que apenas traz benefícios às partes envolvidas e à atuação do intérprete, ficando preservado o mecanismo para satisfação do crédito, garantido o direito de defesa do pretenso executado e simplificando a análise quanto aos pressupostos de seu cabimento.

Portanto, a partir da revisão aqui empreendida, concluímos pela distinção entre o que se convém chamar de redirecionamento e a responsabilidade tributária, motivo pelo qual ousamos discordar do raciocínio construído por parte da doutrina e em reiteradas decisões do STJ a respeito do tema, sendo cabível no nosso entendimento o “redirecionamento” desde que respeitada a instauração do IDPJ.

REFERÊNCIAS

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BECHO, Renato Lopes. Responsabilidade Tributária de Terceiros – O Art. 135 do CTN. Revista Dialética de Direito Tributário n. 197. São Paulo: Dialética, 2012.

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[1] PIMENTA, Paulo. Da necessidade de apuração da responsabilidade tributária no âmbito do processo administrativo fiscal. Revista Dialética de Direito Tributário n. 211. São Paulo: Dialética, 2012, p. 147 – grifos nossos;

[2] MARQUES, Leonardo Nunes. A responsabilidade tributária do sócio e a inscrição em dívida ativa: requisitos e procedimento. Revista Dialética de Direito Tributário n. 179. São Paulo: Dialética, 2010, p. 102-118.

[3] STF – RE: 548582 MA , Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 01/12/2011, Data de Publicação: DJe-234 DIVULG 09/12/2011 PUBLIC 12/12/2011.

[4] THEODORO JUNIOR, Humberto. Lei de Execução Fiscal. 10ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 38-39.

[5] STJ – AgRg no AREsp: 474717 MG 2014/0029947-8, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 22/04/2014, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/06/2014) (grifos nossos)

[6] STJ – AgRg no Agravo de Instrumento n. 1.260.662/MG, Min. Rel. Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 4.10.2011, DJe de 24.10.2011

[7] DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Volume V. 2ª edição. Salvador: JusPodivm, 2010, p. 41;

[8] THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 44ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

[9] STJ – AgRg no AgRg no REsp: 1090434 MG 2008/0196215-4, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 12/05/2009, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/05/2009 – grifos nossos)

[10] TRF5, 2ª Turma, Relatoria do Des. PAULO ROBERTO LIMA, Processo 0801133-38.2018.4.05.0000, 11/12/2018.

[11] STJ – AREsp: 1455240 RJ 2019/0050801-7, Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO, Data de Julgamento: 15/08/2019, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/08/2019.

Ailson Santana Freire Filho

Advogado. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Pós-Graduando (LL.M em Direito Tributário) pelo INSPER.

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