Breves considerações sobre as alterações na legislação complementar do ISS promovidas pela Lei Complementar n. 157/2016
German Alejandro San Martín Fernández
Introdução
A Lei Complementar n. 157 (D.O.U. de 30 de dezembro de 2016), promoveu importantes alterações na legislação do ISS – Imposto Municipal sobre Serviços, com reflexos para todos os municípios e resultado de trâmite legislativo do PLS 386/2012, de iniciativa do Senado e autoria do Senador Romero Jucá, posteriormente apensando ao PLP 366/2013.
A versão aprovada[1] é um substitutivo (texto alternativo) da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado (PLS) 386/2012 e relatado pelo Senador Cidinho Santos.
Dentre as principais alterações, se encontram a ampliação do rol de serviços tributados no local da prestação dos serviços (artigo 3º) e a fixação da alíquota mínima de 2%.
Para descontentamento da grande maioria dos municípios, o Presidente da República vetou os dispositivos que estabeleciam a cobrança do tributo no local onde fossem realizadas as transações com cartão de crédito ou débito, bem como operações de factoring, leasing e planos de saúde[2]. Segundo Temer, a mudança traria “uma potencial perda de eficiência e de arrecadação tributária, além de redundar em aumento de custos para empresas do setor, que seriam repassados ao custo final”.
O veto aguarda análise do legislativo.
1. Alíquota mínima de 2% (dois por cento)
A fixação da alíquota mínima do imposto de 2% (art. 8º-A) tem por finalidade evitar (ou ao menos mitigar) a chamada “guerra fiscal” entre municípios, em que pese essa previsão já constar expressamente na redação dada ao artigo 88, do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) pela Emenda Constitucional n. 37/2002[3].
Em repetição ao disposto no inciso II, do artigo 88, do ADCT, o § 1º do artigo 8º-A, veda a concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários ou financeiros, inclusive redução de base de cálculo ou crédito presumido ou outorgado ou qualquer outro método de desoneração que resulte, direta ou indiretamente, em carga tributária menor do que 2%. A inovação é a criação de exceção à regra para os serviços relacionados nos subitens 7.02, 7.05 e 16.01 da lista anexa à Lei Complementar 116[4].
Pelo dispositivo, os municípios poderão conceder isenções e incentivos, mediante aplicação de alíquota menor que 2%, aos setores de construção civil, áreas correlatas (hidráulica, elétrica, serviços de perfuração de poços, escavação, drenagem, irrigação, terraplanagem e pavimentação), e ao transporte municipal coletivo, seja rodoviário, ferroviário, metroviário ou aquaviário. A justificativa para a exceção se encontra no fato de se tratarem de serviços tributados no local da prestação, sem efeitos concretos na guerra fiscal travada entre os municípios para atrair recursos.
2. Alteração na lei de improbidade administrativa
Dentre as medidas adotadas pelo legislador nacional para minimizar os efeitos da “guerra fiscal” municipal, a LC 157/2016 alterou a Lei nº 8.429/92 (lei de improbidade administrativa), de modo a incluir no rol de sujeitos ativos possíveis do crime de improbidade, o administrador público que conceder, aplicar ou manter benefício em contrariedade ao que estabelece o art. 8º-A, caput e § 1º, da LC n. 116 (com as alterações promovidas pela LC 157[5]). Se condenado, o administrador público se sujeita às seguintes penalidades: a) perda da função pública; b) suspensão dos direitos políticos de 5 a 8 anos, e; c) multa de até 3 vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedido.
Ainda que relevante, a previsão de sanções para agentes públicos responsáveis pela concessão indiscriminada de benefícios e incentivos de toda ordem, já encontrava suporte na Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 4º[6] e 30, inciso III, da LC n. 101/2000), cujas disposições já submetiam os agentes, dentre outras, às penas previstas na Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992.
3. Ampliação do rol de serviços tributáveis (streaming ou “serviços” OTT – over-the-top e cloud service)
Além dessas alterações, a LC 157 ampliou consideravelmente o rol de serviços tributáveis pelo ISS.
As alterações mais relevantes (e polêmicas) se encontram na ampliação do rol de “serviços digitais” tributáveis. São eles: a) armazenamento ou hospedagem de dados, textos, imagens, vídeos, páginas eletrônicas, aplicativos e sistemas de informação (ampliação do item 1.3); b) elaboração de programas de computadores, inclusive de jogos eletrônicos, independentemente da arquitetura construtiva da máquina em que o programa será executado, incluindo tablets, smartphones e congêneres. (ampliação do item 1.04), e; c) disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdo de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet (criação do item 1.9).
Em decorrência dessas alterações, “serviços” de “nuvem” (cloud service) e streaming (e.g. Netflix, Apple Music, I Tunes e Spotify) a partir da publicação da Lei, podem ser tributados pelos municípios (e DF).
A alteração legislativa com a finalidade de tributar o streaming[7] é resultado de uma série de fatores. Entre os principais, o aumento significativo do mercado no Brasil, queda de assinantes das prestadoras de serviços de TV por assinatura[8] (e do tratamento tributário dado a estas, submetidas atualmente à tributação do ICMS/Comunicação e da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional – CONDECINE) e da grave crise fiscal pela qual atravessam (também) os municípios.
A ANATEL, o Ministério das Comunicações e manifestações da ABTA (Associação Brasileira de TV por assinatura) amplamente veiculadas pela imprensa, demonstram o desconforto do setor com o crescimento do streaming no Brasil e da falta de regulação e distinção na tributação entre os setores[9].
Ainda que seja inevitável o avanço da tributação sobre novas tecnologias, em análise preliminar, a “disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdo de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet”, não encontra os elementos necessários a caracterizar prestação de serviços tributável pelos municípios, pelo menos de acordo com o que vem sendo decidido há décadas pelo Supremo Tribunal Federal[10].
Isso porque “prestação de serviços” tributável pelo ISS implica necessariamente um “fazer”[11]. A mera liberação de sinal online (via internet) transmitindo dados em tempo real, em nada se assemelha à obrigação de fazer, intrínseca à prestação de serviços tributáveis pelos municípios.[12]
Não se despreza a existência de uma gama de serviços acessórios prestados pelas empresas de streaming que permitem aos assinantes/usuários acesso ao conteúdo. O que é inequívoco é o elemento nuclear da relação travada entre as partes, cujo objeto é apenas o da cessão onerosa (e não definitiva) de conteúdo, sem qualquer contraprestação efetiva a caracterizar um “fazer”[13].
E mais. A mera “disponibilização de conteúdo” representa nada mais do que nova modalidade de locação “virtual”, não submetida à tributação do ISS, em virtude da ausência de previsão na LC 116/2003 e face ao disposto na Súmula Vinculante n. 31, do STF[14]. Ademais, causa estranheza que o resultado obtido com a “prestação de serviços de disponibilização de conteúdo de áudio ou vídeo”, se obtido mediante streaming, seja submetido ao ISS, ao passo que se o resultado se der mediante acesso via TV por assinatura[15], se encontre submetido ao ICMS, em evidente tratamento desigual a contribuintes que se encontram em situação equivalente, de modo a afrontar a isonomia tributária enunciada pelo artigo 150, II da Constituição Federal[16].
Cumpre lembrar que a ideia para a criação da Netflix, empresa de streaming atualmente com mais de 80 milhões de assinantes espalhados pelo mundo, surgiu na década de 90, em virtude de multa cobrada pelo atraso na devolução de DVD[17], do empreendedor americano Reed Hastings. Após o pagamento a contragosto da multa de U$ 40,00, Hastings começou a entregar filmes pelo correio e em seguida a disponibilizá-los via internet. Isso demonstra que o streaming nada mais é do que a evolução tecnológica da antiga locação de fitas e DVDs. A diferença é a ausência da posse (e da respectiva transferência do domínio), substituída pelo uso da coisa em ambiente virtual. No final das contas, o resultado obtido é o mesmo e como não poderia deixar de ser, o tratamento tributário, também não poderia ser diferente.
Outro ponto polêmico diz respeito ao município competente para tributar os “serviços” de streaming. O local onde se encontra o estabelecimento prestador é a regra atual prevista na legislação nacional do imposto[18]. Entretanto, não raras vezes o estabelecimento responsável por disponibilizar o streaming se encontra localizado fora do Brasil. Nesse caso o assinante/usuário seria importador do serviço?
Outra saída seria determinar o domicílio dos usuários como elemento de conexão válido (destino) para determinar qual o município competente para tributar o ISS (inclusive se caracterizada a importação). Entretanto, vale lembrar que o resultado da disponibilização de dados se dá mediante acesso por senha pessoal e aplicativo. Vale dizer, o contratante de streaming vê o filme ou ouve sua música preferida onde e quando quiser sem qualquer delimitação temporal ou territorial objetiva, bem como o responsável pela disponibilização não necessita de estabelecimento no sentido dado à expressão pelo artigo 1.142 do Código Civil[19] e artigo 4º da LC n. 116/2003[20]. Logo, como distribuir de forma justa, sem previsão expressa na lei complementar[21], entre os desiguais 5.570 municípios brasileiros, a receita gerada pelas empresas de streaming?
Isso sem falar que o streaming serve de plataforma para a prestação de diversos serviços, inconfudíveis com a mera disponibilização de conteúdo. Exemplo disso são as empresas que se utilizam do streaming para oferecer, e.g. EAD (ensino não presencial), submetidos a regimes de tributação e alíquotas distintas.
Já imagino em futuro não muito distante a exigência por vários municípios de inscrições e cadastros municipais adicionais ou até mesmo de ofício, de empresas de streaming que tenham contratantes domiciliados nos limites do município, ainda que estes acessem o conteúdo em qualquer lugar do Brasil ou do mundo. Ou pior. A criação de uma série de novas obrigações acessórias que permitam aos municípios identificar o domicílio dos contratantes e a localização física dos acessos, cujo resultado será o de inviabilizar o ingresso de novas empresas no mercado em decorrência dos exagerados custos de conformidade já existentes. E lá vai o Brasil novamente para o fim da fila na criação de um ambiente saudável de negócios que permita o acesso de novos empreendedores e o incremento da livre concorrência.
Justamente pelo ISS se tratar de imposto criado pela Emenda Constitucional n. 18/65, em reforma realizada em época na qual a era digital era apenas tema de filmes de ficção científica, a tentativa desesperada de tributar novas tecnologias fundada em arcabouço normativo arcaico e apegado a institutos jurídicos que remontam à Roma antiga, busca caracterizar como serviço novas utilidades cujo perfil não suporta o clássico modelo de tributação sobre o consumo que o Brasil adota com algumas alterações a quase 5 décadas.
Enquanto o legislador não se conscientizar da necessidade de reforma profunda no sistema de tributação sobre o consumo hoje existente no Brasil, a divisão entre tributação de bens móveis objeto de mercancia e prestações materiais ou imateriais entre os entes federados, terá por único resultado a dificuldade na adoção de novas tecnologias na criação de modelos de negócios inovadores, dadas as incertezas que recaem sobre a tributação.
É imprescindível a criação de tributo sobre o valor adicionado, cuja grandeza econômica atingida não se relacione com o objeto físico gerador de riqueza (se corpóreo ou incorpóreo), do meio de circulação deste ou do local da “operação” ou “prestação”. Qualquer tentativa de tributação de novas tecnologias baseada na concepção arcaica de bem, mercadoria ou serviço resultará em incerteza e insegurança.
De igual modo, e em idêntico raciocínio, o “armazenamento ou hospedagem de dados, textos, imagens, vídeos, páginas eletrônicas, aplicativos e sistemas de informação”, conhecidos como “datacenters” ou “armazenamento em nuvem” (cloud service), em nada se identifica com a “prestação de serviços” submetida à tributação do ISS (obrigação de fazer), cujas características e elementos devem, por imposição do artigo 110 do Código Tributário Nacional[22], encontrar fundamento do Direito Privado[23]. Isto porque nenhum serviço é prestado. Apenas há cessão de espaço (virtual) para armazenamento de dados, sem qualquer prestação material ou imaterial que caracterize a prestação de serviço nos moldes da legislação civil[24].
Além da ampliação do rol de “serviços digitais”, de constitucionalidade duvidosa, conforme visto, outros serviços foram incluídos na lista, a saber, por item: 14.14 – Guincho intramunicipal, guindaste e içamento; 6.06 – Aplicação de tatuagens, piercings e congêneres; 17.25 – Inserção de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade, em qualquer meio (exceto em livros, jornais, periódicos e nas modalidades de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita); 25.02 – Translado intramunicipal e cremação de corpos e partes de corpos cadavéricos; 25.05 – Cessão de uso de espaços em cemitérios para sepultamento, além da ampliação do conteúdo de alguns itens já existentes (1.03, 11.02, e 16.01).
4. Início de vigência das alterações
As alterações promovidas pela LC n. 157 relativas à ampliação do rol de serviços tributáveis dependem da legislação municipal de cada município para que possam surtir efeitos. Isso quer dizer que as mudanças na legislação municipal com vistas a alcançar os novos serviços tributáveis, se realizadas no ano de 2.017, somente surtirão efeitos a partir de janeiro de 2.018, respeitada a noventena.
Quanto à revogação dos incentivos e benefícios fiscais e financeiros responsáveis pela fixação de alíquotas inferiores a 2%, os municípios têm o prazo de um ano a contar da publicação da Lei para adaptar a sua legislação[25]. O mesmo ocorre em relação à aplicação das penalidades pelo seu descumprimento.
Eram essas, por ora, as considerações sobre o tema.
[1] SCD 15/2015.
[2] Incisos XXIII, XXIV e XXV do artigo 3º da LC n. 116, introduzidos pela LC 157.
[3] Art. 88. Enquanto lei complementar não disciplinar o disposto nos incisos I e III do § 3º do art. 156 da Constituição Federal, o imposto a que se refere o inciso III do caput do mesmo artigo: (Incluído pela EC 37/2002)
I – Terá alíquota mínima de dois por cento, exceto para os serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968; (Incluído pela EC 37/2002)
II – Não será objeto de concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, que resulte, direta ou indiretamente, na redução da alíquota mínima estabelecida no inciso I. (Incluído pela EC 37/2002)
[4] 7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
7.05 – Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
16.01 – Serviços de transporte coletivo municipal rodoviário, metroviário, ferroviário e aquaviário de passageiros.
[5]Art. 10-A. Constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação ou omissão para conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário contrário ao que dispõem o caput e o § 1º do art. 8º-A da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.
[6] Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:
I – Demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;
II – Estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
§ 1o A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.
§ 2o Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.
[7] Também chamados de serviços over the top (serviços OTT), assim entendidas as atividades de transmissão de conteúdo audiovisual, mensagens e voz por meio de plataformas IP, sem controle dos distribuidores tradicionais desse conteúdo (como as empresas de radiodifusão, operadores de TV por assinatura e empresas de telefonia).
[8] 11,5% dos assinantes do Netflix cancelaram o serviço das operadoras de TV a cabo que por sua vez perderam 8000 mil assinantes em 2013.
[9] O ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Gilberto Kassab, afirmou que a pasta vai preparar uma proposta para regular a atuação das empresas com novos serviços de áudio, vídeo e comunicação pela internet – chamadas de “over the top”, ou OTTs, conforme jargão do setor. A proposta pode ser apresentada ainda neste ano e será tratada de forma específica, isto é, fora do âmbito da Lei Geral de Telecomunicações, segundo o ministro.
“Vejo como uma necessidade a regulamentação e a tributação dos OTTs para criar condições de igualdade”, disse Kassab. “Não é justo que empresas que criam empregos no Brasil e oferecem serviços de qualidade não tenham a mesma condição de igualdade. Eu não quero criminalizar ou dizer que sou contra qualquer outra forma de comunicação. Mas, como ministro, acho que deve ser feita uma discussão profunda para se tomar decisões no governo”, disse ontem a jornalistas durante visita ao congresso realizado pela Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA).
Conforme sinalização de Kassab, a proposta pode abranger desde a redução de obrigações regulatórias e da carga tributária das operadoras tradicionais, até o estabelecimento destes mesmos mecanismos para os OTTs – que atualmente são livres dessas obrigações.
Os OTTs não pagam, por exemplo, taxas regulatórias, nem Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Esse nicho também requer muito menos investimentos do que as operadoras tradicionais, uma vez que usam a rede de banda larga das próprias operadoras com quem concorrem. Assim como o Netflix, todas as grandes têm serviço e vídeos sob demanda. Essas empresas reclamam, porém, de excesso de obrigações. Em janeiro, a alíquota do ICMS para TV paga subiu de 10% para 15% em 15 Estados e no Distrito Federal, em meio à crise econômica e fiscal.
“O aumento da carga tributária do ICMS nos Estados preocupa, principalmente neste momento, por termos uma economia que não cresce”, afirmou o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), João Rezende. “O aumento da carga tributária pode representar queda efetiva na base de assinantes de TV por assinatura”, complementou Rezende, que também esteve presente no evento do setor.
Busca por clientes. O presidente da ABTA, Oscar Simões, afirmou ao Broadcast que considera muito positiva a movimentação do governo para equalizar as condições de concorrência. “É uma medida que aponta para a direção correta” (http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-promete-proposta-para-equiparar-tv-paga-e-concorrentes-como-o-netflix,10000060204). Acesso em 09/01/2016.
[10] O Supremo Tribunal Federal, há tempos acolheu a tese da não tributação da locação de bens móveis pelo ISS, por se tratar de obrigação de dar e não de obrigação de fazer. Nesse sentido: IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS (ISS) – LOCAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR – INADMISSIBILIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DA INCIDÊNCIA DESSE TRIBUTO MUNICIPAL – DISTINÇÃO NECESSÁRIA ENTRE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS (OBRIGAÇÃO DE DAR OU DE ENTREGAR) E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS (OBRIGAÇÃO DE FAZER) – IMPOSSIBILIDADE DE A LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA MUNICIPAL ALTERAR A DEFINIÇÃO E O ALCANCE DE CONCEITOS DE DIREITO PRIVADO (CTN, ART. 110) – INCONSTITUCIONALIDADE DO ITEM 79 DA ANTIGA LISTA DE SERVIÇOS ANEXA AO DECRETO-LEI Nº 406/68 – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – RECURSO IMPROVIDO. – Não se revela tributável, mediante ISS, a locação de veículos automotores (que consubstancia obrigação de dar ou de entregar), eis que esse tributo municipal somente pode incidir sobre obrigações de fazer, a cuja matriz conceitual não se ajusta a figura contratual da locação de bens móveis. Precedentes (STF). Doutrina. (RE-AgR 446003 / PR – PARANÁ, AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Julgamento: 30/05/2006, Órgão Julgador: Segunda Turma, Publicação DJ 04-08-2006, p. 71, EMENT VOL-02240-06 p. 1094. (Acórdãos no mesmo sentido: RE 462747 AgR, JULG-30-05-2006 UF-ES, SEGUNDA TURMA MIN. CELSO DE MELLO, P. 10, DJ 04-08-2006, P. 72, EMENT VOL 2240-06, P. 1228, AI 487120 AgR, JULG. 30-05-2006, UF-RJ, SEGUNDA TURMA, MIN. CELSO DE MELLO, P. 10, DJ 04-08-2006. P. 59, EMENT VOL 2240-09, P. 1745. Precedentes: AC 661 QO, RE 116121 (RTJ-178/1265), AI 485707 AgR; RTJ-89/281, RDA-118/155, decisão monocrática: RE 425281.
[11] Para Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1978, v. 3, p. 33), o contrato de prestação de serviços consiste em: “contrato em que uma das partes se obriga para com a outra a fornecer-lhe a prestação de uma atividade, mediante remuneração”. Nessa definição dá-se ênfase à atividade, que de acordo com Maria Helena Diniz (Dicionário jurídico. São Paulo, Saraiva, 1998, v.4, p. 120), pressupõe o “conjunto de ações ou serviços desempenhados pela pessoa”.
[12] Nesse exato sentido, Betina Treiger Grupenmacher, “Incidência de ISS sobre streaming é inconstitucional” in http://www.conjur.com.br/2016-dez-20/betina-grupenmacher-iss-streaming-inconstitucional (acesso em 9 de janeiro de 2016). Para a ilustre professora: “O streaming é um mecanismo de distribuição de dados por meio de pacotes. As informações distribuídas não são armazenadas pelo usuário que recebe a mídia a ser reproduzida. Portanto, não há serviço enquanto obrigação de fazer de natureza física ou intelectual, desempenhada sob regime de direito privado, nos contratos em questão”.
[13] Nas palavras de Clóvis Bevilaqua: “o conteúdo da obrigação não se confunde; na obrigação de dar, a prestação consiste na entrega de uma coisa; na de fazer, o objeto da prestação é um ato do devedor”. Direitos das Obrigações. Edição Histórica. Rio de Janeiro, Editora Rio, 1977: p. 342.
[14] É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis.
[15] As prestadoras de serviço de acesso condicionado (art. 29 da Lei 12.485/2011) são tributadas pelo ICMS.
[16] Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(…)
II – Instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
[17] O DVD locado era “Apollo 13”, curiosamente filme cujo tema gira em torno dos erros cometidos na execução de operação espacial malsucedida que quase vitimou os tripulantes da espaçonave, criando reação contrária aos projetos de expansão espacial do governo norte-americano. Dessa operação veio a famosa frase: “Houston, we have a problem here”. Nada mais paradigmático para desencadear uma das histórias de empreendedorismo de maior sucesso das últimas décadas.
[18] Art. 3o. O serviço considera-se prestado, e o imposto, devido, no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXV, quando o imposto será devido no local: (Redação dada pela Lei Complementar nº 157, de 2016).
[19] Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.
[20] Art. 4o Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.
[21] Veículo normativo apto a dirimir conflitos de competência, nos termos da CF (artigo 146, inciso I).
[22] O Código Tributário Nacional, em preceito didático (artigo 110), veda expressamente ao legislador tributário a alteração da definição, do conteúdo e do alcance de institutos, conceitos e formas de Direito Privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias, já previamente definidas pela Constituição Federal.
[23] Aliás, cumpre lembrar que a ampliação do conteúdo do item 1.03 da LC 116 pela LC 157 com a finalidade de legitimar a tributação do cloud service, torna imprestável a fundamentação adotada pela Secretaria de Finanças do Município de São Paulo na Solução de Consulta SF/DEJUG nº 40, de 1 de agosto de 2013, no subitem 1.03 da Lista de Serviços do art. 1º da Lei 13.701, de 24 de dezembro de 2003, relativo a processamento de dados e congêneres, equivalente na redação original da LC n. 116 ao item 1.03, sem as alterações promovidas pela LC 157/2016; isto é, sem a ampliação do conteúdo e da previsão expressa da tributação do “armazenamento ou hospedagem de dados, textos, imagens, vídeos, páginas eletrônicas, aplicativos e sistemas de informação, entre outros formatos, e congêneres”..
[24] Art. 594 do CC/2002: Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição.
[25] Art.6º da LC n. 157/2016: Os entes federados deverão, no prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei Complementar, revogar os dispositivos que contrariem o disposto no caput e no § 1º do art. 8º-A da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.
German Alejandro San Martín Fernández
Mestre em Direito do Estado (Direito Tributário) pela PUC/SP; Ex-Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (2008 a 2013); Ex-Conselheiro do CARF (2011 a 2016); Professor de Direito Tributário da Faculdade de Direito e de Planejamento Tributário na Faculdade de Administração da FAAP. Professor convidado (palestrante) nos cursos de pós-graduação em Direito Tributário da USP (campus Ribeirão Preto), LFG, Estácio/CERS, Escola Paulista de Direito (EPD), FUCAPE/ES e no curso de pós-graduação em Gestão e Planejamento Tributário da FGV/SP. Membro do Conselho Científico e Editorial da APET (Associação Paulista de Estudos Tributários). Membro da Comissão do Contencioso Administrativo Tributário da OAB/SP. Advogado em São Paulo.