Serviços médicos prestados por cooperados por intermédio da Cooperativa de médicos

Kiyoshi Harada

Faremos umas análise sob a ótica tributária dos serviços médicos prestados por cooperados por intermédio da Cooperativa de médicos, demonstrando o entendimento jurisprudencial e a legislação pertinentes ao tema.

Enquanto não for regulamentado por lei complementar o disposto na letra c, do inciso III, do art. 146, da CF, que se refere ao adequado tratamento tributário de ato cooperativo, as discussões tributárias continuarão. Não que a interpretação sistemática dos textos constitucionais concernentes à cooperativa e da Lei n٥ 5.764/71 não permita distinguir ato cooperativo (relação entre o cooperado e o estabelecimento cooperativo) do ato não cooperativo (relação entre o estabelecimento cooperativo e terceiros). É que o fiscalismo tomou conta dos órgãos administrativos e judiciários, passando por cima dos princípios constitucionais tributários.

Examinemos a ementa do Acórdão onde se firmou a tese pela incidência da COFINS sobre os valores dos serviços prestados por médicos cooperados por intermédio da Cooperativa de médicos, respeitadas as exclusões previstas em lei.

“EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. TRIBUTÁRIO. ATO COOPERATIVO. COOPERATIVA DE TRABALHO. SOCIEDADE COOPERATIVA PRESTADORA DE SERVIÇOS MÉDICOS. POSTO REALIZAR COM TERCEIROS NÃO ASSOCIADOS (NÃO COOPERADOS) VENDA DE MERCADORIAS E DE SERVIÇOS SUJEITA-SE À INCIDÊNCIA DA COFINS, PORQUANTO AUFERIR RECEITA BRUTA OU FATURAMENTO ATRAVÉS DESTES ATOS OU NEGÓCIOS JURÍDICOS. CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE “ATO NÃO COOPERATIVO” POR EXCLUSÃO, NO SENTIDO DE QUE SÃO TODOS OS ATOS OU NEGÓCIOS PRATICADOS COM TERCEIROS NÃO ASSOCIADOS (COOPERADOS), EX VI, PESSOAS FÍSICAS OU JURÍDICAS TOMADORAS DE SERVIÇO. POSSIBILIDADE DE REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO FISCAL (ISENÇÃO DA COFINS) PREVISTO NO INCISO I, DO ART. 6°, DA LC Nº 70/91, PELA MP Nº 1.858-6 E REEDIÇÕES SEGUINTES, CONSOLIDADA NA ATUAL MP Nº 2.158-35. A LEI COMPLEMENTAR A QUE SE REFERE O ART. 146, III, “C”, DA CF/88, DETERMINANTE DO “ADEQUADO TRATAMENTO TRIBUTÁRIO AO ATO COOPERATIVO”, AINDA NÃO FOI EDITADA. EX POSITIS, DOU PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. As contribuições ao PIS e à COFINS sujeitam-se ao mesmo regime jurídico, porquanto aplicável a mesma ratio quanto à definição dos aspectos da hipótese de incidência, em especial o pessoal (sujeito passivo) e o quantitativo (base de cálculo e alíquota), a recomendar solução uniforme pelo colegiado. 2. O princípio da solidariedade social, o qual inspira todo o arcabouço de financiamento da seguridade social, à luz do art. 195 da CF/88, matriz constitucional da COFINS, é mandamental com relação a todo o sistema jurídico, a incidir também sobre as cooperativas. 3. O cooperativismo no texto constitucional logrou obter proteção e estímulo à formação de cooperativas, não como norma programática, mas como mandato constitucional, em especial nos arts. 146, III, c; 174, § 2°; 187, I e VI, e 47, § 7º, ADCT. O art. 146, c, CF/88, trata das limitações constitucionais ao poder de tributar, verdadeira regra de bloqueio, como corolário daquele, não se revelando norma imunitória, consoante já assentado pela Suprema Corte nos autos do RE 141.800, Relator Ministro Moreira Alves, 1ª Turma, DJ 03/10/1997. 4. O legislador ordinário de cada pessoa política poderá garantir a neutralidade tributária com a concessão de benefícios fiscais às cooperativas, tais como isenções, até que sobrevenha a lei complementar a que se refere o art. 146, III, c, CF/88. O benefício fiscal, previsto no inciso I do art. 6º da Lei Complementar nº 70/91, foi revogado pela Medida Provisória nº 1.858 e reedições seguintes, consolidada na atual Medida Provisória nº 2.158, tornando-se tributáveis pela COFINS as receitas auferidas pelas cooperativas (ADI 1/DF, Min. Relator Moreira Alves, DJ 16/06/1995). 5. A Lei nº 5.764/71, que define o regime jurídico das sociedades cooperativas e do ato cooperativo (artigos 79, 85, 86, 87, 88 e 111), e as leis ordinárias instituidoras de cada tributo, onde não conflitem com a ratio ora construída sobre o alcance, extensão e efetividade do art. 146, III, c, CF/88, possuem regular aplicação. 6. Acaso adotado o entendimento de que as cooperativas não possuem lucro ou faturamento quanto ao ato cooperativo praticado com terceiros não associados (não cooperados), inexistindo imunidade tributária, haveria violação a determinação constitucional de que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, ex vi, art. 195, I, b, da CF/88, seria violada. 7. Consectariamente, atos cooperativos próprios ou internos são aqueles realizados pela cooperativa com os seus associados (cooperados) na busca dos seus objetivos institucionais. 8. A Suprema Corte, por ocasião do julgamento dos recursos extraordinários 357.950/RS, 358.273/RS, 390.840/MG, Relator Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, DJ 15-08-2006, e 346.084/PR, Relator Min. ILMAR GALVÃO, Relator p/ Acórdão Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, DJ 01-09-2006, assentou a inconstitucionalidade da ampliação da base de cálculo das contribuições destinadas ao PIS e à COFINS, promovida pelo § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, o que implicou na concepção da receita bruta ou faturamento como o que decorra quer da venda de mercadorias, quer da venda de mercadorias e serviços, quer da venda de serviços. 9. Recurso extraordinário interposto pela UNIÃO (FAZENDA NACIONAL), com fulcro no art. 102, III, “a”, da Constituição Federal de 1988, em face de acórdão prolatado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, verbis: TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. COOPERATIVA. LEI Nº. 5.764/71. COFINS. MP N°. 1.858/99. LEI 9.718/98, ART. 3°, § 1° (INCONSTITUCIONALIDADE). NÃO-INCIDÊNCIA DA COFINS SOBRE OS ATOS COOPERATIVOS. 1. A Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998 (DOU de 16/12/1998) não tem força para legitimar o texto do art. 3°, § 1°, da Lei nº. 9.718/98, haja vista que a lei entrou em vigor na data de sua publicação, em 28 de novembro de 1998. 2. É inconstitucional o § 1° do artigo 3º da Lei n° 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada. (RREE. 357.950/RS, 346.084/PR, 358.273/RS e 390.840/MG) 3. Prevalece, no confronto com a Lei nº. 9718/98, para fins de determinação da base de cálculo da Cofins o disposto no art. 2° da Lei n° 70/91, que considera faturamento somente a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza. 4. Os atos cooperativos (Lei nº. 5.764/71 art. 79) não geram receita nem faturamento para as sociedades cooperativas. Não compõem, portanto, o fato imponível para incidência da Cofins. 5. Em se tratando de mandado de segurança, não são devidos honorários de advogado. Aplicação das Súmulas 512 do STF e 105 do STJ. 6. Apelação provida. (fls. 120/121). 10. A natureza jurídica dos valores recebidos pelas cooperativas e provenientes não de seus cooperados, mas de terceiros tomadores dos serviços ou adquirentes das mercadorias vendidas e a incidência da COFINS, do PIS e da CSLL sobre o produto de ato cooperativo, por violação dos conceitos constitucionais de “ato cooperado”, “receita da atividade cooperativa” e “cooperado”, são temas que se encontram sujeitos à repercussão geral nos recursos: RE 597.315-RG, Relator Min. ROBERTO BARROSO, julgamento em 02/02/2012, Dje 22/02/2012, RE 672.215-RG, Relator Min. ROBERTO BARROSO, julgamento em 29/03/2012, Dje 27/04/2012, e RE 599.362-RG, Relator Min. DIAS TOFFOLI, Dje-13-12-2010, notadamente acerca da controvérsia atinente à possibilidade da incidência da contribuição para o PIS sobre os atos cooperativos, tendo em vista o disposto na Medida Provisória nº 2.158-33, originariamente editada sob o nº 1.858-6, e nas Leis nºs 9.715 e 9.718, ambas de 1998. 11. Ex positis, dou provimento ao recurso extraordinário para declarar a incidência da COFINS sobre os atos (negócios jurídicos) praticados pela recorrida com terceiros tomadores de serviço, resguardadas as exclusões e deduções legalmente previstas. Ressalvo, ainda, a manutenção do acórdão recorrido naquilo que declarou inconstitucional o § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta” (RE 598085-RJ, Rel. Min. LUIZ FUX, julgado em 06-11-2014, DJe-027 DIVULG 09-02-2015 PUBLIC 10-02-2015).

Em relação ao ISS, pacificou-se a tese da não incidência do imposto, porque os serviços são prestados pelos médicos cooperados, cujos valores são pagos à cooperativa que repassa os vsalores devidos aos médicos, com a dedução da taxa de administração e retenção do imposto de renda na fonte. De fato, a cooperativa não presta serviços médicos, pois não possui quadro médico e paramédico próprio, e nem instalações médicas, limitando-se a agenciar os clientes a seus cooperados.

Em relação a COFINS deveria prevalecer o mesmo entendimento. Surpreendentemente fixou-se o entendimento de que a cooperativa pratica atos (negócios jurídicos) com terceiros tomadores de serviços, pelo que incide a COFINS, resguardadas as exclusões e deduções legalmente previstas. Só que, no caso de prestação de serviços médicos, não há exclusões legais, como há em relação aos valores repassados aos cooperados, decorrentes da comercialização de produtos por eles entregados à cooperativa, ou das receitas de venda de bens e mercadorias a associados, conforme previsão do art. 15 da Medida Provisória 2.158-35/2001 citada pelo V. Acórdão. Outrossim, não se pode excluir os valores repassados aos cooperados, conforme previsão do art. 30-A, da Lei nº 11.051, de 29-12-2004, acrescido pela Lei nº 12.649/20’12, por não se tratar de cooperativa de radiotáxi, ou daquelas cujos cooperados se dediquem a serviços relacionados a atividades de cultura, de música, de cinema, de letras, de artes cênicas (teatro, dança, circo) e de artes plásticas.

A nosso ver, essas exclusões casuísticas ofendem, escancaradamente, o princípio da isonomia tributária. Infelizmente, tendo em vista o acentuado fiscalismo reinante, que conduz à interpretação literal dos textos legais, cada setor está se mobilizando como pode a fim de obter a elaboração de leis específicas para o seu setor, tornando a legislação tributária bastante dúbia, caótica e insegura.

Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

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