Insumos geram créditos de PIS/Cofins na exploração e produção de petróleo

Gustavo Brigagão

Como é notório, a Lei Geral do Petróleo determina que os contratos de concessão de petróleo e gás natural comportam duas fases distintas:

i) a fase de exploração, definida como o “conjunto de operações ou atividades destinadas a avaliar áreas, objetivando a descoberta e a identificação de jazidas de petróleo ou gás natural” (artigo 6º, XV, da Lei 9.478/97); e

ii) a fase de produção, definida como o “conjunto de operações coordenadas de extração de petróleo ou gás natural de uma jazida e de preparo para sua movimentação” (artigo 6º, XV, da Lei 9.478/97).

Ainda de acordo com a mesma lei (artigo 24), insere-se nessa fase de produção a denominada etapa de desenvolvimento, que é definida como o “conjunto de operações e investimentos destinados a viabilizar as atividades de produção de um campo de petróleo ou gás”.

Cronologicamente, essas fases e etapa ocorrem na seguinte sequência: em primeiro, a exploração, em que se constata a existência do petróleo em determinada área; em segundo, a etapa de desenvolvimento, em que se verifica a viabilidade da extração do petróleo descoberto; e, em terceiro, a produção propriamente dita, em que o petróleo é efetivamente extraído do solo.

Quanto às contribuições para o PIS/Cofins, a sua sistemática não cumultativa foi instituída pelas leis 10.833/03 e 10.637, de 30.12.2002, cujo artigo 3º determina que o contribuinte poderá “descontar créditos” em relação a “bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda” (inciso II).

Tendo em vista que a regra acima, ao se referir a “insumo”, parece limitar o creditamento relativo à sua aquisição às hipóteses em que ele seja utilizado na “produção ou fabricação de bens ou produtos”, surge a questão: nas atividades petrolíferas, esse creditamento está circunscrito às aquisições de insumos que sejam destinados à fase de produção (em que há a efetiva extração do petróleo), ou ele poderá também ser estendido àquelas realizadas no âmbito da fase de exploração e da etapa de desenvolvimento, em que, apesar de não haver efetiva produção de petróleo, há o necessário exercício de atividades preparatórias para a extração que se dará ao final de todo o ciclo?

A solução dessa questão passa necessariamente pela controvérsia existente na jurisprudência sobre a amplitude do conceito de “insumo” para fins de creditamento do PIS/Cofins.

De fato, nos últimos cinco anos, houve a prevalência de três correntes distintas na jurisprudência administrativa e judicial:

a) em um primeiro momento, adotou-se o mesmo conceito previsto na legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), pelo que só se admitia a apuração de créditos decorrentes da aquisição de bens e serviços que fossem diretamente aplicados ou consumidos na produção/prestação[1]; cabe mencionar que, no âmbito dessa tese, chegaram a ser proferidas decisões no Superior Tribunal de Justiça que alegaram que os créditos em exame seriam comparáveis a benefícios fiscais e, portanto, deveriam estar submetidos à regra de interpretação restritiva exigida pelo artigo 111 do Código Tributário Nacional (CTN);

b) em seguida, foi adotado o entendimento de que o conceito de insumos previsto na legislação do PIS/Cofins deveria ser equiparado àquele relativo a despesa dedutível para fins do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), que autorizava, portanto, que quaisquer custos ou despesas necessários à atividade da empresa gerassem créditos[2]; e

c) recentemente, passou a prevalecer o entendimento de que devem ser considerados “insumos” para fins de apuração de créditos do PIS/Cofins somente os bens e serviços que sejam indispensáveis/necessários ao processo produtivo ou à prestação de serviços[3].

No que concerne a essa última corrente, ainda há alto grau de indefinição sobre os exatos limites desse entendimento. De fato, as decisões proferidas até agora são, em alguns aspectos, contraditórias entre si. Não obstante essas circunstâncias, com base na jurisprudência administrativa existente[4], pode-se dizer que são entendidos como indispensáveis/necessários todos os bens/serviços sem os quais a atividade produtiva não se torne possível, ainda que eles não sejam efetivamente consumidos/aplicados na referida atividade.

Esse conceito está resumido de forma eficiente no seguinte trecho do voto do conselheiro Eloy Eros da Silva Nogueira:

“Para se decidir que um bem ou serviço possa gerar crédito com relação a determinada receita tributada, há que se perquirir em que medida esse bem ou serviço é fator necessário para a prestação do serviço ou para o processo de produção do produto ou bem destinado a venda, e geradores, em última instância, da receita tributada. A meu sentir, não é o caso de restringir a que o bem ou serviço tenha sido utilizado como insumo do próprio produto a ser vendido ou do próprio serviço; ou que ele seja adstrito pelo princípio do contato físico, ou do desgaste ou transformação.

Embora o serviço prestado ou o produto vendido seja o alfa da obtenção da receita a ser tributada, a lei indica que o bem ou o serviço utilizado como insumo alcança a atividade de prestação do serviço ou a atividade de produção, direta ou indireta. Essa visão conjuga o ‘processo’ e o ‘produto/serviço resultante do processo’. Mas esses serviços devem estar inequivocamente ligados ao serviço prestado ou ligados ao produto vendido.” (Carf, acórdão 3401­002.886, 4ª Câmara, 1ª Turma Ordinária, de 24.02.2015) (Grifos constantes do texto original)

Cito, também, o seguinte trecho do voto do conselheiro Alexandre Kern, em outro acórdão sobre o tema:

“Inclino-me pelo conceito de insumo deduzido no voto condutor do REsp 1.246.317 MG (2011/00668193).

(…)

O ministro Campbell Marques extrai o que há de nuclear da definição de “insumos” para efeito de creditamento e conclui:

a) o bem ou serviço tenha sido adquirido para ser utilizado na prestação do serviço ou na produção, ou para viabilizá-los — pertinência ao processo produtivo;

b) a produção ou prestação do serviço dependa daquela aquisição — essencialidade ao processo produtivo; e

c) não se faz necessário o consumo do bem ou a prestação do serviço em contato direto com o produto — possibilidade de emprego indireto no processo produtivo.

Explica ainda que, não basta, que o bem ou serviço tenha alguma utilidade no processo produtivo ou na prestação de serviço: é preciso que ele seja essencial. É preciso que a sua subtração importe na impossibilidade mesma da prestação do serviço ou da produção, isto é, obste a atividade da empresa, ou implique em substancial perda de qualidade do produto ou serviço daí resultante.

(…)

Portanto, ao contrário do que pretende o recorrente, não é todo e qualquer custo ou despesa necessária à atividade da empresa, nos termos da legislação do IRPJ. Há de se perquirir a pertinência e a essencialidade do gasto relativamente ao processo fabril ou de prestação de serviço para que se lhe possa atribuir a natureza de insumo.” (Carf, acórdão 3402-002.603, 4ª Câmara, 2ª Turma Ordinária, de 28.01.2014)

Verifica-se, portanto, que as atividades que forem necessárias à viabilização da produção do bem serão consideradas inseridas no conceito de insumo, desde que haja clara ligação com a atividade-fim (geradora de receita) realizada pelo contribuinte.

Esse entendimento vem permitindo a interpretação de que o conceito de insumo deve alcançar bens e serviços utilizados em atividades que normalmente seriam vistas como prévias ao processo produtivo, desde que elas tenham efetivamente contribuído para o “produto final”. Nesse sentido, cito o seguinte precedente da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF):

“Correta a Colenda Turma a quo ao corroborar o entendimento de que a despesa pode ser incorrida antes ou depois de realizada a produção ou fabricação do bem colocado à venda e tributado, ou, no caso específico, do bem exportado.

(…)

Em suma, a legislação do PIS e da Cofins não cumulativos estabelece critérios próprios quanto à conceituação de “insumos” para fins de creditamento. É um critério que se afasta da simples vinculação ao conceito do IPI, presente na IN SRF 247/2002, e que também não se aproxima do conceito de despesa necessária prevista na legislação do IRPJ.

(…)

No caso das indústrias de celulose, isso implica admitir não só os gastos incorridos na produção direta da celulose, mas também na própria produção da madeira que lhe serve de insumo.” (CSRF, acórdão 9303­003.069, 3ª Turma, de 13.08.2014)[5]

Pelas definições adotadas, não há dúvida de que o referido creditamento é possível em relação aos insumos utilizados/aplicados após o efetivo início da produção, ou seja, após o encerramento das atividades de desenvolvimento. De fato, nessas circunstâncias, estamos diante de valores indiscutivelmente incluídos na fase produtiva.

Quanto aos valores incorridos na etapa de desenvolvimento, penso que os créditos em exame também devem ser aceitos, pois, se a etapa de desenvolvimento, por força da Lei 9.478/97, compõe a fase de produção, as mesmas conclusões devem ser aplicáveis.

Note-se que esse entendimento é reforçado pelas disposições do artigo 110 do CTN, segundo o qual a “lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas constituições dos estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.

Embora o referido dispositivo trate de “institutos, conceitos e formas de direito privado”, há manifestações doutrinárias e jurisprudenciais que confirmam a sua aplicação a questões relacionadas a direito público (a título de exemplo, cito Luciano Amaro, Direito Tributário Brasileiro, 14ª Edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2008, p. 220, e o RE 166.772-9, relator ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, 12 de maio de 1994).

Mas, mesmo que assim não fosse, considerando que a etapa de desenvolvimento tem a função de “viabilizar as atividades de produção de um campo de petróleo ou gás”, os gastos nela incorridos estão inseridos no conceito de itens “indispensáveis/necessários” à atividade produtiva, o que, como visto, é o critério definido pela jurisprudência para permitir o creditamento do PIS/Cofins.

O entendimento acima está em consonância com solução de consulta proferida pela Receita Federal do Brasil, que, ao analisar hipótese análoga, determinou que os custos incorridos pelo contribuinte no “desenvolvimento” de softwares ensejariam o direito ao crédito:

“Ensejam apuração de créditos de Cofins por uma pessoa jurídica industrial os encargos de depreciação de programa de computador tão-somente no caso de programa responsável pelo direto funcionamento de uma máquina ou de um equipamento que integra a sua linha de produção. Integram o valor do programa a depreciar os montantes despendidos com sua aquisição e licença de uso, ou desenvolvimento, com a aquisição de atualização e/ou extensão de licença de uso, com serviços de instalação e atualização, e com serviços de ‘manutenção’ que impliquem aumento de vida útil do programa em mais de um ano.” (Solução de Consulta 120, de 27.04.2012)

Quanto aos bens utilizados na fase de exploração, embora, claramente, eles não tenham sido incorridos na fase de produção (ou seja, embora não estejam propriamente inseridos no processo produtivo), entendo que eles devem gerar créditos para o contribuinte, tendo em vista o atual posicionamento da jurisprudência.

De fato, como visto acima, a tendência dos tribunais é no sentido de aceitar como passíveis de crédito os bens e serviços utilizados em atividades que sejam vistas como prévias ao processo produtivo, desde que efetivamente contribuam diretamente e de forma essencial para o “produto final”.

Ora, a fase de exploração visa justamente “a descoberta e a identificação de jazidas de petróleo ou gás natural” (artigo 6º, XV, da Lei 9.478/97), constituindo, portanto, um conjunto de atividades diretamente vinculadas e inegavelmente necessárias à produção do gás.

Sobre o tema, vale citar dois acórdãos bastante recentes do Carf, de duas Turmas distintas, no sentido de que despesas incorridas por empresa de mineração com “estudos e pesquisas”, “sondagem”, “serviços de geologia”, entre outros, devem gerar crédito para o contribuinte por serem necessários ao processo produtivo de minérios:

“Os itens glosados se referem a: serviços de logística, estudos e pesquisas, prospecção e sondagem, serviços de geologia, serviço de operação portuária, serviço de manutenção em equipamento ferroviário, serviços prestados em equipamentos de telecomunicação, serviço de dragagem, serviços de manutenção de embarcações.

Não há dúvida de que tratam de serviços decisivos as atividades de pesquisa, prospecção, sondagem e serviços de geologia, e essa afirmação decorre do próprio negócio da Vale, que é exploração de minério de ferro. Não é difícil concluir que os dispêndios invalidariam todos os esforços de se produzir minério, sem conhecer a capacidade da mina, qualidade, estabilidade do terreno a ser explorado. Além do que, esses mesmos serviços continuam sendo necessários ao longo da vida útil da mina.” (3403­003.492, 4ª Câmara, 3ª Turma Ordinária, de 27.01.2015, publicado em 25.02.2015)

“Os gastos com a contratação de serviços de prospecção, sondagens e de geologia guardam relação de pertinência e essencialidade com o processo de lavra de minérios e ensejam o creditamento com base nos gastos efetivamente comprovados.” (Acórdão 3.402-002.669, 4ª Câmara, 2ª Turma Ordinária, de 24.02.2015, publicado em 12.03.2015)

Em suma, por todas essas razões, é mandatória a conclusão de que, tanto nas fases de exploração e produção, quanto na etapa de desenvolvimento, as aquisições de insumos devem necessariamente gerar créditos de PIS/Cofins para os contribuintes que os adquirem.

[1] Em âmbito administrativo: acórdão 3301-00.424, da 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara, 3ª Seção do Carf, de 3.2.2010. Em âmbito judicial: REsp 1.128.018, 1ª Turma, relator ministro Sérgio Kukina, de 09.04.2013.
[2] Em âmbito administrativo: acórdão 3202-00.226, 2ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 3ª Seção do Carf, de 08.12.2010. Em âmbito judicial: AC 2009.71.04.000590-9/RS, TRF 4, 1ª Turma, de 22.08.2012.
[3] Em âmbito administrativo: acórdão 3202.001.451, 2ª Câmara, 2ª Turma Ordinária, de 27.01.2015. Em âmbito judicial: STJ, AgRg no REsp 1.281.990, 1ª Turma, de 05.08.2014.
[4] Embora o STJ também esteja adotando essa tese de forma geral, os precedentes não são específicos (não contêm elementos fáticos) o suficiente para que se possa extrair um conceito claro do que deve ser entendido como “necessário ao processo produtivo”.
[5] É de se notar que esse entendimento jurisprudencial poderá vir a ser alterado, tendo em vista que, além de a composição do Carf ter sido substancialmente alterada em passado recente, a 1ª Seção do STJ (órgão competente para dirimir as divergências entre as duas turmas de direito público) analisará o conceito de insumos para fins de PIS/Cofins nos autos do REsp 1.221.170/PR; e em 16.08.2014, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da matéria nos autos do AgRE 790.928 (posteriormente, esse recurso foi substituído pelo RE 841.979).

Gustavo Brigagão

sócio do escritório Ulhôa Canto, presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), presidente da Câmara Britânica do Rio de Janeiro (BRITCHAM-RJ), diretor de Relações Internacionais do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) e professor em cursos de pós-graduação na Fundação Getulio Vargas.

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