Desoneração do PIS/COFINS da cesta básica
Ricardo Paz Gonçalves
Legislação do PIS/COFINS, segundo interpretação da Receita Federal, não exige estorno dos créditos
Em boa hora e com ampla divulgação o governo atendeu a uma antiga reivindicação dos supermercadistas e promoveu a desoneração do PIS e da COFINS incidentes sobre as mercadorias que compõem a cesta básica. A medida, em que pese seu inegável viés pré-eleitoral e duvidoso resultado como política de controle da inflação – alguns economistas qualificam como trapalhada da equipe econômica – é sim, a nosso ver, uma medida justa e necessária ao menos como medida de justiça fiscal.
Não obstante, o governo não contava com o fato de que a complexidade de nosso sistema tributário tirou das mãos do próprio governo o controle sobre o efeito e alcance das medidas de cunho extra fiscal que pretende implementar. A ideia a princípio era que as empresas repassassem ao consumidor a desoneração concedida pelo governo. Pelo que se divulga esse era o acordo com os grandes players do mercado.
Ocorre que malgrado a pressão da mídia sobre as empresas no sentido de cobrar o repasse da desoneração ao consumidor, o fato é que alguns setores da indústria sentiram-se prejudicados pela desoneração, exigindo ajustes pela equipe econômica, e entre os varejistas ainda restam dúvidas acerca de alguns aspectos contábeis que decorrem da dita desoneração.
Exemplo disto é a controvérsia relativa à necessidade ou não de estorno dos créditos de PIS/COFINS calculados em cima do valor das compras das mercadorias desoneradas existentes em estoque ao tempo da desoneração. A tal respeito a Associação Gaúcha dos Supermercados (AGAS), poucos dias depois do anuncio da medida, chegou a divulgar que a legislação em vigor determina o estorno dos créditos nas saídas desoneradas, recomendando a seus associados que tal orientação fosse observada.
Sem embargo à costumeira prudência e propriedade que marcam as opiniões e recomendações proferidas pela AGAS no apoio a seus associados, especialmente no aspecto jurídico, temos a convicção de que neste particular, equivocou-se a orientação. Não porque nossa opinião pessoal seja contrária. De fato temos opinião pessoal contraria, mas o cerne da questão é que a Receita Federal do Brasil discorda de tal recomendação e de forma clara e reiterada tem assim se manifestado.
Ocorre que o critério definidor do direito ao crédito é trazido pelo art. 3º, § 2º, inc. II da Lei nº 10.833/2003, segundo o qual não dará direito a crédito o valor da aquisição de bens não sujeito ao pagamento da contribuição. Veja-se que o que define o direto ao crédito não é o fato de a saída estar ou não sujeita ao pagamento da contribuição, mas sim a aquisição. Como no caso dos estoques cujas saídas foram desoneradas houve a incidência da contribuição por ocasião da aquisição, a legislação assegura a manutenção do crédito. Evidentemente, é claro, as aquisições desoneradas não gerarão direito ao crédito, mas jamais se cogita do estorno daqueles créditos que tiveram como origem aquisições oneradas pela contribuição. A única exceção a esta regra prevista na legislação é a aquisição de mercadorias sujeitas à incidência monofásica da contribuição, por força da alínea “b” do art. 3º da Lei nº 10.833/2003.
Seria duvidosa essa conclusão se fosse apenas a nossa opinião, mas o fato é que a Receita Federal manifestou opinião idêntica por todas as formas possíveis. Em soluções de consulta todas as regiões fiscais se manifestaram neste sentido, do que é exemplo a de nº 124/2005 cuja ementa afirma que:
“É assegurada, no regime não-cumulativo de incidência da Cofins, a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a operações de vendas efetuadas com alíquota zero.”
Reitere-se que nenhuma região fiscal, em solução de consulta, destoa deste raciocínio.
A própria página da Receita Federal do Brasil, na seção de perguntas e respostas dedicadas ao tema é expressa ao afirmar que:
“As vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota zero ou não-incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins não impedem a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações.”
A afirmação retro, vale esclarecer, é veiculada em caráter geral de apuração do regime de incidência não-cumulativa, e, portanto, fora do contexto das empresas destinatárias do REPORTO (http://www.receita.fazenda.gov.br/pessoajuridica/pispasepcofins/regincidencianaocumulativa.htm).
O art. 38 da IN SRF nº 594/2005 é expresso ao repetir em seu art. 38 que:
“as vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota de 0% (zero por cento) ou não-incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins não impedem a manutenção, pela pessoa jurídica sujeita à incidência não-cumulativa das contribuições, dos créditos vinculados a essas operações”.
Não bastasse tanto, o que sem dúvida bastaria, em março de 2013, após a publicação da MP que instituiu a desoneração, a RFB publicou o Ato Declaratório Interpretativo nº 1 de 2013 que pôs uma pá de cal na questão ao esclarecer em seu artigo 3º que:
“As devoluções referentes a compras realizadas até 7 de março de 2013, implicam o estorno do respectivo crédito, ainda que esta devolução ocorra depois dessa data.”
Ora, face a esta declaração mais claro não poderia ficar que no caso de a mercadoria adquirida antes de 7 de março de 2013 não ser objeto de devolução, não caberá o estorno do crédito.
A manutenção do crédito das mercadorias existentes em estoque ao tempo da desoneração é, pois, matéria incontroversa no âmbito da Receita Federal, devendo as empresas, em face disto, valerem-se da integralidade do benefício concedido. Os valores envolvidos são significativos para qualquer empresa do segmento cujas margens, especialmente na cesta básica, são apertadas e a competitividade acirrada.
Ricardo Paz Gonçalves
Advogado inscrito na OAB-RS sob nº 75.209. Extensão em Gestão Tributária Empresarial pela FEEVALE. Consultor externo do Sebrae-RS nas áreas de Políticas Públicas e Desenvolvimento de Metodologias. Membro ativo da Fundação Escola Superior de Direito Tributário (FESDT). Sócio da Affectum e SPGonçalves.