Operações Interestaduais com bens e mercadorias importados

Antônio Airton Ferreira

Visando combater a denominada "Guerra dos Portos", em abril do ano passado, foi editada a Resolução nº 13 do Senado Federal, que estabeleceu a alíquota de 4% (quatro por cento) para o ICMS incidente nas operações interestaduais envolvendo "bens e mercadorias importados do exterior".

Sobre esse assunto, foram editados os seguintes atos:

Ajuste Sinief nº 19/12 (regulamentou a Resolução 13), Ajuste Sinief nº 20/12 (trouxe novos Códigos de Situação Tributária – CST), Convênio ICMS nº 123/2012 (Convalida benefícios fiscais abaixo de 4% e revoga os benefícios fiscais acima de 4%); Ato Cotepe ICMS nº 61/2012 (instituiu o manual de orientação para a FCI), Ajuste Sinief nº 27/12 (adiou a transmissão da FCI); Resolução Camex 79/2012 (regulamentou os produtos considerados sem similar nacional para fins de aplicação da Resolução 13/2012) e a Portaria CAT 174/2012, que alcança apenas os contribuintes paulistas.

Vamos fazer uma breve análise sobre a disciplina legal dessa matéria, avaliando os seus principais atos.

I – Do alcance da aludida Resolução

O artigo 1º dessa Resolução dispõe:

Art. 1º A alíquota do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), nas operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior, será de 4% (quatro por cento). (destaque acrescido)

A primeira constatação da leitura desse artigo, de suma importância para definir o seu alcance, é que a alíquota de 4% (quatro por cento) alcança as operações interestaduais realizadas com "bens e mercadorias importados do exterior".

A regra foi constituída para atingir as operações com bens importados (critério objetivo). É por isso que ela será obrigatória em toda cadeia de industrialização/comercialização com os produtos importados, alcançando, inclusive, aquele que realiza venda interna no próprio Estado, uma vez que o adquirente poderá, na sequência, realizar uma operação interestadual com o bem adquirido de origem de importação do exterior. Neste contexto, o fato de o bem importado ter sido nacionalizado é irrelevante.

O seu § 1º, do citado art. 1º, esclarece:

§ 1º O disposto neste artigo aplica-se aos bens e mercadorias importados do exterior que, após seu desembaraço aduaneiro:
I – não tenham sido submetidos a processo de industrialização;
II – ainda que submetidos a qualquer processo de transformação, beneficiamento, montagem, acondicionamento, reacondicionamento, renovação ou recondicionamento, resultem em mercadorias ou bens com Conteúdo de Importação superior a 40% (quarenta por cento).

Vê-se, portanto, que a alíquota de 4% (quatro por cento) será aplicada quando realizada a operação interestadual, uma vez que o § em destaque diz que a regra aplica-se após o desembaraço dos bens e mercadorias importados. Dessa forma, o ICMS devido na importação será de 18%, em regra. Somente na operação interestadual será adotada a alíquota de 4% (quatro por cento). De plano, percebe-se que, dependendo da participação das operações interestaduais frente às operações internas, há o risco de a empresa acumular créditos.

O inciso I dispõe que a regra será adotada nas operações que os bens importados "não tenham sido submetidos a processo de industrialização". Aqui, tem-se a revenda pura, que é a sua situação mais crítica do fornecimento do valor de importação na nota fiscal de revenda, pois com esse dado torna-se possível conhecer a formação do preço de venda, o que abre espaço para o questionamento sobre uma provável vulneração do sigilo comercial.

O inciso II é o que apresenta maior dificuldade de aplicação, pois ele depende da apuração do denominado "Conteúdo de Importação", que somente será exigido se o bem importado passar por processo de industrialização.

II – Revenda do bem importado: Não há cálculo do conteúdo de importação.

No tópico anterior, restou anotado que o inciso I, do § 1º, da Resolução diz que a regra será aplicada – diretamente, anotamos – "aos bens ou mercadorias importados do exterior que não tenham sido submetidos a processo de industrialização".

Neste caso, portanto, não haverá o cálculo do intitulado "conteúdo de importação". Ou, se quiser, o "conteúdo de importação" corresponde ao valor total da operação de entrada (base de cálculo do ICMS).

III – Da composição do conteúdo de importação

Esse elemento está, assim, definido no § 2º da aludida Resolução:

§ 2º O Conteúdo de Importação a que se refere o inciso II do § 1º é o percentual correspondente ao quociente entre o valor da parcela importada do exterior e o valor total da operação de saída interestadual da mercadoria ou bem.

É preciso ler esse parágrafo com muita atenção. Em primeiro lugar, torna-se aconselhável afastar algumas ideias precipitadas. A regra não pede a composição do custo industrial, mas, sim, a relação entre o valor da parcela importada do exterior e o valor total da operação de saída interestadual do bem importado. Entretanto, o "conteúdo de importação" pressupõe a passagem do bem importado pelo procedimento de industrialização, o que pode ter sido a origem da ideia de que se exigiria a divulgação do custo de produção. Não é isso!

Com efeito, o "conteúdo de importação" surge da relação entre:

Valor da parcela importada do exterior do bem (item a item) = %

Valor total da operação de saída interestadual do bem (incluídos os tributos incidentes na operação própria do remetente).

A regra será aplicada quando o conteúdo de importação for superior ao percentual de 40% (quarenta por cento).

O valor da parcela importada corresponde à base de cálculo do ICMS, incidente na operação de importação. É o que dispõe o § 1º do art. 3º da Portaria CAT SP nº 174/2012, em conformidade com a cláusula quarta, § 2º, do Ajuste Sinief nº 19/12, in verbis:

§ 1º – Considera-se:
1 – valor da parcela importada do exterior, o valor da importação, assim considerado aquele que corresponde ao valor da base de cálculo do ICMS incidente na operação de importação, composto pelos seguintes itens:
a) o valor da mercadoria ou bem constante dos documentos de importação, convertido para moeda nacional pela mesma taxa de câmbio utilizada no cálculo do imposto de importação;
b) imposto de importação;
c) imposto sobre produtos industrializados;
d) imposto sobre operações de câmbio;
e) quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras;
2 – valor total da operação de saída interestadual, o valor total do bem ou da mercadoria incluídos os tributos incidentes na operação própria do remetente.

No item 2, está averbado que o denominador corresponde ao "valor total da operação de saída interestadual". Não está dito total do custo. Nem poderia ser diferente: a questão envolvida diz respeito à realização de operação interestadual com bem importado do exterior.

Outra observação importante: o denominador é formado pelo "valor total da operação de saída interestadual". Ora, a expressão "valor total" pressupõe uma variável temporal. Valor total do dia, da quinzena, ou do mês. No caso, o valor total corresponderá à média aritmética ponderada das operações interestaduais do mês. Assim também deve ser apurado o valor da parcela do produto empregado no processo produtivo. Portanto, o conteúdo de importação calculado no mês anterior será aplicado às operações interestaduais do mês seguinte, o que simplifica o procedimento para a adoção da regra.

Será necessário recalculá-lo quando, após a última aferição, a mercadoria ou o bem integrante de operação interestadual tenha sido submetido a novo processo de industrialização.

III – Regra de exceção: Dos bens e mercadorias excluídos

Há dois tipos de bens excluídos. Veja-se o § 4º, do art. 1º, da Resolução do Senado em exame:

§ 4º O disposto nos §§ 1º e 2º não se aplica:
I – aos bens e mercadorias importados do exterior que não tenham similar nacional, a serem definidos em lista a ser editada pelo Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex) para os fins desta Resolução;
II – aos bens produzidos em conformidade com os processos produtivos básicos de que tratam o Decreto-Lei nº 288, de 28 de fevereiro de 1967, e as Leis nºs 8.248, de 23 de outubro de 1991, 8.387, de 30 de dezembro de 1991, 10.176, de 11 de janeiro de 2001, e 11.484, de 31 de maio de 2007.

Não se aplica também "às operações que destinem gás natural importado do exterior a outros Estados", segundo o art. 2º da aludida Resolução.

O item II trata dos bens produzidos na Zona Franca de Manaus (DL nº 288/67). Fica a dúvida: a exclusão só alcança bens produzidos em Manaus ou se estende aos produzidos na Amazônia Ocidental. E as áreas de livre comércio? É bem possível que outras áreas sejam protegidas, uma vez que a exclusão em foco visa retirar do contexto da importação a produção nessas áreas.

Para fins de aplicação da referida Resolução do Senado, a Resolução da CÂMARA DE COMÉRCIO EXTERIOR – CAMEX nº 79/12 assim listou os bens e mercadorias sem similar nacional,

Art. 1º Para fins exclusivamente do disposto no inciso I do § 4º do art. 1º da Resolução do Senado nº 13, de 2012, a lista de bens e mercadorias importados do exterior sem similar nacional compõe-se de:
I – bens e mercadorias sujeitos a alíquota de zero ou dois por cento do Imposto de Importação, conforme previsto nos anexos I, II e III da Resolução Camex nº 94, de 8 de dezembro de 2011, e que estejam classificados nos capítulos 25, 28 a 35, 37 a 40, 48, 54 a 56, 68 a 70, 72 e 73, 84 a 88 e 90 da NCM ou nos códigos 2603.00.10, 2613.10.10, 2613.10.90, 8101.10.00, 8101.94.00, 8102.10.00, 8102.94.00, 8106.00.10, 8108.20.00, 8109.20.00, 8110.10.10, 8112.21.10, 8112.21.20, 8112.51.00.
[Atenção: A lista tem capítulos inteiros da NCM e algumas posições de capítulos].
II – bens e mercadorias relacionados em destaques "Ex" constantes do anexo da Resolução Camex nº 71, de 14 de setembro de 2010; e
III – bens e mercadorias objeto de concessão de ex-tarifário em vigor estabelecido na forma das Resoluções Camex nº 35, de 22 de novembro de 2006, e nº 17, de 3 de abril de 2012.
Parágrafo único. A relação de bens referente ao inciso III será elaborada pela Secretaria de Desenvolvimento da Produção do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

A Secretaria-Executiva da Câmara de Comércio Exterior disponibilizou em seu sítio eletrônico a lista consolidada dos bens sem similar.

IV – Da importância da Tabela de Origem da Mercadoria

O Ajuste SINIEF nº 20, de novembro de 2012, atualizou a Tabela de Código de Situação Tributária -CST (origem da mercadoria), nestes termos:

0

Nacional, exceto as indicadas nos códigos 3 a 5

1

Estrangeira – Importação direta, exceto a indicada no código 6;

2

Estrangeira – Adquirida no mercado interno, exceto a indicada no código 7

3

Nacional, mercadoria ou bem com Conteúdo de Importação superior a 40% (quarenta por cento);

4

Nacional, cuja produção tenha sido feita em conformidade com os processos produtivos básicos de que tratam o Decreto-Lei nº 288/67, e as Leis nºs 8.248/91, 8.387/91, 10.176/01 e 11.484/07 ;

5

Nacional, mercadoria ou bem com Conteúdo de Importação inferior ou igual a 40% (quarenta por cento);

6

Estrangeira – Importação direta, sem similar nacional, constante em lista de Resolução CAMEX;

7

Estrangeira – Adquirida no mercado interno, sem similar nacional, constante em lista de Resolução CAMEX.".

 A partir de 1º de janeiro de 2013, o sistema de controle do Fisco, à evidência, será baseado nesses códigos. Isso exige maior rigor na sua indicação que não havia nos anos anteriores. Esses códigos, agora, não representam apenas um instrumento para gerar dados estatísticos. Assim, caso seja indicado o código errado, isso poderá ser considerado como um artifício fraudulento para contornar a nova regra. A prova da existência de erro, em qualquer situação, é muito difícil de ser produzida.

V – Posicionamento diante da nova disciplina

Além das questões comerciais, a formação de crédito acumulado de ICMS parece ser o ponto nevrálgico da nova disciplina das operações interestaduais com bens ou mercadorias importados do exterior. Isso porque a aplicação da alíquota de 4% (quatro por cento) dar-se-á depois do desembaraço da mercadoria. Vale dizer, no ato de importação, paga-se o imposto com a alíquota de 18% e a venda será pela alíquota de 4%. Há, portanto, o risco da formação do crédito acumulado, que sabidamente é muito difícil de ser restituído.

Para contornar ou amenizar essa questão, torna-se imperativo avaliar algumas alternativas, como, por exemplo: estruturação do negócio, mediante o planejamento das compras, redefinição das plantas industriais, avaliação da política de distribuição, agregação de novas atividades etc.

Por fim, cabe uma breve referência à obrigatoriedade da disponibilização das informações, em especial à imposição da informação na nota fiscal de venda do valor da importação (base de cálculo do ICMS importação), pois há o receio de que essa informação em especial acabe vulnerando o sigilo comercial. Com efeito, segundo a cláusula sétima do Ajuste Sinief 19/12, as informações que deverão ser lançadas nas notas fiscais são as seguintes:

I – o valor da parcela importada do exterior, o número da FCI e o Conteúdo de Importação expresso percentualmente, calculado nos termos da cláusula quarta, no caso de bens ou mercadorias importados que tenham sido submetidos a processo de industrialização no estabelecimento do emitente;
II – o valor da importação, no caso de bens ou mercadorias importados que não tenham sido submetidos a processo de industrialização no estabelecimento do emitente.

O dado mais preocupante é a indicação do valor da importação, pois a partir dele é possível encontrar ou presumir a formação do preço de venda do produto, principalmente na hipótese da simples revenda. Quanto aos bens submetidos a processo industrial, a denúncia do valor de importação parece não ser suficiente para revelar a formação do preço de venda.

Há informação de que o Poder Judiciário tem concedido liminar para afastar a obrigatoriedade das aludidas informações, sob o pressuposto básico de que essa informação é necessária ao Fisco e não aos particulares. Bem, isso pode ser verdadeiro, mas acaba criando outros tipos de problemas. Sem essa informação, a nova alíquota não tem condições de aplicação. Um exemplo ilustra bem a distorção que pode surgir da recusa de uma empresa importadora em fornecer o valor da importação para sua cliente, que seria uma empresa industrial, que usará a mercadoria adquirida como insumo. Sem a referida informação, a empresa industrial será forçada a adotar a alíquota interestadual ordinária (12% ou 7%), o que encarecerá seu produto vis a vis com suas concorrentes.

A concessão de liminares não representa segurança jurídica, uma vez que é normal o Poder Judiciário, em especial nas materiais controvertidas, ofertar a tutela imediata para posteriormente avaliar a questão com mais profundidade. Nesse momento, alguns aspectos poderão ser ponderados. A ausência da informação do valor da importação inviabilizará a aplicação da Resolução do Senado, que pretende restringir a denominada "guerra fiscal dos portos". Trata-se, portanto, de uma matéria cujos reflexos transcendem ao campo estritamente jurídico. Justamente por isso, algumas reflexões de ordem econômica podem ser aventadas. Deveras, é certo que a disponibilização do valor da importação pode permitir o conhecimento da formação do preço da fornecedora, o que, em princípio, representaria uma agressão a um segredo comercial. Essa avaliação, contudo, é muita relativa. Será que tal informação não revelará distorções nos preços relativos, que, no final, acabam encarecendo o preço dos produtos para o consumidor final?

Essas ponderações, à evidência, não visam desestimular a busca da tutela judicial. Representam, apenas, um alerta para o perigo de se fiar unicamente nessa alternativa, deixando de lado a tomada de medidas estruturais para enfrentar o problema criado pela adoção da nova alíquota interestadual. Entre tais medidas, não é despropositado imaginar que o CONFAZ decida alterar as regras procedimentais para a adoção da Resolução do Senado, pois a atual disciplina, além de extremamente burocrática, cria contencioso entre as empresas que trabalham com o bem importado.

Antônio Airton Ferreira

Bacharel em Economia e em Direito. Pós-graduado em Direito Constitucional pela PUC-Campinas (especialização latu sensu). Auditor Fiscal do Tesouro Nacional na DRF-Campinas durante 20 anos. Ex-Delegado da Receita Federal de Julgamento em Campinas-SP. Ex-professor de Direito Tributário na PUC - Campinas, Faculdade de Ciências Contábeis. Palestrante em vários cursos e seminários voltados para a área da legislação tributária federal.

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