Substituição Tributária Por Antecipação e o ICMS.

Ives Gandra Martins Filho

Pretendo neste artigo examinar a substituição tributária antecipatória em face do ICMS, à luz de alguns princípios constitucionais e também de casos concretos de sua utilização.

O primeiro deles é o princípio da não cumulatividade [1].

Coordenei Simpósio Nacional para discutir os fundamentos do referido princípio, tendo sido editado o livro Pesquisas Tributárias – Nova Série 10, O princípio da não cumulatividade (co-ed. Centro de Extensão Universitária-CEU/Ed. Revista dos Tribunais, 2004), com a colaboração dos seguintes autores: Aires Fernandino Barreto, Antonio Manoel Gonçalez, Fábio Brun Goldschimidt, Fátima Fernandes Rodrigues de Souza, Fernanda Guimarães Hernandez, Gustavo Miguez de Mello, Hugo de Brito Machado, Ives Gandra da Silva Martins, José Eduardo Soares de Melo, Kiyoshi Harada, Luiz Fux, Marilene Talarico Martins Rodrigues, Misabel Abreu Machado Derzi, Octavio Campos Fischer, Oswaldo Othon Pontes de Saraiva Filho, Ricardo Lobo Torres, Roberto Ferraz, Sacha Calmon Navarro Coelho, Vittorio Cassone e Yoshiaki Ichihara, com palestra inaugural do Min. José Carlos Moreira Alves [2].

A maioria dos trabalhos apresentados concluiu que se trata de princípio constitucional obrigatório para o IPI e para o ICMS, e facultativo para as contribuições sociais, não havendo impedimento de que seja adotado para outros tributos circulatórios, se assim o legislador ordinário o desejar.

No que diz respeito ao ICMS, dispõe a C.F. o seguinte:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

……

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

….

§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) [3]

I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

….” (grifo meu).

Como se vê, o constituinte afirma que “será não-cumulativo”, e não, que “poderá ser” não-cumulativo.  Não é outorgada  faculdade ao legislador ordinário para afastar o princípio.

O vocábulo “cobrado”, por outro lado, não é apropriado. A cobrança ou não do imposto na etapa anterior é elemento absolutamente irrelevante para que o tributo incida na etapa subseqüente. Deve, pois, ser entendido que o que caracteriza o direito à compensação – pela qual se opera o princípio da não-cumulatividade – do crédito correspondente ao imposto incidente na etapa anterior, é o tributo ser devido. O vocábulo correto seria, portanto, “incidente”, pois a incidência de tributo numa operação é que permite a compensação do respectivo crédito, na etapa subsequente [4].

O certo, todavia, é que em virtude do princípio da não- cumulatividade, a sistemática da compensação, é inerente ao imposto. A tributação incidente sobre o produto final, apurada mediante a aplicação da alíquota estabelecida em lei sobre a base de cálculo da operação em que se dá a entrega ao consumidor, deve corresponder à soma das incidências ocorridas ao longo de todo o ciclo circulatório, o que se alcança compensando-se, em cada operação, o valor das incidências anteriores, para evitar a acumulação, ou a chamada tributação em cascata.

Tenho o entendimento de que o ICMS não pode deixar de ser “não-cumulativo” em hipótese alguma, por ser essa uma imposição constitucional. Assim, ressalvadas as exceções expressamente previstas na Constituição, não pode ser transformado em tributo monofásico, a não ser que a circulação se exaura numa única operação  [5].

Qualquer legislação que elimine o princípio da “não-cumulatividade” no ICMS, apenas poderia ser considerada constitucional, se corresponder a uma opção do contribuinte, no exercício de seu direito de dispor de “direitos disponíveis”. Jamais por opção do Estado.

Quer dizer: a adoção de regimes cumulativos não pode ser determinada pela autoridade legislativa, visto que a não-cumulatividade no IPI e no ICMS é direito constitucionalmente garantido ao contribuinte. Se este, todavia, aceitar abrir mão de seu direito de não arcar com o tributo incidente nas operações anteriores, por entender, por exemplo, que a adoção de alíquota, base de cálculo ou regimes mais favoráveis, embora cumulativos, diminuirão o peso final da tributação, poderá fazê-lo, pois o “princípio da não-cumulatividade” não é um direito indisponível, como o é, por exemplo, a inviolabilidade do direito à vida.

A primeira consideração, portanto, é que o princípio da não-cumulatividade não pode ser afastado pela lei ordinária, sem a aquiescência ou concordância do contribuinte quanto ao novo regime que o substituirá [6].

A segunda consideração diz respeito à denominada substituição tributária para frente, introduzida pelo § 7º do artigo 150 da Lei Suprema, no capítulo “Das limitações constitucionais ao poder de tributar”.

Tal forma de incidência antecipatória correspondente a operação futura objetivou reduzir o direito do contribuinte de só pagar o tributo quando da efetiva prática do fato gerador e dimensionado segundo esse fato. Na verdade, obriga-o a antecipar o pagamento de um tributo que incidirá no futuro, em decorrência de fato gerador a ser praticado por outrem, que ele, contribuinte substituto, nem sabe se será efetivamente devido e em que medida. Sacrificou-se o direito do contribuinte apenas em prol de antecipar receitas e de facilitar a fiscalização dos Erários, pela redução do número de sujeitos passivos da relação tributária.

A falta de cuidado do constituinte foi absoluta. Poderia ter colocado essa norma entre os princípios gerais, ao enunciar as espécies tributárias. Decidiu, contudo, ironicamente, colocá-la naquela seção dedicada às “limitações constitucionais ao poder de tributar”, como que afirmando, paradoxalmente, que a melhor  forma de limitar o poder de tributar, é aumentá-lo.

À evidência esse tipo de substituição tributária não se enquadra no conceito de “limitação ao poder de tributar”, mas configura um considerável alargamento  deste poder, em detrimento das garantias do contribuinte. A lógica saiu consideravelmente maculada, no texto constitucional. Neste particular, Konrad Hesse, em célebre comentário, tinha razão: “A necessidade não conhece princípios”.

Está o § 7º assim redigido:

“§ 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)[7].

Pela exegese do dispositivo constitucional, tenho entendido que a antecipação de tributo sobre fato gerador inexistente só pode ocorrer em relação:

1)    a uma única operação, antes do consumo;

2)    ao mesmo bem ou mercadoria em face do qual a antecipação do tributo se dá.

Se a antecipação pudesse referir-se a uma série de operações, difícil, senão impossível, ficaria a restituição, no caso da não realização do fato gerador futuro ou se sua realização se der por valores inferiores aos que serviram de base ao recolhimento antecipado do imposto. É que tal antecipação implica retenção do valor que supostamente virá a ser devido, calculado em relação à operação final. Ora, havendo uma multiplicidade de operações e de contribuintes que as protagonizem, caso termine por não ocorrer a operação com o consumidor final ou se ocorrer por valores menores, o último contribuinte teria dificuldades de obter do Erário, a restituição daquilo que não representa tributo, seja porque não houve a prática do fato gerador em virtude do qual o suposto tributo foi antecipado, seja porque ocorreu em dimensões mais reduzidas. [8]

A preocupação encontra justificativa na polêmica decisão do STF, segundo a qual, na hipótese de o preço de venda praticado pelo substituído ser inferior ao preço de pauta calculado pelo substituto, o diferencial  não poderá ser restituído, – o que implica aumento do valor da alíquota, ou o comprometimento da base de cálculo como critério dimensível do imposto, legitimando o indébito [9].

Não há, pois, como estender a substituição tributária para frente ou antecipatória a mais de uma operação que não aquela que destinar a mercadoria ao consumidor final. Até porque, a presunção da base de cálculo de múltiplas operações futuras, para estabelecer-se o valor a ser antecipado, corresponde a um exercício de futurologia, conduzindo a um valor arbitrário, divorciado do preço final e, pois, incompatível com os princípios da legalidade, da tipicidade cerrada e com as normas gerais de direito tributário – segundo os quais a base de cálculo deve representar o critério dimensível do fato gerador para fins de recolhimento do imposto.  

Ademais, a antecipação do fato gerador é incompatível com a presença de etapas de industrialização ao longo do ciclo circulatório, pois pressupõe que a mercadoria que sai, na operação futura, seja a mesma. Antecipa-se o tributo incidente sobre fato gerador futuro que tenha por objeto a mercadoria presente, e não qualquer outra em que ela possa vir a transformar-se, sob pena de violação ao princípio da legalidade.

Aqui também se verifica a razoabilidade de a antecipação limitar-se a uma operação antes do consumo. A mercadoria objeto da circulação deve ser a mesma, em todas as etapas, e sujeita à mesma alíquota e base de cálculo, para que o tributo guarde sintonia com os fatos geradores praticados.

Antecipação em relação a um produto intermediário, destinado a ser modificado ao longo do ciclo circulatório, contraria a racionalidade da própria sistemática, eis que o produto que sai não é o mesmo objeto da circulação anterior, podendo, inclusive, submeter-se a outra alíquota, por exemplo. Assim, fazer com que a substituição antecipatória abranja produtos diferentes viola a própria legalidade, que estabelece os critérios dimensíveis do tributo incidente sobre cada mercadoria.

Ademais, comprometida resta também a não-cumulatividade. Com efeito, não havendo na legislação norma autorizando o industrial a creditar-se pelo tributo recolhido antecipadamente em relação ao insumo, tributará a mercadoria por ele produzida – diferente da que deu causa ao regime de antecipação -, de maneira plena.  Vale dizer: pela falta de destaque, na nota fiscal, do ICMS anteriormente recolhido, o tributo torna-se cumulativo. [10].

Em conseqüência, para que o regime do ICMS traçado pela Constituição não seja literalmente implodido, a substituição tributária antecipatória, prevista no §7º do art. 150 da CF, há de submeter-se a limites: não pode abranger uma sucessão de operações que dificulte a restituição do valor recolhido a título de tributo, se o fato gerador não ocorrer ou ocorrer em dimensões mais reduzidas do que aqueles que serviram de base para o recolhimento antecipado, e tem que ter por objeto a mesma mercadoria tributada por antecipação, a ser entregue ao consumidor final. Por essa razão a dicção da lei suprema faz menção a

a)     responsabilidade do sujeito passivo ao qual seja atribuída pela lei a obrigação de recolher o imposto antecipadamente;

b)     presunção do fato gerador a ocorrer, posteriormente à operação por ele protagonizada, ou seja, a venda pelo sujeito passivo substituído ao consumidor final, da mesma mercadoria;

c)     assegurada a imediata e preferencial restituição daquela quantia paga antecipadamente, se a operação não ocorrer.

Em resumo: quem paga o tributo é quem compra, e quem compra tem que ter direito à restituição, se não conseguir repassar a mercadoria –a mesma- para o consumidor final [11].

Reitere-se a impossibilidade evidente de, em face da tributação de determinado bem, presumir-se base de cálculo, alíquota, preço, margem de lucro em relação a outros bens em que ele possa vir a se transformar, em decorrência de industrialização ou beneficiamento, sem ferir a legalidade.

Assim sendo, como segunda consideração sobre a sistemática da substituição tributária para frente, tenho para mim – ressalvado o “lapso constitucional” de colocar o aumento do poder de tributar entre as limitações a tal poder – que sua ocorrência só é possível tendo por objeto o mesmo produto e que a antecipação só pode ocorrer em relação a uma única operação antes de sua destinação ao consumidor final. Só, desta forma, na substituição tributária antecipatória, é possível preservar-se a legalidade, assegurar a adequação do valor do tributo às dimensões do fato gerador –  calculando-se o preço presumível da venda final ao consumidor -, a não-cumulatividade e o direito à restituição, em caso de não ocorrência do fato gerador presumido. [12].

A terceira consideração diz respeito ao artigo 8º, inciso II, letra “a”, da Lei Complementar nº 87/96.

Está assim redigido:

  “Art. 8º A base de cálculo, para fins de substituição tributária, será:

…..

II – em relação às operações ou prestações subseqüentes, obtida pelo somatório das parcelas seguintes:

a) o valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituto tributário ou pelo substituído intermediário;

….”.

Claramente, o dispositivo está a aludir a operações com  o mesmo produto. Há um sujeito passivo que é colocado na situação de substituto em relação ao sujeito passivo de uma operação futura e incerta, e que deverá antecipar o imposto relativo à entrega da mercadoria ao consumidor; e há o substituído, que, ou adquirirá a mercadoria e a consumirá (deixando de ser substituído para tornar-se consumidor final) ou  a venderá para um comprador final.[13].

É interessante notar que o artigo 8º, inciso II, letra “a”, faz menção a apenas dois sujeitos passivos: o substituto tributário e o substituído intermediário, o que conduz à interpretação de uma única operação antes da entrega ao consumidor final.

Daí a interpretação que dei ao § 7º do artigo 150 da Lei Suprema, de que a antecipação só é cabível em relação a uma única operação. O sujeito passivo substituto recolhe o tributo incidente na operação praticada entre ele e o substituído, e retém e recolhe o imposto correspondente ao preço de venda do produto ao consumidor, operação futura, a ser praticada pelo substituído.

 

Note-se que, ainda assim, a sistemática cria agravos ao direito do contribuinte, pois cria-se uma alíquota variável para o imposto, que corresponderá à alíquota legal, se o preço final corresponder ao valor resultante do critério legal estabelecido na lei para a substituição tributária, ou será maior do que ela, se o preço de venda da mercadoria alcançado pelo substituído no mercado for inferior àquele valor.

Concluo, pois, esta parte do artigo, reiterando que, no meu entender, a denominada substituição tributária antecipatória só pode ocorrer tendo em vista o mesmo produto e abranger uma única operação, antecipando-se o imposto incidente na etapa subseqüente, de entrega da mercadoria ao consumidor final, a teor do que estabelecem tanto o § 7º, do art. 150, da C.F., como o artigo 8º, inciso II, letra “a”, da L.C. nº 87/96.

Mesmo que se admitisse, como fazem alguns intérpretes, que a substituição é cabível em relação a mais de uma operação, é inegável que, por força dos princípios da legalidade e da razoabilidade, tem que ter por objeto o mesmo produto.

Tanto é assim que o artigo 264, § 4º, inciso I, do RICMS/2000, do Estado de São Paulo, dispõe:

“salvo disposição em contrário, não se inclui na sujeição passiva por substituição, subordinando-se às normas comuns da legislação, a saída, promovida por estabelecimento responsável pela retenção do imposto, de mercadoria destinada a integração ou consumo em processo de industrialização”.

O dispositivo segue, pelo menos em parte, a exegese que oferto, desde a edição do  § 7º do art. 150 da Lei Suprema, ao dizer que

não se inclui na sujeição passiva”

a

“saída, promovida por estabelecimento responsável pela retenção do imposto, de mercadoria destinada a integração ou consumo em processo de industrialização” [14].

O que de inconstitucional tem o dispositivo é a observação:

“salvo disposição em contrário”

visto que a Lei Maior não abre nenhum campo para tornar a substituição tributária cabível em relação a outras mercadorias que não aquela objeto da operação praticada entre substituto e substituído.

Em outras palavras, não há possibilidade de adoção do sistema para alcançar:

a) operações tendo por objeto mercadorias resultantes da industrialização da mercadoria tributada por antecipação;

b) mais de uma operação subseqüente àquela em que ocorre a antecipação, pela impossibilidade real de se presumir, na pauta antecipatória, o preço final com grande elasticidade, sem ferir o princípio da estrita legalidade, tipicidade fechada e reserva absoluta da lei [15].

O substituído deve ser o adquirente que deverá repassar a mercadoria ao consumo, como, por exemplo, ocorre, na substituição tributária da indústria automobilística. O fabricante é o substituto em relação ao imposto incidente sobre a operação em que a concessionária vende o veículo para um comprador final.

Desta forma, o “salvo disposição em contrário” é  disposição legal de manifesta inconstitucionalidade por prever hipótese não permitida pela Lei Suprema, seja em relação à substituição tributária para a frente, seja em relação à obrigatoriedade de adoção do princípio da não-cumulatividade. Lamentavelmente, esse princípio vem sendo incinerado por legisladores, que, por meio da legislação ordinária, pretendem retirar a não- cumulatividade do ICMS – obrigatória nos termos da pela Lei Suprema -, e torná-la facultativa, subvertendo a supremacia constitucional  [16].

É interessante notar que a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, pela CAT (Coordenadoria da Administração Tributária) e CT (Consultoria Tributária), respondendo a Consulta 787/2008, em 10/11/2008, formulada por estabelecimento vendedor de produtos para restaurantes, manifestou-se no seguinte sentido:

“Assunto:

ICMS — Substituição tributária — Saída de mercadoria promovida por estabelecimento responsável pela retenção do imposto com destino diretamente a estabelecimentos que as integrarão ou consumirão em seu processo de industrialização e com destino a distribuidores logísticos dessas empresas – Aplicabilidade da exceção prevista no artigo 264, inciso I, do RICMS/2000 à primeira situação, sendo que a aplicação na segunda situação condiciona-se à caracterização dos respectivos distribuidores logísticos como depósitos fechados, conforme definido no artigo 17. 1. do RICMS/2000” [17],

tendo concluído a resposta com a seguinte orientação:

“6. Cabe esclarecer, inicialmente, que a razão de ser da exceção à aplicação de regime de substituição tributária, prevista no inciso I do artigo 264, ora transcrito, decorre do fato de que quando a mercadoria é integrada ou consumida em processo de industrialização ela perde a sua individualidade, passando a fazer parte de outro produto, de maneira que, torna-se impossível nova saída dessa mercadoria, restando, assim, impossibilitada a aplicação do regime de substituição tributária relativamente a essa mercadoria. Dessa forma, pode-se deduzir que a exceção prevista no inciso I do artigo 264 tem finalidade meramente didática [18].

7. Assim, a aplicação da exceção prevista no inciso I do artigo 264 do RICMS/2000 ocorre apenas quando o substituto tributário promove a saída de mercadoria destinada a estabelecimento industrial o qual a adquire para integração ou consumo em seu processo de industrialização. Mesmo nessa situação, caso o estabelecimento industrial não integre ou consuma a mercadoria em seu processo de industrialização estará descaracterizada a situação prevista no inciso I, cabendo a aplicação do disposto no § 4° do artigo 264 (‘na ocorrência de qualquer saída ou evento que descaracterizar situação prevista nos incisos, o imposto relativo à substituição tributária será exigido do remetente, podendo o fisco exigi-lo do destinatário’)  [19].

8. Dessa forma, relativamente às saídas internas promovidas pela empresa na condição de responsável pela retenção do imposto envolvendo as mercadorias constantes do § 1° do artigo 313-W do RICMS/2000, destinadas diretamente a estabelecimentos que as integrarão ou consumirão em processo de industrialização (caso das cozinhas industriais e restaurantes, conforme relato) não se aplica a substituição tributária em comento, com fundamento no artigo 264, I, do RICMS/2000, observado o disposto no § 4° desse artigo”.

É importante realçar a observação de que a exclusão do regime de substituição

“decorre do fato de que quando a mercadoria é integrada ou consumida em processo de industrialização perde sua individualidade”,

pois passa a fazer parte de

“outro produto, de maneira que torna-se impossível nova saída dessa mercadoria” (grifos meus) [20].

Tal orientação foi expendida em relação a um restaurante.

Em linha contrária à orientação retratada na consulta acima referida e adotando entendimento violador da Constituição Federal, encontra-se a decisão do Secretário da Fazenda, em caso de interesse da Associação Nacional de Restaurantes, sobre preparados para a fabricação de sorvete, ao admitir que a substituição tributária relativa a essa mercadoria possa alcançar outra mercadoria, ou seja, o sorvete, produto resultante de sua industrialização. Veja-se a fundamentação, nitidamente maculadora da Lei Suprema:

“3 Registre-se, porém, que a substituição tributária de preparados para sorvete em máquina nada mais faz que servir-se da mercadoria que permite identificar, em etapa anterior da cadeia de circulação, o produto final a ser alcançado (sorvete), a exemplo do que ocorre com o preparado para refrigerante em maquina (coca-cola, etc.).

4. Uma vez feita a substituição, todos os custos compreendidos na produto final (energia elétrica, acessórios etc.) já foram devidamente considerados, eis que refletidos no preço final do produto em foco, que é o que importa em caso de substituição tributária” [21].

Ressalte-se, na manifestação, a seguinte observação:

“Uma vez feita a substituição, todos os custos compreendidos no produto final (energia elétrica, acessórios etc.) já foram devidamente considerados, …”

Ora, é a própria Secretaria que reconhece que o produto (preparado para a fabricação de sorvete), não é sorvete e não pode ser assim considerado pelo freqüentador do restaurante. Não é produto acabado. Sem a transformação em sorvete, com os acréscimos de todos os ingredientes que lhe dão a conformação, NÃO PODE SER CONSUMIDO. Em outras palavras, preparado para a fabricação de sorvete NÃO É SORVETE; para se transformar em sorvete tem que ser beneficiado, afastando-se, pois, a substituição antecipatória relativamente a essa outra mercadoria, por força do artigo 150, § 7º, da Lei Suprema e do próprio artigo 264, § 4º, inciso I do RICMS [22].

De pouco vale que, em face da antecipação do imposto relativo a preparado para a fabricação de sorvete, a pauta tributária pretenda conformar  a base de cálculo da operação tendo por objeto o produto que vier a surgir, se o preparado for transformado ou beneficiado.

A saída, promovida pelo estabelecimento responsável pela retenção do imposto do preparado destinado à fabricação de sorvete, para o estabelecimento em que o sorvete será produzido, não pode ser objeto da substituição tributária antecipatória, a teor do disposto no art. 264, § 4º, inciso I, do RICMS.

Assim, a substituição tributária antecipatória só é aplicável com relação à operação subseqüente e desde que ela corresponda à saída do mesmo produto para consumo.

Interessante questão foi decidida pelo Ministro Humberto Martins, adotando o mesmo entendimento que sustento, quer quanto a necessidade de tratar-se  do mesmo produto, quer de uma única operação antes do consumo.

Segundo seu voto, o substituído não tem qualquer relação com o Fisco e a sua relação com o substituto é de natureza privada e não de natureza tributária.

Ora, se mais de uma operação fosse admitida, nem esta relação privada poderia ocorrer, visto que o terceiro adquirente não consumidor teria uma relação com o substituído não contribuinte, e não com o substituto responsável.

Leia-se a sua concisa explicação do que seja a substituição tributária:

“Todo o problema referente à natureza das relações jurídicas entre substituto e substituído resolve-se pelas três conclusões adiante indicadas. O fundamento científico-jurídico sobre o qual estão baseadas as três conclusões foi exposto quando se demonstrou que a valorização dos interesses em conflito e o critério de preferência que inspiraram a solução legislativa (regra jurídica) participam da objetividade da regra jurídica e não podem ser reexaminados, nem suavizados pelo intérprete sob o pretexto de uma melhor adequação à realidade econômico-social.

As três referidas conclusões são as seguintes:

Primeira conclusão: Não existe qualquer relação jurídica entre substituído e o Estado. O substituído não é sujeito passivo da relação jurídica tributária, nem mesmo quando sofre a repercussão jurídica do tributo em virtude do substituto legal tributário exercer o direito de reembolso do tributo ou de sua retenção na fonte.

Segunda conclusão: Em todos os casos de substituição legal tributária, mesmo naqueles em que o substituto tem perante o substituído o direito de reembolso do tributo ou de sua retenção na fonte, o único sujeito passivo da relação jurídica tributária (o único cuja prestação jurídica reveste-se de natureza tributária) é o substituto (nunca o substituído).

Terceira conclusão: O substituído não paga ‘tributo’ ao substituto. A prestação jurídica do substituído que satisfaz o direito (de reembolso ou de retenção na fonte) do substituto, não é de natureza tributária, mas, sim, de natureza privada”  [23].

Passo, agora, a outra ordem considerações, também vinculada à legislação infraconstitucional.

O artigo 5º, incisos I e II do RIPI têm a seguinte dicção:

“Art. 5º Não se considera industrialização:

        I – o preparo de produtos alimentares, não acondicionados em embalagem de apresentação:

        a) na residência do preparador ou em restaurantes, bares, sorveterias, confeitarias, padarias, quitandas e semelhantes, desde que os produtos se destinem a venda direta a consumidor; ou

        b) em cozinhas industriais, quando destinados a venda direta a corporações, empresas e outras entidades, para consumo de seus funcionários, empregados ou dirigentes;

        II – o preparo de refrigerantes, à base de extrato concentrado, por meio de máquinas, automáticas ou não, em restaurantes, bares e estabelecimentos similares, para venda direta a consumidor (Decreto-lei nº 1.686, de 26 de junho de 1979, art. 5º, § 2º); …” [24].

A exclusão do preparo de produtos alimentares do conceito de industrialização, embora conste da legislação do IPI, não consta do regime legal do ICMS. Assim, qualquer alteração decorrente de preparação de produtos alimentares representa, perante a lei estadual, de rigor, uma industrialização, como, aliás, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo respondeu ao Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados do Estado de São Paulo – SINDICARNES:

“1. O Consulente, sindicato que representa as empresas que industrializam e comercializam carne no Estado de São Paulo, transcreve o artigo 313-W, § 1”, item 9, “a” e “b”, do RICMS/2000, menciona os produtos presunto, lingüiça, pala e copa, o primeiro e o segundo utilizados na preparação de pizza, o terceiro, na preparação de feijoada e o quarto, na preparação de sanduíche, e indaga se “seus associados devem recolher o ICMS-ST quando a venda se destinar a restaurantes, bares, ambulantes e congêneres que venham a processar os produtos para a consecução de novos produtos (pratos, lanches, etc.) ou se devem, na forma do artigo 264 do RICMS, recolher apenas o ICMS da operação própria”.

2. Preliminarmente, registramos que a presente resposta adotará como premissas que os estabelecimentos adquirentes dos produtos vendidos pelos estabelecimentos representados pelo Consulente: (i) são todos inscritos no Cadastro de Contribuintes do ICMS deste Estado e (ii) não revendem os produtos relacionados no § 1° do artigo 313-W do RICMS/2000 tal como os adquirem, ou seja, presumimos que tais estabelecimentos utilizam referidos produtos, na totalidade, na preparação de refeições. [25]

3. Nos termos do inciso I do artigo 264 do RICMS/2000, salvo disposição em contrário, não se inclui na sujeição passiva por substituição, subordinando-se às normas comuns da legislação, a saída, promovida por estabelecimento responsável pela retenção do imposto, de mercadoria destinada a integração ou consumo em processo de industrialização. (grifos meus)

4. Desse modo, consideradas as premissas constantes no item 2 supra, os filiados do Consulente, tendo em vista o disposto no artigo 264, I, do RICMS/2000, não devem efetuar a retenção antecipada do ICMS quando a saída interna de produto relacionado no § 1° do artigo 313-W desse Regulamento se destinar a restaurante, bar ou ambulante que o utilize como ingrediente na preparação de um novo produto (prato, lanche, etc.). [26]

Como se percebe, a elaboração de produtos alimentares é considerado processo de beneficiamento, não o excluindo, a legislação estadual, do conceito de industrialização, como ocorre com a do IPI.

Apenas, a título comparativo, na referida resposta, há produtos fornecidos pelos frigoríficos ou revendedores que PODEM SER CONSUMIDOS na forma em que são vendidos, como o presunto, a lingüiça; mas, se forem utilizados, por exemplo, para o preparo de uma pizza, o beneficiamento se caracteriza [27].

No caso dos preparados para sorvete, o beneficiamento é imprescindível, na medida em que, sem sua elaboração no restaurante, NÃO PODE SER CONSUMIDO. O beneficiamento impõe-se, portanto.

O mesmo não ocorre, todavia, com produtos como  lingüiça ou presunto, que podem ser consumidos “in natura”. À evidência, se eles integrarem um outro “produto alimentar”, como o sanduíche, perdem a sua individualidade. Quem compra um sanduíche não adquire só lingüiça ou presunto, mas o conjunto formado por todos os seus ingredientes. Neste caso há, pois, um processo de elaboração, ao qual se aplica, necessariamente, a exclusão do artigo 246, § 4º, inciso I, do RICMS [28].

Com muito mais razão isso ocorre com o preparado para a fabricação de sorvete, que, repito, não pode ser consumido sem beneficiamento. Em relação a esse produto, o preparo é muito mais caracterizado  com processo de industrialização do que em relação a outros produtos que podem ser consumidos “in natura” ou integrar outros produtos.

Por fim duas outras observações fazem-se necessárias.

A primeira é que convênios celebrados pelos Estados não podem mudar a Constituição. A Constituição dá-lhes competência para regular alguns aspectos do  regime do ICMS, por se tratar de um imposto que, embora possuindo vocação nacional, foi outorgado à competência dos Estados. Daí, aliás, é que decorrem os inúmeros problemas que seu regime enfrenta e que são inexistentes no IPI e no IVA da maior parte dos países. No entanto, não possuem os convênios – atos administrativos que são – competência para modificar a Lei Maior [29].

Note-se que tanto o inciso VI, do § 2º, do art. 155, como a letra “g” do inciso XII do mesmo parágrafo cuidam dessa forma de deliberação conjunta dos Estados, onde não se vislumbra poder modificativo, estando os dispositivos assim redigidos:

Art. 155 …..

§ 2º ….

VI – salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais;

XII – cabe à lei complementar:

…….

g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. …”; [30].

Alem disso, os convênios não podem prescindir da legislação autorizativa do Estado para ganhar eficácia, pois o princípio da legalidade rege qualquer sujeição tributária, por força do artigo 150, inciso I, da Lei Suprema, assim redigido:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;…” [31]

Quanto à legislação específica do ICMS, é de se lembrar que a Lei nº 9176 de 02/10/95, no inciso I, do artigo 8º determinava:

“Artigo 8°_- São sujeitos passivos por substituição, no que se refere ao imposto devido pelas operações ou prestações com mercadorias e serviços adiante nominados:

I- o destinatário da mercadoria – comerciante, industrial, cooperativa ou qualquer outro contribuinte, exceto produtor ou extrator de minério – quando devidamente indicado na documentação correspondente, relativamente ao imposto devido na saída promovida por produtor ou extrator de minério;….” ,

estando o inciso X assim redigido:

“X- quanto a sorvete, de qualquer espécie, relativamente ao imposto devido nas operações subseqüentes até consumo final:

a) o fabricante ou importador;

b) o distribuidor, depósito ou atacadista situado em outro Estado ou no Distrito Federal que promova saída da mercadoria a estabelecimento paulista;

….”,

tendo sido alterado pela Lei 12.681/07, em seu artigo 8º, inciso X:

"X – quanto a sorvete, de qualquer espécie, e preparados para fabricação de sorvete em máquina para venda direta a consumidor, relativamente ao imposto devido nas operações subseqüentes até o consumo final; …" (grifos meus).

A lei fala em “fabricação de sorvete”. Ora, fabricação é industrialização em qualquer país, povo, cultura ou regime jurídico do mundo.

Na inteligência, que dou, todavia, à substituição tributária antecipatória – abrangente de uma só operação e de um só produto, a fim de que os princípios da não-cumulatividade e da legalidade não sejam atingidos, o que fatalmente ocorreria, se o valor antecipado correspondesse a diferentes produtos, tributados a diferentes alíquotas, com a conseqüente desfiguração do preço de pauta em relação àquele efetivamente praticado -, as operações subseqüentes só podem ser aquelas em que o adquirente entregará o produto ao consumidor final, tendo o tributo a ela correspondente sido retido e recolhido antecipadamente na operação de saída do fabricante para seu estabelecimento [32].

De qualquer forma, em relação aos preparados de sorvete, cuja destinação natural é a industrialização e não o consumo in natura, impõe-se a indagação sobre o cabimento da substituição tributária.

 

“a partir da Lei 12.681/07 (que alterou o art. 8°, X da Lei 6.374), o art. 295 do RICMS passou a prever expressamente a substituição tributária na saída de sorvete ou de preparado para fabricação de sorvete de máquina, com destino a estabelecimento localizado em território paulista.

Sobre essa norma, é interessante observar que a lei 6.374, na redação da Lei 9176/95, em vigor quando da celebração do Protocolo ICMS 20/05, só autorizava a substituição relativamente a sorvetes. Portanto, o convênio foi celebrado sem respaldo na lei paulista 

Assim, o referido protocolo que submeteu o preparado para a fabricação de sorvete ao regime da substituição  antecipatória incorreu em nítida violação à legislação tributária em vigor quando de sua edição, bem como à Lei Suprema. Padece, pois, de ilegalidade e de inconstitucionalidade indireta, vícios que não são suscetíveis de ser sanados pela alteração legislativa representada pelo advento da Lei 12.681/07.  [33]

Mas ainda que tal saneamento fosse possível, o simples fato de o preparado para fabricação de sorvete destinar-se à utilização no processo de industrialização e de a saída na operação subseqüente não ser da mesma mercadoria, mas do produto de sua transformação, já representa impedimento material a que a substituição tributária, tal qual prevista na Constituição, possa ser aplicada.

Isso mostra a sintonia do art. 8º, I da Lei nº 9176 de 02/10/95, com o desenho constitucional da figura da substituição tributária, e a incompatibilidade da disciplina da Lei 12.681/07 com esse desenho.

A matéria merece, portanto, reflexão, assim como o debate judicial é relevante para que se obtenha, de uma vez por todas, a interpretação definitiva.

 

                     São Paulo, 09 de Março de 2010.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

IGSM/mos

P2010-002 via publicada



[1]  Escrevi:  "Embora semelhante, em variados aspectos, ao imposto sobre o valor agregado adotado, com pequenas distinções, por países da Europa e da América, o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, no Brasil, tem características diferenciais mais nítidas que as convergências, razão pela qual o seu estudo deve ser feito a partir de seus próprios contornos, com breve referência ao direito comparado.

Jean Jacques Philippe, em seu "La taxe sur la valeur ajoutée" (Ed. Berger – Levrault), ao dizer: "Impôt moderne, la TVA est cependant l’heritière d’une histoire déjà longue" (p. 21), enumera, embora de forma perfunctória, a evolução desde 1917, passando pelas "Taxes Genérales sur les affaires et taxes uniques spéciales (1917-1936)", "la taxe sur les paiements (1917-1920)", "l’impôt sur chiffre d’affaires (1920-1936)", "les taxes uniques (1925-1936)", "la taxe à la production (1937-1954" até chegar à lei francesa de nº 54.404, de 10/4/1954, que instituiu a primeira TVA, substituída posteriormente pela lei de 6/1/1966, que passou a vigorar a partir de 1/1/1968” (Caderno de Pesquisas Tributárias, vol. 3, O fato gerador do ICM, co-ed. Ed. Resenha Tributária/Centro de Estudos de Extensão Universitária, São Paulo, 1991, p. 287).

 

[2]  O Ministro Moreira Alves, na palestra no referido Simpósio lembrou lição de Aires Fernandino Barreto, ao dizer:  “Há aqui um trabalho que achei bastante interessante de autoria do Dr. Aires Barretos, que faz uma análise, a partir de tese inicialmente defendida pelo Prof. Tercio Ferraz, no sentido de que o texto constitucional trata dessa questão com referência ao ICMS e não ao IPI. Para o ICMS, ele salienta que o princípio fundamental é a regra que vem da não-cumulatividade, no sentido de impedir que o imposto tenha efeito em cascata. E que as exceções seriam essas duas: a exceção relativa ao problema da isenção e da não-incidência. Então, diz ele, toda vez em que há uma regra geral e uma regra excepcional, isso faz com que tenhamos como que dois círculos concêntricos, sendo o círculo maior culpado pela regra geral e o círculo menor pela exceção. Em face dessas circunstâncias, que são até de ordem lógica, o que temos é que estas exceções só devem ser aplicadas quanto ao método utilizado para o ICMS, para que, em decorrência da não-cumulatividade, o imposto final seja resultante da multiplicação da alíquota pelo preço final, que deve bater com a soma de todos aqueles fracionamentos e pagamentos de imposto nas diferentes operações. As exceções só seriam aplicáveis quando, na apuração do imposto final, se constatasse que a soma do que incidiu nas várias etapas de fracionamento do ciclo, fosse maior do que o valor apurado mediante a aplicação da alíquota sobre o preço final” (Caderno de Pesquisas Tributárias, Nova Série 11, Limitações ao poder impositivo e segurança jurídica, co-ed. Centro de Extensão Universitária/Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 20).

[3]  Hugo de Brito Machado ensina: “A não-cumulatividade pode ser vista como princípio e também como técnica.

É um princípio, quando enunciada de forma genérica, como está na Constituição no dispositivo que se reporta ao IPI dizendo que esse imposto "será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores". 5 Ou como está no dispositivo que se reporta ao ICMS dizendo que esse imposto "será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal". Em tais enunciados, embora já esteja de certa forma definido o que se deva entender por não-­cumulatividade, não se estabelece exaustivamente o modo pelo qual esta será efetivada. Não se estabelece a técnica. Tem-se simplesmente o princípio.

A técnica da não-cumulatividade, a seu turno, é o modo pelo qual se realiza o princípio. Técnica é "maneira ou habilidade especial de executar algo". Assim, a técnica da não-cumulatividade é o modo pelo qual se executa ou se efetiva o princípio” (Pesquisas Tributárias – Nova Série 10, ob. cit. p. 72).

 

[4]  Escrevi: “Continua o constituinte a incidir na mesma terminologia incorreta do Texto anterior. A compensação não se dá por força do imposto cobrado na operação anterior, mas do imposto incidente. O imposto poderá nunca ser cobrado, mas gerará direito a crédito, posto que a incidência é aquela determinadora do crédito, como bem já decidiu o Supremo Tribunal Federal nas questões que lhe foram levadas ou como já demonstrei em parecer sobre a matéria” (O Sistema Tributário na Constituição, 6ª. ed., Ed. Saraiva, 2007, São Paulo, p. 548).

[5]  Idêntica inteligência adotam Sacha Calmon Navarro e Misabel Derzi: “Na Constituição de 1988, entretanto, um único ponto contrasta com a uniformidade de tratamento dado ao princípio da não-cumulatividade, no IPI e no ICMS.  É que o art. 155, § 2°, II, estabelece regra de exceção ao princípio da não-cumulatividade, aplicável tão-somente ao ICMS, a saber:

“Art. 155, § 2º, II — A isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação:

a) não implicará crédito para compensação com montante devido nas operações ou prestações seguintes;

b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores “.

A exceção apontada — em relação ao ICMS —  veio para afastar jurisprudência do STF, correta e adequada, porém contrária aos interesses arrecadatórios dos Estados membros, que concedia crédito em relação às operações isentas ou imunes.

Entretanto, nenhuma outra exceção existe na Constituição em vigor, além daquela acima referida. Nem relativamente à espécie de mercadoria adquirida, nem no que concerne à sua durabilidade, consumo ou interação ao produto final” (Pesquisas Tributárias, Nova Série 10, O princípio da não-cumulatividade, co-ed. Centro de Extensão Universitária/Ed. Revista dos Tribunais, 2004, São Paulo, p. 110/111).

 

[6]  Embora a Constituição Federal declare que o imposto sobre a renda incida sobre esta, que na definição do art. 43 do CTN é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de produto do capital, do trabalho ou da conjunção de ambos (receita-despesa), as empresas podem optar, se seu faturamento for até 48 milhões de reais, por ser tributado apenas sobre a receita e não sobre a renda. A opção, todavia, é do contribuinte e não da Receita Federal.

 

[7]  Edison Fernandes lembra, ao comentar o dispositivo, que:  “Mesmo no âmbito das correntes doutrinárias que consideram constitucional a substituição tributária — especialmente a chamada progressiva —; um ponto bastante controvertido diz respeito à base de cálculo, pois não é somente o fato gerador que é presumido, mas também esse elemento quantitativo da obrigação tributária (base de cálculo). Diferentemente do fato gerador presumido, que guarda vínculo com a realidade e apresenta bastante probabilidade de ocorrer, a mesma sorte não tem a base de cálculo presumida, já que ela é intimamente influenciada pelas condições do mercado” (Curso de Direito Tributário, coordenador Ives Gandra Martins, 12ª. ed., Ed. Saraiva, 2010, São Paulo, p. 298).

 

[8]  Adriano Pinto esclarece:  “A chamada substituição tributária “para frente” autorizada pela EC-3/93 (Constituição de 1988, provocou a extinção do ICMS plurifásico não cumulativa e a implantação, em seu lugar, de um imposto monofásico na produção e na importação, e outro, também monofásico, nas vendas a varejo ou prestação de serviço a consumidor final.

Infelizmente, o STF impermeabilizou o autoritarismo dessa construção fisiológica, existindo, hoje, uma verdadeira letargia doutrinária a respeito.

Pratica-se uma cobrança arbitrária e antecipada do ICMS sob formato burocrático de substituição tributária para a frente, sem qualquer respeito aos direitos constitucionais do contribuinte, e com agravamento do ônus além do que seria devido sem a malsinada substituição tributária, operada à base da famigerada pauta fiscal” (Não cumulatividade tributária, co-ed. Dialética/ICET Inst. Cearense de Ests. Tributários, Fortaleza, 2009, p. 15).

 

[9]  No acórdão retrocitado lê-se na continuação: “Admitir o contrário valeria por despojar-se o instituto das vantagens que determinaram a sua concepção e adoção, como a redução, a um só tempo, da máquina-fiscal e da evasão fiscal a dimensões mínimas, propiciando, portanto, maior comodidade, economia, eficiência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação. Ação conhecida apenas em parte e, nessa parte, julgada improcedente” .

 

[10]  José Carlos de Souza Costa Neves lembra que: “O sistema mais utilizado, já se vê, é o do "imposto sobre imposto", adotado no Brasil, com algumas modificações, que nos permitem afirmar que o nosso sistema de cálculo do montante do tributo devido é de uma terceira espécie: de apuração periódica.

Com efeito, no Brasil, ao final de cada período mensal o contribuinte deve lançar, de um lado o crédito de 1CM que veio destacado nos documentos fiscais de entradas de mercadorias em seu estabelecimento, mais o eventual saldo credor de imposto que possuía em seus livros, de período anterior; de outro, deve lançar o montante do 1CM devido pelas saídas tributadas que promoveu. Deste cotejo pode surgir: ou o montante de tributo a recolher (Créditos menores que o 1CM devido pelas saídas) ou o saldo credor a transferir para o exercício seguinte (créditos maiores que o 1CM devido pelas saídas)" (Comentários ao Código Tributário Nacional, volume 5, ed. IBET/ed. Res. Tributária, 1979, p. 239).

 

[11]  Hugo de Brito Machado ensina:  “Por tais razões, mesmo admitindo que a não-cumulatividade pode ter, em tese, algumas vantagens, à questão de saber se a substituição tributária para frente neutraliza, em parte, essas vantagens, respondemos:

A substituição tributária “para frente” neutraliza inteiramente as vantagens que porventura possam ser apontadas na não-cumulatividade. Ressalte-se, ainda, que a figura da substituição tributária tem sido extremamente deturpada no âmbito do ICMS, prestando-se desta forma para ensejar a cobrança antecipada do imposto mesmo em situações nas quais nem se pode falar de substituição. E assim que em alguns Estados, como ocorre no Ceará, a legislação desse imposto impõe, em relação a quase todas as mercadorias, o pagamento antecipado nas entradas em operações interestaduais. O comprador, estabelecido no Estado, funciona como substituto dele próprio, o que chega a ser ridículo em termos jurídicos” (Não-cumulatividade tributária, ob. cit. p. 200).

 

[12]  Yoshiaki Ichihara esclarece: “A substituição tributária “para frente” é uma figura esdrúxula do Direito Tributário, uma vez que ao constitucionalizar a hipótese da existência do “fato gerador presumido”, na prática importa em exigir o pagamento do tributo (da parte que cabia ao substituído), sem a ocorrência do fato gerador.

Juridicamente é a cobrança do imposto sem o nascimento da obrigação tributária. Apesar de entendermos ser ilógico e, por isso, inconstitucional, o STF já firmou posição sobre a constitucionalidade da substituição tributária para frente” (Não-cumulatividade Tributária, ob. cit., p. 509).

 

[13]  Na ADI 1851/AL a emenda refere-se claramente a duas figuras (substituto e substituído) o que pressupõe uma operação antes da entrega do produto ao consumidor: “A circunstância de ser presumido o fato gerador não constitui óbice à exigência antecipada do tributo, dado tratar-se de sistema instituído pela própria Constituição, encontrando-se regulamentado por lei complementar que, para definir-lhe a base de cálculo, se valeu de critério de estimativa que a aproxima o mais possível da realidade. A lei complementar, por igual, definiu o aspecto temporal do fato gerador presumido como sendo a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte substituto, não deixando margem para cogitar-se de momento diverso, no futuro, na conformidade, aliás, do previsto no art. 114 do CTN, que tem o fato gerador da obrigação principal como a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. O fato gerador presumido, por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo a restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não-realização final” (julgamento 08/05/2002, órgão julgador: Tribunal Pleno, Publicação: DJ 22/11/2002, p. 55, Ement. Vol. 2092-01, p. 139, republic. DJ 13/12/2002, p. 60).

 

[14]  Fiz dura crítica quando da edição do § 7º do artigo 150: “Para mim, o princípio da legalidade, que vincula a ocorrência do fato gerador à imposição tributária, é direito individual do contribuinte, motivo porque não poderia um dispositivo ainda que constitucional considerar que possa haver imposição sem fato gerador’.

A própria denominação utilizada no § 7° de “fato gerador pré sumido” – isto é, “fato gerador fictício”, “pretendido”, mas não “ocorrido” – demonstra que o legislador supremo criou autêntico empréstimo compulsório, a ser devolvido sempre que o fato gerador “spielberguiano” de “efeitos especiais”, inexistente, a não ser na imaginação das autoridades fiscais, não venha a ocorrer. Em outras palavras, criou-se a teoria do “wishfull thinking” em direito, vale dizer, o que se deseja ver realizado no futuro é tido como realizado no presente, mesmo que nunca venha a realizar-se o desejado” (O ICMS e a LC 87/96, Dialética, São Paulo, 1997, p. 61).

[15] Escrevi: “Com efeito, em direito tributário, só é possível estudar o princípio da legalidade, através da compreensão de que a reserva da lei formal é insuficiente para a sua caracterização. O princípio da reserva da lei formal permitiria uma certa discricionariedade, impossível de admitir-se, seja no direito penal, seja no direito tributário.

Como bem acentua Sainz de Bujanda (Hacienda y derecho, Madrid, 1963, vol. 3, p. 166), a reserva da lei no direito tributário não pode ser apenas formal, mas deve ser absoluta, devendo a lei conter não só o fundamento, as bases do comportamento a administração, mas –e principalmente– o próprio critério da decisão no caso concreto.

À exigência da ‘lex scripta’, peculiar à reserva formal da lei, acresce-se da ‘lex stricta’, própria da reserva absoluta. É Alberto Xavier quem esclarece a proibição da discricionariedade e da analogia, ao dizer (ob. cit., p.39): “E daí que as normas que instituem sejam verdadeiras normas de decisão material (Sachentscheidungsnormen), na terminologia de Werner Flume, porque, ao contrário do que sucede nas normas de ação (handlungsnormen), não se limitam a autorizar o órgão de aplicação do direito a exercer, mais ou menos livremente, um poder, antes lhe impõem o critério da decisão concreta, predeterminando o conteúdo de seu comportamento”.

Yonne Dolácio de Oliveira, em obra por nós coordenada (Legislação tributária, tipo legal tributário, in Comentários ao CTN,  Bushatsky, 1974, v. 2, p. 138), alude ao princípio da estrita legalidade para albergar a reserva absoluta da lei, no que encontra respaldo nas obras de Hamilton Dias de Souza (Direito Tributário, Bushatsky, 1973, v. 2) e Gerd W. Rothmann (O princípio da legalidade tributária, in Direito Tributário, 5ª Coletânea, coordenada por Ruy Barbosa Nogueira, Bushatsky, 1973, p. 154). O certo é que o princípio da legalidade, através da reserva absoluta de lei, em direito tributário permite a segurança jurídica necessária, sempre que seu corolário conseqüente seja o princípio da tipicidade, que determina a fixação da medida da obrigação tributária e os fatores dessa medida, a saber: a quantificação exata da alíquota, da base de cálculo ou da penalidade.

É evidente, para concluir, que a decorrência lógica da aplicação do princípio da tipicidade é que, pelo princípio da seleção, a norma tributária elege o tipo de tributo ou da penalidade; pelo princípio do ‘numerus clausus’ veda a utilização da analogia; pelo princípio do exclusivismo torna aquela situação fática distinta de qualquer outra, por mais próxima que seja: e finalmente, pelo princípio da determinação conceitua de forma  precisa e objetiva o fato imponível, com proibição absoluta às normas elásticas (Resenha  Tributária 154:779-82, Secção 2.1, 1980)" (Curso de Direito Tributário. São Paulo: Co-edição CEEU/FIEO, Editora Saraiva, 1982, p. 57/58).

 

 

[16] Ricardo Lobo Torres explica o verdadeiro sentido do princípio da não cumulatividade: “A não-cumulatividade, do ponto de vista econômico, significa que o imposto incide sobre o valor acrescido em cada operação de circulação, de modo que a incidência global é idêntica à multiplicação da alíquota pela base de cálculo final.

Juridicamente, entretanto, esse tipo de incidência toma-se irrelevante.

O que conta para o direito tributário é que o tributo incide sobre o valor total de cada operação. Posteriormente, para garantir a não-cumulatividade II) tributo, atua o mecanismo da compensação financeira, pelo qual se abate do débito correspondente à alíquota aplicada sobre o valor da saída do estabelecimento o crédito gerado na entrada da mercadoria. Não se  trata, aí, rigorosamente, no sentido técnico-jurídico, de compensação tributária, pois os créditos não são líquidos e certos; cuida-se de uma operação que, no dizer de Berliri, apenas descritivamente é uma compensação de créditos e débitos. A Constituição Federal decreta esse mecanismo ao distribuir o imposto que “será não-cumulativo, compensando o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo  mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal (art. 155, § 2.°, I). O importante, no princípio da não-cumulatividade, é evitar a incidência em cascata ou a pluri-incidência, já que o tributo, embora preponderantemente plurifásico, incide uma única vez” (Pesquisas Tributárias, Nova Série 10, O princípio da não cumulatividade, ob. cit. p. 144/145).

 

[17]  A consulta 983/2008 foi apresentada pelo SINDICATO DA INDÚSTRIA DE CARNES E DERIVADOS NO ESTADO DE SÃO PAULO – SINDICARNES

ENDEREÇO: Avenida Paulista, 1313 10° andar – Conjunto 1030 – SÃO PAULO/SP – CEP:01311-923

INSC. ESt: – CNPJ: 60.984.168/0001-00 CNAE 

Assunto: ICMS — Substituição tributária — Não se inclui nessa sistemática a saída interna de mercadoria relacionada no § 1° do artigo 313-W do RICMS/2000 que será utilizada pelo estabelecimento destinatário como ingrediente na preparação de refeições.

 

[18]  A teoria da impossibilidade material, que defendi no livro “Direito constitucional interpretado” em parecer para a Presidência da República (p. 12/14), Ed. Revista dos Tribunais, 1992, é na resposta consagrada ao dizer a Secretário: “torna-se impossível nova saída dessa mercadoria, restando assim impossibilitada a aquisição do regime da substituição tributária”.

 

[19] A lição de  Karl Engisch é aplicável à hipótese em que dois regimes distintos não poderiam ser aplicados a uma operação de impossível qualificação e quantificação, como respondo na consulta, muito embora a lei tenha uma inadequada e impossível afirmação: “salvo disposição em contrário”: "A causalidade jurídica (a circunstância de um facto arrastar consigo efeitos de Direito) baseia-se na determinação da lei e, por isso, pode ser livremente modelada por ela: o Direito pode coligar a quaisquer factos quaisquer consequências jurídicas".

Desta idéia de uma causalidade jurídica extraem-se também consequências práticas, por exemplo: que uma consequência jurídica não pode produzir-se duas vezes ou ser duas vezes anulada. Não há "efeitos duplos" no Direito. Se alguém, por exemplo, se torna proprietário com base num negócio jurídico, não pode tornar-se uma vez mais proprietário com base numa outra hipótese legal, v.gr., numa usucapião. Ou então, se um negócio jurídico já é nulo com base em certa hipótese legal, não pode ser declarado nulo uma vez mais com base noutra hipótese legal, por exemplo, com base no dolo. Neste sentido diz VON TUHR que "um direito, uma vez constituído, não pode voltar a constituir-se, e um direito que ainda se não constituiu ou se  extinguiu não pode ser anulado" (grifos meus) (Introdução ao pensamento jurídico, 3ª ed., Ed. Calouste Gulbenkian, Lisboa, p.47).

 

[20]  Escrevi sobre a teoria da impossibilidade material: “Tal princípio decorre do fato de que a lei não pode exigir mais do que a situação jurídica permite, nem pode a determinação judicial exigir algo que, nas diversas alternativas de execução, a materialidade fenomênica demonstre ser irrealizável. A teoria da lei de eficácia impossível ou da decisão judicial de imposição inviável, outro fato não exterioriza que a  lição aprendida pelos alunos de Direito  quando de suas reflexões sobre a Introdução a esta  Ciência  de que a lei não pode ter um objeto impossível, nem  a decisão judicial cuidar de situação inviável” (Direito Constitucional Interpretado, RT, São Paulo, 1992, p. 12).

 

[21]  Protocolado  SF 23750-403315/2009.

 

[22]  É interessante notar que a própria questão de substituição tributária nos preços menores praticados pelo mercado está no momento sendo reexaminado como questão de repercussão geral: “RE-593849 RG / MG – MINAS GERAIS REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Relator(a): Mm. RICARDO LEWANDOWSKY

Julgamento: 17/09/2009

Publicação:  DJe—191 DIVULG 08—10—2009 PUBLIC 09—10—2009

EMENT VOL—02377-07 PP—01413

Parte(s):

RECTE. (S): PARATI PETRÓLEO LTDA

ADV. (A/S): ROGÉRIO ANDRADE MIRANDA

RECDO. (A/S):  ESTADO DE MINAS GERAIS

ADV. (A/S): ADVOCACIA-GERAL DO ESTADO – MG -JOSÉ BENEDITO MIRANDA

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. RESTITUIÇÃO DA DIFERENÇA DO IMPOSTO PAGO A MAIS NO REGIME DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. BASE DE CÁLCULO PRESUMIDA E BASE DE CÁLCULO REAL. ART. 150, § 7º, DA CF. ADI 2.675/PE, REL. MIN. CARLOS VELLOSO E ADI 2.777/SP, REL. MIN. CEZAR PELUSO, QUE TRATAM DA MESMA MATÉRIA E CUJO JULGAMENTO JÁ FOI INICIADO PELO PLENÁRIO. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

Decisão: O Tribunal reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. Não se manifestaram os Ministros Cármen Lúcia, Cezar Peluso e Menezes Direito”.

 

[23]  RESP 1111156/SP – RECURSO ESPECIAL  2009/0021773-4, Relator  Min. Humberto Martins (1130), Órgão julgador: S1 – PRIMEIRA SEÇÃO, data do julgamento: 14/10/2009, data da publicação/fonte: DJE 22/10/2009.

 

[24] O IPI é um dos dois impostos federais que a Constituição impõe a “não cumulatividade” no seu regime jurídico. Está assim escrito o inciso II do § 3º do artigo 153 da Lei Suprema:  § 3º – O imposto previsto no inciso IV: …. II – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores; ……..”.

 

[25]  Embora a consulente cuide na hipótese de presunção fática, toda a substituição tributária decorre de uma presunção legal, que assim definiu o plenário do IX Simpósio Nacional de Direito Tributário por mim coordenado e com a participação do Ministro Moreira Alves e um dos autores do anteprojeto do CTN (Gilberto de Ulhôa Canto): “Nas presunções legais a identificação da conseqüência decorrente dos fatos conhecidos se dá por determinação da lei que substitui o processo de raciocínio desenvolvido pelo seu aplicador, podendo comportar prova em contrário ou não, conforme se trate de presunções relativas ou absolutas” (Caderno de Pesquisas Tributárias, vol. 10, 2ª. tiragem, co-ed. Ed. Resenha Tributária/Centro de Estudos de Extensão Universitária, São Paulo, 1985, p. 353).

 

[26] Consulta nº 983/2008 – CT, 05/01/2009.

 

[27]  Maria Helena Diniz em gráfica explicação: “INDUSTRIALIZAÇÃO: a) ato ou efeito de industrializar; b) transformação da matéria-prima em espécie nova” (Dicionário Jurídico, vol. 2, Ed. Saraiva, 1998, São Paulo, p. 828).

 

[28] O Dicionário Ilustrado da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, assim define sanduíche: “Sanduíche: s.m. Conjunto de duas fatias de pão que têm entre si tiras de carne, presunto, salame, queijo, etc.. (De sandwich, n. pr)” (vol. VI, Bloch Editores, Rio de Janeiro, 1972, p. 1487).

 

[29]  No início da década de 90, para a Revisão de 1993, apresentei um projeto de reforma tributária completa de sistema, que resumi da forma seguinte para o livro que coordenei com Paulo Rabello de Castro e meu filho Rogério Martins. Nele, eliminava o grande problema de um imposto (ICMS) que deveria ser nacional ter sido outorgado às competências regionais: “5. O SISTEMA QUE PROPUS: Objetivando simplificar tal sistema caótico, redigi projeto de emenda mais racional e singelo, o qual foi encampado pela Federasul, Instituto dos Advogados de São Paulo, Comissão de Estudos Constitucionais do Governo do Estado de São Paulo e Sindicato Nacional dos Estabelecimentos de Ensino e apresentado ao Congresso Nacional para a Revisão Constitucional de 1993, subscrito, posteriormente, pelos deputados Germano Rigotto, Renata Gordilho e Victor Faccioni.

Como, de rigor, a revisão constitucional não ocorreu –as 6 emendas não constituíram uma revisão- a proposta foi arquivada.

 

6. JUSTIFICATIVA

O anteprojeto objetivava simplificar a estrutura tributária constitucional.

Para não alterar a numeração, mantive a seqüência de artigos do texto (145 a 162), embora não tenha feito a adaptação do art. 195 e de outros relacionados com o sistema.

De rigor, mantinha as cinco espécies tributárias, reduzia os impostos para quatro, além de manter a competência residual limitada aos impostos extraordinários. As contribuições especiais seriam reduzidas a uma contribuição social incidente sobre as transações financeiras. As taxas seriam cobradas apenas por serviços públicos e não mais para exercício do poder de polícia. Procurei separar sua conformação daquela própria do preço público. Por fim, os empréstimos compulsórios seriam instituídos apenas nos casos de guerra e calamidade pública.

No capítulo da partição de receitas tributárias, tornei todas as unidades federativas participantes do contraído elenco de tributos.

Servia aquela primeira minuta como um boneco para o início das discussões e ficaria, de certa forma, vinculada — o espectro um pouco mais alargado — à proposta que fizera na Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados, lembrando que a função do IOF é substituída pela maior elasticidade que outorgo, na proposta, ao imposto de renda na fonte para o sistema financeiro.

Desta forma, incorporaria o projeto do prof. Marcos Cintra e do dep. Flávio Rocha com a vantagem de: 1) universalizar a base de cálculo, nos termos do caput do art. 195 da Constituição Federal, que declara que a seguridade social seria financiada por toda a sociedade; 2) desestimularia a “engenharia tributária” em face da redução do nível de tributos e 3) viabilizaria a seguridade social por um sistema simples e vinculado” (Tributos no Brasil: auge, declínio e reforma, ed. Fecomercio-SP, 2008, p. 24/25).

 

[30]  Em audiência pública na Câmara dos Deputados para discutir o PEC 41/03 que resultou na E.C. n. 42/03, sugeri acrescentar à expressão “benefícios fiscais” o vocábulo “e financeiros” para evitar que a disposição fosse contornada pelos Estados, que recebem o tributo e os devolvem sob a forma de financiamento.  Os Estados que praticam a guerra fiscal rejeitaram a proposta.

 

[31] O VI Simpósio Nacional de Direito Tributário do Centro de Estudos de Extensão Universitária (CEEU) chegou às seguintes conclusões sobre o princípio da legalidade:

‘Pergunta: O Direito tributário brasileiro consagra a reserva formal da lei ou apenas a reserva absoluta?

Plenário: O Direito tributário brasileiro consagra ambas as reservas, entendendo-se por reserva formal da lei o fato de ser indispensável ato legislativo (CF, art. 46,111 até VI) como veículo para instituir ou alterar tributo e como reserva absoluta o fato de competir à lei a descrição de todos os elementos do tipo tributário (tipo cerrado). DL pode instituir ou aumentar tributo desde que observados, cumulativamente, os requisitos constantes da urgência e interesse público relevante” (Caderno de Pesquisas Tributárias  n. 7, Ed. Resenha Tributária, São Paulo, 1991, p. 269).

 

[32]  É interessante lembrar que o Min. Carlos Mário  Velloso também fixe na dimensão material e quantifique do tributo cobrado na substituição antecipatória, como se lê no Informativo do STF 331: “Substituição Tributária e Restituição – 2

Dando continuidade ao mesmo julgamento, o Min. Carlos Velloso, relator da ação direta ajuizada pelo Governador do Estado de Pernambuco, reportando-se aos fundamentos do voto proferido no julgamento da ADI 185 l/AL (DJU de 25.4.2003) no sentido de que, sendo a base de cálculo do fato gerador a sua dimensão material ou a sua expressão valorativa, na hipótese de a operação realizar-se em valor inferior àquele presumido, deve ser devolvida ao contribuinte a quantia recolhida a maior, sob pena de enriquecimento ilícito do Estado —, votou no sentido de julgar improcedente o pedido. (grifos meus)

ADI 2675/PE, rel. Min. Carlos Velloso e ADI 2777/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 26 e 27.11.2003. (ADI-2675) (ADI-2777)”.

 

[33]  O ato normativo só pode ensejar ações diretas de inconstitucionalidade quando ferir diretamente a Constituição e não feri-la por ato reflexo, ao violar a lei. É o que dispõe o artigo 102, I, letra “a”, da C.F.: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)”.

 

Ives Gandra Martins Filho

Professor Emérito da Universidade Mackenzie,
em cuja Faculdade de Direito foi Titular
de Direito Constitucional.

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