A responsabilidade tributária dos sócios da pessoa jurídica em execuções fiscais

Soraya Marina Barcelos

No Direito Tributário, contribuinte é quem realiza o fato gerador da obrigação e que deve arcar com o pagamento do tributo. Contudo, o Código Tributário Nacional determina que, em casos excepcionais, uma terceira pessoa terá a obrigação de pagar o tributo, mesmo não praticando o fato gerador. Trata-se do responsável tributário.

A responsabilidade tributária pode ocorrer por diversos motivos elencados em lei; podendo abarcar terceiros tais como pais, tutores, mandatários, diretores, gerentes e representantes legais das empresas, dentre eles, os sócios-gerentes. A responsabilidade tributária dos sócios das pessoas jurídicas é regulamentada pelo art. 134 e o art. 135 do CTN, e está sujeita a determinadas condições.

De acordo com o art. 134, ocorrerá responsabilidade subsidiária dos sócios em casos de liquidação de sociedade de pessoas. Desta forma, na impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal, os sócios se tornam responsáveis subsidiários do crédito tributário. Ou seja, só haverá responsabilidade tributária dos sócios após restar comprovado que a pessoa jurídica não possui bens suficientes para efetuar o pagamento da dívida, e, além disso, somente em relação aos atos ou omissões nos quais foram efetivamente responsáveis. Apesar do CTN afirmar expressamente que existe responsabilidade solidária, vê-se que, na verdade, esta responsabilidade é subsidiária, ou seja, o sócio só será responsabilizado se a empresa não tiver como pagar o tributo. Existe, no caso, um benefício de ordem, que impede a execução do sócio na hipótese da sociedade ter patrimônio para honrar a dívida. Cumpre salientar que, neste caso, não há responsabilidade pelas penalidades que não sejam de caráter moratório. Frise-se que, quando a lei menciona sociedades de pessoas, não contempla as sociedades anônimas nem as sociedades por cota de responsabilidade limitada, que são sociedades de capital. Os sócios de sociedades de pessoas são aqueles que, segundo a legislação, respondem ilimitadamente pelos débitos da sociedade. Naturalmente, este tipo de pessoa jurídica não é tão freqüente na realidade fática, e por isto, a importância deste art. 134 não é tão premente quanto a do art. 135, que será o foco desta reflexão. Contudo, importante repisar que, muitas vezes, a Fazenda Pública busca generalizar a responsabilidade em caso de liquidação para todas as pessoas jurídicas, mas não se pode esquecer que a lei preceitua que somente em caso de sociedade de pessoas, e não sociedade de capitais, é que tal responsabilidade subsiste.

Conforme preceitua o art. 135, III, do CTN, os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de Direito Privado são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultante de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Verifica-se, portanto, que a responsabilidade tributária, nesta circunstância, é diretamente transferida para os sócios, até mesmo liberando a pessoa jurídica da obrigação. No caso, responsabilidade torna-se pessoal e exclusiva dos sócios, mas isto somente ocorrerá quando ficar provado que o sócio praticou atos com excesso de poder, infração á lei, contrato social ou estatuto, ou seja, se houve ação realizada com má-fé objetivando lesar o fisco. Caso estas condutas não tenham sido comprovadas, a responsabilização pelo pagamento do tributo não pode persistir.

Embora a lei tenha explicitado as hipóteses de responsabilidade tributária dos sócios, a Fazenda Pública, com a chancela de muitos magistrados, tem buscado ampliar demasiadamente as circunstâncias que caracterizam a responsabilidade, realizando interpretação equivocada e tendenciosa do art. 135, III, com o fito de generalizar a responsabilidade tributária dos sócios. Apesar de ocorrer frequentemente, tal procedimento não pode acontecer da forma indiscriminada como normalmente ocorre, sob pena de ferimento á lei tributária.

Nas execuções fiscais ajuizadas contra pessoas jurídicas, frequentemente a Fazenda Pública busca responsabilizar os sócios das empresas, seja já incluindo seus nomes na Certidão de Dívida Ativa, ajuizando ação em litisconsórcio passivo, ou requerendo o redirecionamento da execução fiscal contra estes sócios, requerendo a inclusão destes no pólo passivo da lide durante o curso do processo. O argumento da Fazenda Pública consiste na afirmativa de que o não pagamento de um tributo, por si só caracteriza infração á lei e ao contrato social, o que autorizaria a responsabilidade tributária dos sócios das empresas.

Logicamente, a assertiva da Fazenda não é verdadeira, pois o atraso ou o não pagamento do tributo não pode ser considerado como infração à lei ou ao contrato social praticada pelo sócio, sob o simples, mas invencível argumento de que, se assim não o fosse, não haveria hipótese de exceção, ou seja, sempre o sócio seria responsável pelo débito tributário. A intenção do legislador foi justamente criar uma circunstância de exceção para se configurar a responsabilidade do sócio, e não colocá-la como regra geral. Afinal, o direito pátrio separa a pessoa jurídica e a pessoa física, não podendo suas responsabilidades ser confundidas sob pena de se destruir um dos importantes pilares da ciência jurídica, que é a autonomia da pessoa jurídica como um ente próprio, que se destaca da pessoa de seus sócios. Esta criação do direito surgiu justamente no intuito de fomentar a atividade econômica, e restringi-la em excesso pode prejudicar o seu desenvolvimento, em virtude da criação da imposição de grave ônus aos sócios.

A pessoa jurídica é um ente autônomo e independente da pessoa de seus membros, podendo emitir sua própria vontade e defender seus próprios interesses. Com vontade e patrimônio próprios, a pessoa jurídica é sujeito de direito, podendo contrair e exercer direitos e adquirir obrigações, sempre de forma autônoma. É regra em nosso ordenamento jurídico que as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros, e a possibilidade de se desconsiderar esta distinção é uma exceção.

Não se pode negar que o não pagamento do tributo seja infração á lei, mas esta infração é praticada pela pessoa jurídica, e não pela pessoa dos sócios. Desta forma, ainda que haja infração á lei pelo não pagamento do tributo, para que haja a correta aplicação do art. 135, é necessário perscrutar quem infringiu a lei, se foi a pessoa jurídica ou se foram os sócios. Os sócios apenas praticam ilícitos ao atuarem além de suas competências, ou seja, se sua atuação for própria e pessoal, não se caracterizando como um ato da empresa. Assim, os sócios somente podem ser responsabilizados quando ultrapassarem os limites de seus atos normais como gerentes, infringindo as normas societárias e as do contrato social que regulam a abrangência de sua atuação.

O sócio será responsabilizado, neste quesito, somente na hipótese de praticar atos ilícitos além de suas funções, contrariando a lei societária e as suas atribuições estabelecidas no contrato social, ou seja, quando age por si mesmo, e não em nome da sociedade. Por exemplo, se o tributo não é pago para que o seu valor seja reinvestido na empresa ou utilizado para pagar fornecedores, a responsabilidade é da sociedade; lado outro, se o tributo não é pago para seu valor ser desviado para os sócios, a responsabilidade é deles.

O principal pressuposto para a responsabilidade tributária de sócios-gerentes, diretores e administradores das pessoas jurídicas de direito privado reside no dolo. Imprescindível a comprovação do intuito precípuo em fraudar a lei ou contrato social para auferir vantagem indevida, posto que o art. 135 não traz hipótese de responsabilidade objetiva.

A atribuição da responsabilidade pelo crédito tributário a terceiro é sempre excepcional, e por isto as normas devem ser interpretadas com cautela, evitando sua ampliação, notadamente por ser o direito tributário pautado pela legalidade estrita, não admitindo extensões e analogia.

Assim dispõe Hugo de Brito Machado sobre a regra da limitação da responsabilidade dos sócios da pessoa jurídica:

"É importante notar-se que a responsabilidade dos sócios-gerentes, diretores e administradores de sociedades, nos termos do art. 135, III do CTN, é por obrigações resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Poder-se-ia, assim, sustentar que a obrigação, pela qual respondem, há de ser resultante de atos irregularmente praticados. O próprio nascimento da obrigação tributária já teria de ser em decorrência de atos irregulares." (Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 18º ed., Ed. Malheiros, 2000, pg. 127.)

Não é todo o crédito tributário que pode ser exigido de terceiros, mas apenas aquele decorrente de obrigações tributárias resultante de atos praticados com excesso de poderes, ou infração de lei, contrato social ou estatutos. O abuso ou ilegalidade pode também residir não só em créditos gerados de atos viciados, mas também de atos anteriores ao crédito, os quais levaram á insolvência da empresa, impedindo o pagamento de tributos.

Muitas vezes a responsabilidade tributária do sócio é confundida com a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, mas, embora os resultados sejam semelhantes, em termos jurídicos há muita diferença entre as duas figuras. Na responsabilidade tributária, os sócios respondem por atos próprios, quando agem com excesso de poder ou quando contrariam dispositivos legais, estatutários ou contratuais; já na desconsideração da personalidade jurídica, a responsabilidade do sócio é fundada no fato deste se valer da empresa, manipulando-a a fim de obter propósito ilícito, utilizando a pessoa jurídica com o precípuo objetivo de fraude. A teoria da desconsideração visa atingir as pessoas físicas que se ocultam sob o véu da pessoa jurídica. Tal teoria, desenvolvida pela doutrina, encontra-se positivada principalmente no art. 50 do Código Civil.

Contudo, para que a aplicação desta teoria se efetive em casos concretos, é necessário que, da mesma forma, haja a prévia demonstração de que ocorreram certos requisitos, como o desvio de finalidade da pessoa jurídica ou o abuso de sua utilização, ou pela confusão patrimonial entre ela e seus sócios. Neste caso, a responsabilidade pelos atos ilícitos será tanto do sócio quanto da sociedade. Mas que se observe que esta teoria jamais pode ser aplicada em questões tributárias, visto que o Direito Tributário é pautado pelo princípio da legalidade estrita, e por isto o Código Civil não poderá ser aplicado em relações tributárias. Assim, qualquer argumento que venha buscar a desconsideração da personalidade jurídica deve ser vedado na seara tributária.

Direito Tributário se erige sobre o princípio da legalidade estrita e da tipicidade, os quais não podem ser ignorados para aplicação de outros normativos, de elastecimento doutrinário ou jurisprudencial; no Direito Tributário deve ser amplamente preservado o princípio da segurança jurídica.

Importante ressaltar que o art. 135, III do CTN prevê responsabilidade dos sócios desde que tenham poderes de gerência ou direção da sociedade, visto que a responsabilidade decorre do poder de gerência, não da qualidade de ser sócio. No caso de pessoas jurídicas cuja responsabilidade dos sócios tem limitação, como as sociedades por cotas de responsabilidade limitada e as sociedades anônimas, estes somente respondem pelo débito tributário em circunstâncias específicas, seja de acordo com os preceitos do art. 135 ou no limite da integralização do capital social ou do valor das ações. Como o art. 135 prevê a possibilidade de haver responsabilidade dos representantes legais, conclui-se que apenas o sócio-gerente pode ser responsabilizado, excluindo-se o sócio não-gerente, que não tem poderes de decisão na empresa. De fato, o sócio não gerente não pode arcar com a responsabilidade tributária, visto que não tem poder para praticar atos geradores de responsabilidade.

Existe uma dissonância doutrinária e jurisprudencial nos casos de execuções fiscais movidas contra os sócios em litisconsórcio passivo com as empresas e quando a execução é redirecionada posteriormente contra eles.

Há quem entenda que, caso já seja movida a execução também contra o sócio, tendo seu nome incluído na Certidão de Dívida Ativa, a responsabilidade de provar que não tenha agido com excesso de poderes, infração à lei ou ao contrato social seria ônus do sócio, em virtude de ter a CDA presunção de veracidade. Lado outro, se a execução fosse posteriormente direcionada contra o sócio, o ônus de provar o cometimento de ato ilícito seria da Fazenda.

Correto o entendimento que, em caso de redirecionamento da execução contra o sócio, tenha a Fazenda o ônus de provar o cometimento de circunstância autorizadora de responsabilidade pessoal, antes que o redirecionamento seja deferido. Ressalte-se que a prova deve ser feita previamente pela Fazenda antes do redirecionamento, sob pena de infração á lei, visto que o art. 135 permite a execução do responsável tributário, e não do sócio. O sócio só se transforma em responsável tributário após a prova de cometimento de ato ilícito, e por isto, a execução só pode ser redirecionada contra ele após a produção desta prova. Ajuizar ação contra o sócio, pura e simplesmente, é infringir o art. 135, visto que este não autoriza execução contra sócio, só autoriza execução contra o responsável tributário.

Pertinente a reflexão sobre ser possível ou não o redirecionamento de execução contra sócio cujo nome não conste na Certidão de dívida ativa, visto que o art. 202 do CTN preceitua que o nome dos executados e co-obrigado deve constar da CDA, sob pena de sua nulidade. O melhor entendimento é no sentido da necessidade da Fazenda substituir a CDA para fazer incluir o nome do sócio, após provar a sua responsabilidade tributária, sendo que a substituição é autorizada pela Lei 6830/80, no art. 2º, § 8º, sempre assegurando ao executado o prazo para Embargos.

Em relação á propositura de execução fiscal diretamente contra o sócio, em virtude de seu nome já estar na Certidão de dívida Ativa, entendemos que tal só pode ser admitido com importante ressalva: prévia apuração de responsabilidade no processo administrativo. Embora a CDA tenha presunção de veracidade, esta presunção somente subsiste em virtude desta estar apoiada em um prévio processo administrativo. Assim, a responsabilidade tributária deve ficar provada, pela Fazenda Pública, neste processo administrativo, no qual deve ser assegurado o contraditório e ampla defesa ao sócio, que deve ser pessoalmente notificado para apresentar defesa. A responsabilidade tributária não pode ser apoiada em uma presunção, mas somente em provas concretas, cujo ônus é de quem as alega, da Fazenda Pública, seja no processo administrativo ou no processo judicial, mas sempre antes de se proceder a citação do sócio no executivo fiscal.

Inquestionável que cabe unicamente à Fazenda Pública o ônus da prova acerca de atos ilegais/irregulares porventura praticados pelo sócio que acarretariam a sua responsabilidade pessoal, pois a inclusão do mesmo no pólo passivo da execução fiscal só deve proceder-se após a apresentação destas provas, que são de incumbência da parte que sustenta a alegação, pois é norma do Direito que a presunção é sempre pela inocência, no caso, pelo correto procedimento do sócio.

Ademais, em termos práticos, é inviável a produção de prova, pelo sócio, de que toda a sua gestão foi regular, pois teria que apresentar vastíssima quantidade de documentos, e ainda assim, a prova não seria possível, visto que não há como produzir, em termos gerais, prova de que não se cometeu ato ilícito ou irregularidade.

Conclui-se, portanto que, apesar dos esforços da Fazenda Pública para generalizar a responsabilidade tributária dos sócios, esta só resta configurada nos estreitos limites traçados pela legislação, em observância, principalmente, ao princípio da legalidade estrita do Direito Tributário. 

 

Soraya Marina Barcelos

Advogada do Escritório Elcio Reis e Advogados Associados, Mestranda em Direito Empresarial pela Faculdade Milton Campos. Pós-graduada em Direito Tributário e em Direito Empresarial.

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