IBS: Novo processo administrativo, velhos problemas
Eduardo Salusse
Há um clamor social para que um novo processo administrativo tributário venha a modernizar a relação processual entre a administração e o administrado.
Mais do que tudo, deveria haver um alinhamento entre as melhores práticas de todos os contenciosos tributários do país, pois, ao final das contas, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, são direitos e garantias fundamentais assegurados aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, pelo artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal.
Muitas das disposições contidas no Projeto de Lei Complementar nº 108 (PLP 108), em tramitação perante o Senado Federal, representam um verdadeiro retrocesso nas relações processuais administrativas no âmbito do IBS. São explícitos os sinais de que a administração fazendária, com algumas iluminadas exceções, realmente entende que o processo administrativo lhe pertence. Trata-se de uma repudiável apropriação de um instituto que apenas por ela é conduzido, mas que serve a toda a sociedade como instrumento de pacificação de litígios fiscais.
A restrição da competência do julgador administrativo para aplicar a legalidade (artigo 91, parágrafo 3º, do PLP 108) é um ataque direto na jugular do disposto no artigo 37 da Constituição Federal, segundo o qual a aplicação da legalidade é um dever inegociável da administração pública. Aliás, o próprio artigo 76 do PLP 108 dispõe que a administração tributária deve anular seus próprios atos quando eivados de vício de legalidade, o que representa uma contradição intrínseca no próprio PLP 108.
A falta de critérios objetivos para a escolha e nomeação dos julgadores, somada à ausência de limite para a renovação dos mandatos, escancara a vulnerabilidade da independência desses julgadores. A imparcialidade é requisito essencial do devido processo legal e somente é alcançada com critérios de equilíbrio. Em alguns países e até em Pernambuco, há concurso para o cargo. Em outros, há dispositivos que atribuem garantias aos julgadores (como a inamovibilidade e a vedação à destituição). No Brasil, o modelo adotado foi o da paridade. A decisão justa decorre de um processo justo.
As diversas administrações fazendárias do país preveem, em suas legislações, regras que disciplinam o funcionamento do processo administrativo fiscal ou tributário, das quais podem ser extraídas as melhores — e as piores — práticas. Não é preciso inovar.
Não são raras as regras existentes que acabam por violar direitos e garantias dos contribuintes. É uma lição do que não fazer — assim como foi a construção do direito material envolvendo a CBS e o IBS.
Como exemplo, observe-se a repudiável possibilidade de que julgadores administrativos que participaram do julgamento da impugnação inicial interposta pelo contribuinte também integrem a câmara de julgamento do recurso de revisão/uniformização apresentado em face daquela mesma decisão. Essa hipótese de impedimento não está contemplada no artigo 77, parágrafo 9º, do PLP 108.
Há leis, como a do processo administrativo tributário paulista (Lei nº 13.457, de 2009), que vedam o exercício da função de julgar àquele que, relativamente ao processo em julgamento, tenha atuado em outro grau de jurisdição e proferido decisão. Ressalte-se que esse dispositivo foi incluído na legislação paulista apenas com as alterações promovidas pela Lei nº 16.498, de 2017.
Tal dispositivo buscou alinhar a legislação paulista ao disposto no artigo 144, II, do Código de Processo Civil de 2015, especificamente na parte em que reconhece o impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo em que atuou em outro grau de jurisdição e proferiu decisão. O PLP 108 deveria seguir esse exemplo.
Trata-se, no mínimo, do reconhecimento de que é imoral e indesejável que a mesma pessoa possa julgar a defesa e o recurso interposto contra a decisão que ela própria proferiu.
Em Minas Gerais, por exemplo, a Câmara Especial do Conselho de Contribuintes do Estado (CCMG) é composta por julgadores que participaram do julgamento da instância inferior e que, de maneira ilegal, julgam a revisão de suas próprias decisões. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais acaba de reconhecer a ilegalidade do ato administrativo tributário de julgamento no CCMG por impedimento de seus julgadores. Esse precedente pode macular todos os julgamentos com esse vício, em absoluto e desnecessário prejuízo ao interesse público.
Espera-se que os legisladores atentem para a necessidade de uniformização do contencioso administrativo tributário e que não enfrentem o PLP 108 de maneira dissociada do Projeto de Lei Complementar nº 124/2022, destinado a dispor sobre normas gerais de prevenção de litígios, consensualidade e processo administrativo em matéria tributária
Eduardo Salusse
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