Breves palavras sobre os limites constitucionais do IOF

Edison Fernandes

Em 1215, os barões ingleses impuseram ao monarca de plantão a chamada Magna Carta Libertatum; dentre as exigência dos súditos, estava o princípio “non taxation without representation”, isto é: nenhum tributo poderia ser criado sem o consentimento da cidadão e do cidadão contribuinte, que se daria por meio dos seus representantes. Esse princípio chegou até nós como a legalidade tributária (artigo 150, I da Constituição Federal): não há tributo sem deliberação do Congresso Nacional, os representantes das cidadãs e cidadãos do Brasil. Portanto, todo tributo brasileiro recebe seus limites do Congresso Nacional, inclusive o Imposto sobre Operações Financeiras – IOF.

A lei tributária é que determina o sujeito passivo (quem vai pagar), o fato gerador (por que se vai pagar), a base de cálculo (sobre qual riqueza se vai pagar) e a alíquota (quanto se vai pagar). No caso dos impostos regulatórios, o texto constitucional permite ao Poder Executivo, por meio de decreto, aumentar ou reduzir a alíquota, dentro dos limites legais (legalidade mitigada), e essa medida executiva passa a valer na data da publicação do ato, afastados os prazos da anterioridade. Essas flexibilizações da legalidade fazem todo sentido, pois imposto regulatório serva para que o Poder Executivo intervenha imediatamente em determinados mercados e em determinadas situações. O consenso entre os estudiosos do tema (constitucionalistas, tributaristas, financistas, economistas etc.) é no sentido de que, embora contribuam para a arrecadação de tributos, os impostos regulatórios não se justificam apenas pelo efeito arrecadatório.

Pois bem, esse não parece ser o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). Seguem alguns exemplos.

Em 1998, a Medida Provisória n° 1.788, convertida na Lei n° 9.779, instituiu o IOF sobre mútuos (empréstimos e transações financeiras) entre empresas do mesmo grupo econômico. Por não se tratar de mercado financeiro, passível de regulação pelo governo, sua constitucionalidade foi levada ao Poder Judiciário e o STF resolveu a questão no Tema 104: “É constitucional a incidência do IOF sobre operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física, não se restringindo às operações realizadas por instituições financeiras”.

Em 2007, o Congresso Nacional rejeitou a prorrogação da CPMF. Em substituição, o governo aumento o IOF em 0,38% – “coincidentemente” a alíquota da CPMF. Novamente, a questão foi levada ao Poder Judiciário e o STF decidiu no Recurso Extraordinário n° 800.282: “A receita de impostos compõe a reserva necessária para fazer frente a toda e qualquer despesa uti universi, não havendo que se presumir que a majoração do IOF tenha ocorrido necessariamente para repor a perda dos valores anteriormente arrecadados por meio da CPMF. Não há qualquer evidência de que a majoração do IOF, perpetrada pela Portaria MF 348/1998, teve o condão de modificar a natureza jurídica do imposto, desviando sua finalidade e transformando-o em tributo com arrecadação vinculada. A tese da agravante está embasada em meras suposições, carecendo de efetivo fundamento jurídico”.

Mais recentemente, em 2021, o governo federal aumentou o IOF, afirmando expressamente que utilizaria a arrecadação excedente para financiar o Auxílio Brasil. Novamente a constitucionalidade do IOF “arrecadatório” foi levada ao Poder Judiciário. No STF, decisão monocrática do ministro André Mendonça foi no seguinte sentido: “(…) Assim, a meu ver, não há nenhuma evidência de que a majoração do IOF, por meio do Decreto nº 10.791, de 2021, objetivou modificar a natureza jurídica do imposto, de modo a desviar sua finalidade e transformá-lo em tributo com arrecadação vinculada. Nesse ponto, saliento não ser possível afirmar, concretamente, que os recursos provenientes dessa majoração foram efetivamente destinados para custear o Auxílio Brasil. Verifico que, na verdade, os argumentos da parte recorrente fundamentam-se em meras suposições, prescindindo de efetivo fundamento jurídico (…)”.

Diante desses precedentes, por que estranhar a decisão do STF no caso atual do aumento do IOF?

Na minha percepção, a principal diferença entre os aumentos anteriores e o atual reside na atuação do parlamento brasileiro. De acordo com o artigo 49, inciso V da Constituição Federal, é “competência exclusiva” do Congresso Nacional “sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”.

Como mencionado no início deste texto, a competência tributária é do Congresso Nacional (representantes da cidadão e do cidadão contribuinte). No caso dos impostos regulatórios, foi delegada parte dessa competência ao Poder Executivo. No entanto, essa delegação está sujeita à aprovação do poder que tem a competência originária. Em tese, o Congresso Nacional poderia “sustar” os decretos presidenciais. A dúvida é: mesmo em matéria julgada constitucional pelo STF?

Enfim, o espírito da Constituição (a vontade do constituinte originário) e o consenso dos estudiosos, em abordagem multidisciplinar, parecem indicar a inconstitucionalidade do efeito exclusivamente arrecadatório do IOF. Entretanto, também parece que o STF, guardião da Constituição Federal, opina de maneira diferente.

Edison Fernandes

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