Importância das regulamentações infralegais na nova tributação sobre o consumo
Gilberto Alvarenga
Com a sanção da Lei Complementar nº 214/2025, que regulamenta parte significativa da Emenda Constitucional nº 132/2023, o Brasil deu um passo relevante na implementação do novo modelo de tributação sobre o consumo. No entanto, o sucesso dessa transformação dependerá diretamente da qualidade e da precisão de sua regulamentação infralegal.
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A nova legislação tem como norte os princípios da simplicidade, transparência, justiça fiscal, cooperação federativa e defesa do meio ambiente. No entanto, para que esses ideais saiam do papel, é necessário enfrentar diversos desafios práticos de implementação, que envolvem desde a definição clara de regras para regimes especiais e não cumulatividade, até a adaptação de setores com características operacionais específicas.
Diante da necessidade da adequação da norma à prática, diversos setores da sociedade civil têm participado ativamente, sugerindo medidas necessárias à concretização desse processo de mudança na tributação do consumo.
Um dos pontos sensíveis é a relação entre o regime do Simples Nacional e o novo sistema. A lei permite que empresas optantes possam recolher o IBS e a CBS pelo regime regular, mas não detalha como será feita essa migração. É urgente que a Receita Federal discipline como se dará a apuração separada dos tributos fora do DAS e como serão tratados os valores já recolhidos pelo Simples. Além disso, é essencial o desenvolvimento de uma plataforma digital que integre essas duas realidades tributárias.
Outro aspecto crucial é a padronização do novo documento fiscal eletrônico, a ser definido por ato conjunto entre o Comitê Gestor do IBS e a Receita Federal. A proposta de um modelo único, porém simplificado para pequenos contribuintes, com integração a sistemas contábeis automatizados, pode reduzir significativamente o custo de conformidade, desde que respeite a diversidade operacional de setores como o turismo, a construção civil e os serviços pessoais.
Também merece destaque a regulamentação dos programas de cidadania fiscal, que pretendem devolver tributos ao consumidor final. Para que sejam bem-sucedidos, esses programas devem respeitar a proteção de dados pessoais, adotar critérios públicos e objetivos e garantir que sua implementação não imponha custos adicionais aos contribuintes.
No setor de saúde, um tema sensível é o tratamento dos valores glosados pelas operadoras de planos médicos. A sugestão é que o tributo incida apenas no momento da reversão da glosa, evitando onerar os prestadores antes do efetivo recebimento. Já em relação aos medicamentos, a regulamentação deve esclarecer se aqueles regularizados por notificação simplificada na Anvisa também poderão se beneficiar da redução de alíquotas, desde que cumpram critérios de essencialidade e uso contínuo.
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O incentivo à sustentabilidade, um dos pilares constitucionais do novo sistema, precisa ganhar concretude. Isso inclui reconhecer como insumos — e, portanto, geradores de crédito — os gastos empresariais com projetos de descarbonização e economia verde, como forma de viabilizar o mercado de carbono e estimular a transição energética.
Regulamentação será determinante para o êxito da reforma
A edição dos regulamentos do IBS e da CBS deverá incorporar princípios como simplicidade e redução de custos de conformidade. É fundamental vedar a multiplicação de obrigações acessórias por entes subnacionais e assegurar participação social nas consultas públicas que antecederem os atos normativos. O mesmo vale para os convênios entre Receita, Comitê Gestor e Procuradoria da Fazenda, que precisam garantir espaço deliberativo ou consultivo para as entidades representativas do setor produtivo.
Quanto à fiscalização, recomenda-se que a atuação do Fisco adote um caráter orientador, com direito à regularização voluntária antes da autuação, observando o princípio da boa-fé e da cooperação. O Regime Especial de Fiscalização também deve ser pautado por critérios objetivos, com limite temporal e direito à defesa.
Outro tema relevante é o aproveitamento dos créditos de PIS e Cofins não utilizados até a extinção dessas contribuições. A regulamentação deve permitir sua compensação com outros tributos federais, preservando o direito dos contribuintes e evitando disputas judiciais desnecessárias.
Por fim, os processos de reconhecimento e compensação de créditos decorrentes de benefícios fiscais extintos exigem regras claras, celeridade e previsibilidade. A possibilidade de mediações tributárias coletivas, bem como a publicação de jurisprudência administrativa sobre casos semelhantes, pode promover segurança jurídica e reduzir litígios.
A regulamentação da Lei Complementar nº 214/2025 será, portanto, determinante para o êxito da reforma. A escuta das entidades representativas, como a Confederação Nacional do Comércio, e a adoção de soluções normativas equilibradas e factíveis são condições indispensáveis para que o novo sistema tributário brasileiro seja, de fato, mais simples, justo e eficiente.
Gilberto Alvarenga
é advogado e secretario geral da Comissao Especial de Assuntos Tributários da OAB-RJ.