Lei permite ao governo retaliar Trump de forma imediata, mesmo sem regulamentação
Para reagir ao “tarifaço” do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o Brasil pode adotar de forma imediata, sem necessidade de regulamentação ou aprovação pelo Congresso, contramedidas como restrições a importações ou suspensão de concessões comerciais, investimentos e obrigações relacionadas a direitos de Propriedade Intelectual (PI). Isso é autorizado pela Lei da Reciprocidade Econômica, sancionada no último mês de abril.
Trump prometeu tarifa de 50% sobre produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos a partir de agosto
Nesta quarta-feira (9/7), Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre todos os produtos importados do Brasil a partir de agosto. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse, em seguida, que “qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Econômica”.
A ideia da norma é proteger os interesses comerciais nacionais e permitir respostas proporcionais e coordenadas a medidas unilaterais de outros países que prejudiquem os produtos, serviços e investimentos brasileiros.
“Sem dúvida é um instrumento legal que deverá ser aplicado ao caso concreto do ‘tarifaço’ imposto às importações dos EUA aos produtos brasileiros”, diz o tributarista Breno Dias de Paula.
Embora a norma exija a regulamentação para a implementação das contramedidas, seu artigo 6º prevê que, “em casos excepcionais”, o Executivo pode “adotar contramedida provisória”, com eficácia imediata.
Como a situação atual promovida por Trump “é uma questão excepcional e urgente, em resposta a uma medida agressiva e que surpreendeu a todos”, é “extremamente possível e muito provável” que o governo federal tome contramedidas com base no artigo 6º, na visão de Pedro Moreira, sócio do escritório Dannemann Siemsen (especializado em PI) e agente da propriedade industrial.
Novas opções
“Com a entrada em vigor da Lei de Reciprocidade Econômica, o Executivo ganhou um arcabouço legal para aplicar contramedidas proporcionais sem recorrer exclusivamente a canais multilaterais”, explica Augusto Fauvel, especialista em Direito Aduaneiro. “Essas novas possibilidades significam que o Brasil pode reagir de forma mais célere e estratégica às pressões externas e tem a disposição para lidar com as novas tarifas impostas.”
“A depender das medidas que venham a ser implementadas pelo governo brasileiro, não será apenas a importação de bens dos EUA que poderá ser impactada. A importação de serviços e a transferência de tecnologias poderão ser fortemente oneradas, impactando diversos negócios”, indica a tributarista Renata Amarante, sócia do Bratax.
O também tributarista Arcênio Rodrigues lista as opções disponíveis para o governo brasileiro retaliar Trump: aumento de tarifas sobre produtos americanos em intensidade equivalente; suspensão de benefícios fiscais e aduaneiros previamente concedidos aos EUA; imposição de cotas de importação e exigências técnicas ou sanitárias mais rígidas para produtos americanos; atuação coordenada com países do Mercosul e mobilização diplomática e jurídica internacional; e restrições relacionadas à PI.
Segundo Pedro Moreira, no terreno da Propriedade Intelectual o Brasil pode alterar o prazo de vigência de patentes concedidas a produtos americanos (como medicamentos); negar, suspender ou postergar outros pedidos de patentes; suspender medidas judiciais por infração de patentes; suspender pagamentos de royalties para detentores de patentes americanas; fazer licenciamento compulsório (autorização para uso de produtos patenteados sem consentimento do titular); exigir requisitos adicionais para manter ou reconhecer direitos de PI, tais como comprovação de atividade econômica no território nacional; e suspender acordos bilaterais de proteção de direitos de PI.
A principal vantagem da nova lei é que “essas medidas podem ser adotadas sem necessidade de esperar uma decisão formal da Organização Mundial do Comércio (OMC), desde que haja evidência de que o Brasil foi alvo de ação unilateral ofensiva”, aponta Rodrigues.
Antes da norma, segundo ele, “o Brasil não dispunha de um instrumento legal que permitisse retaliações comerciais automáticas e imediatas frente a medidas unilaterais e discriminatórias adotadas por outros países”.
De acordo com Fauvel, “o Brasil tinha poucas opções jurídicas para reagir unilateralmente a barreiras tarifárias impostas por outros países”. Assim, era necessário recorrer à OMC ou à diplomacia, “processos geralmente longos e pouco ágeis”.
“As reações brasileiras dependiam de longos processos burocráticos e, muitas vezes, da aprovação legislativa, além de estarem atreladas a decisões da OMC”, complementa Rodrigues. “Isso tornava a resposta mais lenta, menos eficaz e muitas vezes desproporcional frente ao dano econômico sofrido por setores estratégicos.” Agora, segundo o tributarista, o Brasil tem “um arsenal mais robusto, ágil e eficaz para reagir”.
Necessidade de regulamentação
Por outro lado, há quem entenda que a aplicação prática da Lei da Reciprocidade Econômica ainda depende de regulamentação complementar — ou seja, de atos normativos infralegais do governo federal que estabeleçam os procedimentos formais para a implementação das medidas.
É o caso de José Andrés Lopes da Costa, sócio do DCLC Advogados, mestre e professor de Direito Tributário Internacional. Segundo ele, ainda faltam, por exemplo, diretrizes sobre como será feita a análise técnica dos casos; os prazos para deliberação; os critérios para medir a proporcionalidade; e os mecanismos de articulação institucional.
Na sua visão, o Brasil ainda não pode adotar contramedidas com base no artigo 6º da norma. “O motivo não é jurídico no sentido estrito da palavra, mas procedimental. A lei prevê a possibilidade, mas a falta de regulamentação torna sua aplicação imediata juridicamente frágil e politicamente arriscada.”
A lei, por exemplo, não define qual órgão deve elaborar o parecer técnico que pode servir como base para a atuação imediata do Executivo; o prazo para o documento ser produzido; como acontecerá a articulação entre os ministérios envolvidos; e o que configura “caso excepcional”.
“Enquanto esses elementos não forem definidos por decreto ou resolução normativa, não há um caminho claro para executar a contramedida sem risco de nulidade ou contestação interna e externa”, conclui Lopes da Costa.
José Higídio
é repórter da revista Consultor Jurídico.
Rafa Santos
é repórter da revista Consultor Jurídico.