IPCA passará a corrigir depósitos judiciais
Por Beatriz Olivon — De Brasília
O Ministério da Fazenda decidiu trocar o índice de correção monetária dos depósitos judiciais e administrativos, realizados para garantir o pagamento de valores discutidos em processos contra a União ou órgãos federais. A taxa Selic, usada desde o ano de 1998 e que atualmente corresponde a 15% ao ano, será substituída pelo IPCA, hoje equivalente a 5,32%. A medida pode desestimular a judicialização pelas empresas, segundo especialistas, já que elas passarão a ter um retorno financeiro menor sobre o valor depositado.
A alteração consta na Portaria MF nº 1.430, de 2025, publicada ontem no Diário Oficial da União. O texto detalha uma mudança que já havia sido prevista na Lei federal nº 14.973, de setembro de 2024. Contudo, não havia ainda a definição de qual seria o novo índice de correção e nem se os depósitos que já foram feitos seriam atingidos. Os dois pontos foram esclarecidos na portaria.
Na época, o montante total em depósitos judiciais e extrajudiciais chegava a R$ 217,6 bilhões. Esses valores são repassados pela Caixa Econômica Federal (CEF) à conta única do Tesouro Nacional. O dinheiro depositado na conta única do Tesouro até a entrada em vigor da nova portaria ainda será corrigido pela Selic.
A adoção do IPCA é um jeito de desestimular que as empresas usem o não pagamento de tributos como uma espécie de investimento financeiro, segundo Carolina Sposito, advogada do escritório Trench Rossi Watanabe. A tributarista explica que, para as empresas que têm como fazer o depósito, isso acaba sendo visto como um investimento, por causa do benefício da correção pela Selic.
Carolina explica que, geralmente, quem faz o depósito judicial tem a desvantagem de tirar esse dinheiro do fluxo de caixa. Porém, esta é uma forma de garantir os valores em disputa judicial com mais facilidade do que o seguro-garantia ou a fiança bancária. “Não é toda empresa que consegue seguro-garantia, que é vinculada ao faturamento da companhia. E a fiança é muito cara”, afirma ela.
Quando a Lei 14.973 trouxe a previsão de mudança da correção, em 2024, surgiu o receio sobre o rendimento de depósitos judiciais que já haviam sido feitos. Sobre isso, a portaria trouxe tranquilidade para os cidadãos e setor produtivo, segundo Sposito, ao estabelecer a alteração somente para os depósitos realizados a partir do ano que vem.
Carolina também estima que, para a União, a mudança no índice de correção monetária dos depósitos pode reduzir os provisionamentos e gastos quando é necessário devolver os valores e fazer o pagamento da correção. “Se a União perde tem que provisionar os juros porque o depósito tem que ser devolvido com valor atualizado”, explica.
Já o advogado Thiago Paranhos Neves, do escritório Pinheiro Guimarães, afirma que a constitucionalidade da correção pelo IPCA poderá ser questionada judicialmente. Isso porque a Selic é o mesmo índice que a União usa na correção que aplica na cobrança das dívidas (credora) e, agora, ela passará a corrigir pelo IPCA quando é a devedora. “A partir do momento que a União pode usar o depósito e o contribuinte não tem o poder de levantar esse montante antes da decisão judicial final, deveria ser dado tratamento paritário”, diz.
Ainda segundo o advogado, a mudança pode reabrir outra discussão judicial, que é a incidência de tributos sobre esses depósitos. Para Neves, se o rendimento do depósito deixar de ser um ganho financeiro, sendo apenas reposição do valor, não poderia sofrer a incidência de IR, CSLL, PIS e Cofins. “Se o intuito é corrigir pela inflação com a ideia de não gerar ganho para o contribuinte, isso poderá permitir a reabertura de discussões sobre casos de tributação de depósito judicial”, afirmou.
O tema aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Em ação proposta pela Confederação Nacional de Saúde (CNS), a Corte vai definir se é constitucional a tributação tendo em vista que a taxa Selic aplicada aos depósitos judiciais tributários não configura renda, lucro ou qualquer tipo de acréscimo patrimonial, mas tem natureza híbrida de correção monetária e juros moratórios indenizatórios, não constituindo ganho (ADI 7813). Para Neves, a partir de 2026, com a correção pelo IPCA, ficará ainda mais claro que não há ganho financeiro.
Procurados pelo Valor, o Ministério da Fazenda e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não responderam até o fechamento da edição.