STJ retoma julgamento sobre parcelamento especial
Por Luiza Calegari — De São Paulo
Pouco antes do recesso do Judiciário, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) retomou o julgamento sobre o prazo para apresentação de documentação para adesão ao Programa Especial de Regularização Tributária (Pert), um parcelamento especial para dívidas tributárias vencidas até 30 de abril de 2017. O julgamento da 2ª Turma da Corte interessa às empresas que perderam este prazo e, por causa disso, não usaram os benefícios do programa.
Ao votar, o relator, ministro Francisco Falcão mencionou que a repercussão do julgamento poderia chegar a R$ 18 bilhões, que foi o total do montante arrecadado pelo Pert na época. Mas, após dois votos a favor do Fisco e um do contribuinte, um pedido de vista suspendeu o julgamento. Faltam dois votos.
O caso concreto envolve a distribuidora de energia EDP São Paulo, que renegociou R$ 18 milhões em dívidas de PIS e Cofins, em 2018, por meio do Pert. O programa foi criado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para oferecer parcelamento especial para pessoas físicas e jurídicas com dívidas com a própria PGFN ou com a Receita Federal (Lei nº 13.496/2017).
A EDP aderiu ao programa, mas perdeu o prazo para apresentar as Declarações de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCFTs). Isso ocorreu, segundo a empresa, porque a Instrução Normativa da Receita Federal nº 1.855, publicada no Diário Oficial da União em 10 de dezembro de 2018, instituiu como prazo final de apresentação desses documentos o dia 7 de dezembro de 2018 – ou seja, antes mesmo da própria publicação da norma.
A empresa pediu à Justiça que obrigasse a PGFN a analisar novamente o requerimento administrativo de revisão da consolidação do Pert, mas o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) negou. A EDP, então, levou o caso ao STJ (REsp 2084830).
Na 2ª Turma, o relator, ministro Francisco Falcão, votou contra o pedido da empresa. Segundo Falcão, a Instrução Normativa 1855 “não impôs nova condição para o parcelamento, tampouco limitou direitos”.
O ministro afirmou que o pedido da EDP seria razoável se as declarações tivessem sido apresentadas entre o dia 7 de dezembro (prazo final determinado pela norma) e o dia 10 (data em que ela foi publicada), mas os documentos só foram protocolados no dia 14. Ele foi acompanhado pela ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Já para o ministro Afrânio Vilela, a decisão de segunda instância não enfrentou todos os argumentos trazidos no processo que poderiam influenciar na decisão final. Ele destacou que não foram analisadas as possíveis violações ao Código Tributário Nacional (CTN), do Decreto 4.657, do artigo 8º do Código de Processo Civil (CPC) e ao artigo 1º da lei que instituiu o Pert (Lei 13.496).
Vilela ressaltou também que, embora concorde com a fundamentação de Falcão de que o Judiciário não deve afrontar a autonomia da autoridade tributária, a previsão trazida pela Instrução Normativa da Receita teria afrontado o CTN (artigos 100 e 106).
Além disso, segundo ele, só pode retroagir a norma que beneficie o contribuinte, mas essa criava obrigação. “O artigo 11 da IN 1.855, publicada no DOU em 10 de dezembro de 2018, ao criar a exigência de transmissão de documentos originais ou retificadores, até 7 de dezembro de 2018, ou seja, até três dias antes do seu nascimento para o mundo jurídico, atenta contra todas as legislações que foram mencionadas”, afirmou Vilela. Após o voto, o ministro Teodoro Silva Santos pediu vista do processo.
Para tributaristas, a linha de raciocínio apresentada por Afrânio Vilela é a que traz mais segurança e racionalidade. Pedro Siqueira, do Bichara Advogados, defendeu a empresa no processo e afirmou que a questão é bastante simples. “O que a defesa diz é que não tem como cumprir um prazo que já veio descumprido, retroativo”, resume.
Siqueira destaca também que a análise do caso parece ter se baseado na possibilidade do impacto econômico bilionário, segundo citou o relator ao votar. Mas ele lembra que a causa em jogo, da EDP São Paulo, trata apenas de R$ 18 milhões, que inclusive estão sendo pagos pela empresa desde 2018.
A EDP Espírito Santo também levou a questão ao Judiciário e obteve decisão favorável, transitada em julgado, no TRF da 2ª Região. Neste processo, a 4ª Turma Especializada entendeu que “o dispositivo em questão criou obrigação não prevista em lei” e “prejudicou o planejamento tributário dos contribuintes que haviam aderido ao programa, criando obrigação nova e de modo que não seria mais possível cumpri-la” (processo nº 5028117-52.2020.4.02.5001).
Fabrício Parzanese, sócio da área tributária do Velloza Advogados, também entende que não é razoável negar o parcelamento de dívidas tributárias por uma questão de data retroativa. “Os programas de negociação de débitos tributários são uma conquista que não pode ser relativizada por excesso de formalismo”, opina.
“A negativa vai na contramão do que se tem discutido no âmbito do Direito Tributário, que é o aprimoramento das relações entre o Fisco e o contribuinte. Esse tipo de postura fragiliza a confiança do contribuinte para buscar o Fisco e confessar dívidas buscando a renegociação”, afirma Parzanese.