Imputação proporcional ou linear? Polêmicas envolvendo métodos para amortização de débitos em atraso

Fernando Brasil de Oliveira Pinto, Maria Carolina Maldonado Kraljevic

Na hipótese de extinção de débitos tributários em atraso, não há dúvidas acerca da incidência de multa de mora e juros Selic. No entanto, quando o pagamento ou a compensação ocorrem de forma parcial, surge a polêmica envolvendo os métodos para amortização do débito.

Dois são os principais métodos para amortização de débitos em atraso: imputação proporcional e imputação linear. Na imputação proporcional, o montante pago ou compensado é alocado, de forma proporcional, ao principal, à multa de mora e aos juros devidos naquela data. Na imputação linear, por sua vez, o valor pago ou compensado é imputado de acordo com as alocações realizadas pelo próprio contribuinte via Darf. ou, tratando-se de compensação ou postergação, integralmente ao principal e apenas eventual saldo remanescente do principal estará sujeito à multa de mora e aos juros.

O tema não é novo, mas sua abrangência é ampla. Os métodos para amortização de débitos em atraso são discutidos, por exemplo, em processos de compensação e em casos de postergação de pagamento ou aproveitamento indevido de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa de CSLL. Além disso, o tema se tornou especialmente relevante com a aprovação da Súmula Carf nº 203, que estabelece que a compensação não equivale ao pagamento para fins de denúncia espontânea.

Imputação proporcional x Imputação linear
Para ilustrar a diferença entre os métodos para amortização de débitos em atraso, veja-se, abaixo, exemplo considerando um débito atualizado no montante de R$ 1.300 e o pagamento parcial de R$ 800:

Na imputação proporcional, utilizando-se de uma regra de três simples, em que o total devido corresponde a 100%, apura-se o percentual entre o tributo, multa e juros devidos em relação ao total recolhido. Após isso, multiplica-se o tal percentual pelo valor original do tributo devido, obtendo-se a parcela do valor original quitada com o pagamento em exame. Por último, excluindo-se a parcela assim encontrada do valor original do tributo devido, encontra-se o saldo ainda devido.

Na imputação linear, por sua vez, os contribuintes pretendem alocar o valor recolhido integralmente ao principal, método que implicaria, portanto, em menor saldo devedor após a imputação, pois a multa de mora e os juros seriam calculados sobre um saldo reduzido de principal. No limite, poderia inclusive não haver saldo de multa a ser cobrada caso o valor total recolhido coincidisse com o valor do principal devido, o que implicaria, ao final, somente em saldo de juros isolados em aberto.

Spacca
Retornando-se aos exemplos acima, na imputação proporcional, após alocação do pagamento, resta um saldo de principal de R$ 384,62, que seguirá sujeito à multa de mora e juros até o seu adimplemento. Na imputação linear, por sua vez, o mesmo pagamento parcial de R$ 800 resultou em um saldo de principal de R$ 200, que igualmente estará sujeito aos consectários legais até sua quitação. Além disso, na imputação linear, a multa e os juros incidem apenas sobre o saldo de R$ 200, o que torna a diferença entre os métodos ainda mais significativa.

Histórico legislativo e origem da polêmica
Aqueles que defendem a imputação proporcional o fazem com base nos artigos 163 e 167 do CTN. O primeiro trata das regras de imputação de pagamentos e, por não conter comando expresso de prevalência entre principal, multa e juros, entende-se pela aplicação, por analogia, do artigo 167. O referido dispositivo versa sobre a restituição de débitos tributários e estabelece que “a restituição total ou parcial do tributo dá lugar à restituição, na mesma proporção, dos juros de mora e das penalidades pecuniárias”. Esse foi o entendimento adotado pela Receita Federal na Nota Cosit n° 106/2004.

Por outro lado, a imputação linear, supostamente, teria por base o Parecer Cosit nº 02/1996 e a redação original dos artigos 43 e 44 da Lei nº 9.430/1996.

O item 6.2 do Parecer Cosit nº 02/1996, ao tratar dos efeitos da postergação de tributo, determina que, “em relação às parcelas do imposto e da contribuição social que houverem sido pagas, deve ser efetuado [o lançamento de ofício] para exigir, exclusivamente, os acréscimos relativos a juros e multa, caso o contribuinte já não os tenha pago”.

Spacca
Por sua vez, o inciso II do §1º do artigo 44 da Lei nº 9.430/1996, na redação que vigeu até o advento da Lei nº 11.488/2007 previa a possibilidade de exigência de multa de ofício, isoladamente, quando o tributo fosse pago após o vencimento e sem acréscimo de multa de mora. Enquanto o artigo 43, ainda em vigor, estabelece a possibilidade de “exigência de crédito tributário correspondente exclusivamente a multa ou a juros de mora, isolada ou conjuntamente”.

Da interpretação conjunta de tais dispositivos, concluem os defensores da imputação linear que, na hipótese de pagamento de tributo em atraso, sem acréscimo de multa de mora, o valor pago seria imputado ao principal, a multa de mora ensejaria o lançamento de multa de ofício, nos termos do inciso II do §1º do artigo 44, e os juros de mora seriam lançados isoladamente, com arrimo no artigo 43.

A alteração do inciso II do §1º do artigo 44 Lei nº 9.430/1996, a partir de 2007, não alterou o debate sobre o tema, que seguiu com base no artigo 43 da referida lei e no Parecer Cosit nº 02/1996. Mas levou à aprovação da Súmula Carf nº 31 [1], que definiu a impossibilidade de aplicação de multa isolada sobre os valores de tributos recolhidos espontânea e extemporaneamente, baseando-se, para tanto, nas alterações trazidas pela Lei nº 11.488/2007 ao artigo 44 da Lei nº 9.430/96 [2].

A partir desse cenário é que os métodos para amortização de débitos pagos ou compensados em atraso vêm sendo debatidos no âmbito do Carf.

Jurisprudência do Carf
Como adiantado, o tema da amortização de débitos em atraso não é novo na jurisprudência do Carf. Em 04.12.2007, a 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do então Conselho de Contribuintes decidiu, no Acórdão nº CSRF/01-05.765, por unanimidade de votos, que, após o advento da Lei nº 9.430/1996, os acréscimos devem ser lançados separadamente, sendo inaplicável o método da imputação proporcional em caso de pagamento de tributo em atraso. Interessante notar que a decisão expressamente afastou a aplicação do artigo 167 do CTN, por analogia, para as hipóteses de pagamento de tributo, tendo em vista que o §1º do artigo 108 expressamente “veda o emprego da analogia para a exigência de tributo não previsto em lei”.

Adiante, tal decisão foi reproduzida no Acórdão nº 9101-000.578, de 18/5/2010, que analisa o mesmo caso e foi igualmente julgado por unanimidade de votos.

No Acórdão nº 9303.001.659, de 4/10/2011, por voto de qualidade, foi dado provimento ao recurso especial da Fazenda Nacional, reconhecendo a possibilidade de lançamento de ofício para exigir insuficiências de recolhimento, que podem ser apuradas, inclusive, de acordo com a sistemática da imputação proporcional. Interessante notar que, ao interpretar o artigo 43 Lei nº 9.430/1996, concluíram os julgadores que a autoridade fiscal tem a prerrogativa de lançar, de forma isolada, a multa e os juros de mora ou, alternativamente, realizar a imputação proporcional, como o fez no caso. Assim, de acordo com o posicionamento que lá prevaleceu, as duas sistemáticas seriam plenamente válidas.

No Acordão nº 9101-001.233, de 21/11/2011, que discutia a amortização de débitos em caso de postergação, por unanimidade de votos, os julgadores entenderam que “[a] partir da vigência da Lei nº 9.430/1996, que instituiu nova disciplina para exigência dos pagamentos em atraso sem os acréscimos de juros e multa de mora, é inaplicável o método da imputação proporcional”.

Em sentido oposto é o Acórdão nº 9101-004.127, de 11.04.2019, no qual foram analisados os métodos para amortização de débitos em caso de compensação. Na oportunidade, por maioria de votos, concluíram os julgadores pela legalidade da imputação proporcional. Isso porque (1) nos termos do Parecer PGFN/CDA Nº 1936/2005 e da Nota Cosit nº 106, é vedado ao sujeito passivo estabelecer precedência de pagamento entre as parcelas que compõem um mesmo débito tributário; (2) não faria sentido quitar integralmente o principal e os juros decorrente e manter, exclusivamente, a multa de mora, que é um consectário legal que incide sobre o principal; e (3) de acordo com a Súmula STJ 464, a regra de imputação de pagamentos estabelecida no artigo 354 do Código Civil, que prevê a imputação do pagamento primeiro aos juros, não se aplica às hipóteses de compensação tributária.

No Acórdão nº 9303-010.056, de 23/1/2020, por sua vez, por unanimidade de votos, reconheceu-se a possibilidade de imputação proporcional em caso de compensação. Na oportunidade, o relator baseou sua decisão no §14 do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996, que estabelece a competência da Receita Federal para disciplinar a compensação tributária, o que foi feito pela Instrução Normativa nº 460/2004, que expressamente previu a imputação proporcional na hipótese de compensação parcial de tributo.

Contrário à imputação proporcional, mas com referência expressa ao período em que vigeu a redação original do inciso II do §1º do artigo 44 da Lei nº 9.430/1996, é o Acórdão nº 9303-010.325, julgado por unanimidade de votos em 17.06.2020.

No Acórdão nº 9101-005.093, de 2/9/2020, analisou-se a possibilidade de imputação proporcional em caso de postergação de pagamento de tributo, em razão da compensação de base de cálculo negativa de CSLL em valor superior ao limite de 30%.

A relatora, que restou vencida, entendeu pela aplicação do método linear, previsto no Parecer Cosit nº 02/1996. A redatora do voto vencedor, por sua vez, baseou seu voto nos seguintes fundamentos: (1) o item 6.2 do Parecer Cosit 02/1996 não pode ser interpretado como determinação para lançamento isolado de multa de mora e juros, a indicar que a imputação linear seria adequada para a hipótese de postergação do pagamento, vez que o item 7 do referido parecer confirma a imputação proporcional ao determinar que o “lançamento deve ser feito pelo valor líquido do imposto e da contribuição social, depois de compensados os valores a que o contribuinte tiver direito” em razão do pagamento posterior, vez que, caso fosse possível a imputação linear, não haveria que se falar em exigência do imposto ou contribuição – mas apenas de multa e juros –; (2) “se a restituição obedece a critério proporcional, por analogia e simetria, a imputação do pagamento também deveria observá-lo”, de forma que, inexistindo regra expressa de precedência entre tributo, muta e juros, a forma de alocação de pagamentos entre as parcelas componentes de um mesmo crédito tributário deve ser definida nos termos do artigo 167 do CTN; (3) com a revogação do inciso II do §1º do artigo 44 Lei nº 9.430/1996 deixou de existir a possibilidade de se exigir, isoladamente, penalidades em razão da inobservância do prazo de recolhimento de tributos e o artigo 43 do referido dispositivo somente se aplica para fins de constituição de juros isolados para prevenir a decadência em casos de decisão judicial amparando o não recolhimento do tributo; e (4) o STJ já declarou a legalidade da imputação proporcional pela RFB, em casos de compensação.

Adiante, diversos acórdãos adotaram como fundamentação aquela contida no Acórdão nº 9101-005.093 para reconhecer a possibilidade de imputação proporcional na amortização de débitos em atraso. Exemplo disso é o Acórdão nº 9101-005.884, de 12/11/2021 e o Acórdão nº 9101-006.560, de 6/4/2023, que analisaram casos de compensação; e o Acórdão nº 9101-005.994, de 10/2/2022 e o Acórdão nº 9101-007.100, de 7/8/2024, que versaram sobre a hipótese de postergação do pagamento.

Em oportunidade recente, foi proferido o Acórdão nº 9101-007.190, de 03.10.2024, por unanimidade de votos. A decisão, que versou sobre a possibilidade de caracterização de denúncia espontânea em compensação, além de adotar como fundamento o conteúdo do Acórdão nº 9101-005.093, acrescentou que a imputação proporcional era, mesmo antes da Lei 11.488/2007, que revogou o inciso II do §1º do artigo 44 da Lei nº 9.430/1996, o único método válido para determinação dos valores devidos em face de recolhimento ou compensação de débitos em atraso.

Conclusões
A partir dos acórdãos analisados, pode-se concluir que a controvérsia envolvendo os métodos para amortização de débitos pagos ou compensados em atraso parece estar pacificada, principalmente no âmbito da 1ª Turma da CSRF do Carf, que, atualmente, entende ser a imputação proporcional o método adequado inclusive no período em que vigeu o inciso II do §1º do artigo 44 da Lei nº 9.430/1996, na redação anterior à Lei nº 11.488/2007.

[1] “Descabe a cobrança de multa de ofício isolada exigida sobre os valores de tributos recolhidos extemporaneamente, sem o acréscimo da multa de mora, antes do início do procedimento fiscal. (Súmula revisada conforme Ata da Sessão Extraordinária de 3/9/2018, DOU de 11/9/2018). (Vinculante, conforme Portaria ME nº 129, de 1/4/2019, DOU de 2/4/2019).

[2] Entre dos precedentes desse enunciado, destaca-se o Acórdão CSRF/04-01.176, cujo seguinte excerto do voto condutor resume o entendimento firmado: “Como se pode concluir, a multa isolada pelo recolhimento extemporâneo de tributo/contribuição sem a multa de mora, exigida nos autos, foi revogada, cabível a aplicação do art. 106 do Código Tributário Nacional […]”.

Fernando Brasil de Oliveira Pinto, Maria Carolina Maldonado Kraljevic

Fernando Brasil de Oliveira Pinto
é conselheiro da 1ª Turma Câmara Superior de Recursos Fiscais e presidente da 1ª Seção de Julgamento do Carf, auditor fiscal da Receita Federal e ministra aulas em cursos de especialização. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Feevale em parceria com a PUC-RS, bacharel em Direito pela Universidade Feevale e em Ciências Contábeis pela USP (Universidade de São Paulo), Mestrando em Mestrado Profissional da Empresa e dos Negócios da Unisinos.

Maria Carolina Maldonado Kraljevic
é mestre e doutoranda em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), conselheira da 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Carf, advogada licenciada, contadora e professora de Direito Tributário em cursos de pós-graduação e extensão universitária.

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