STJ: Seguro e fiança suspendem cobrança de crédito não tributário
Por Luiza Calegari — De São Paulo
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a oferta de seguro garantia e a fiança bancária pelo devedor suspende a exigibilidade de crédito não tributário – multas de agências reguladoras e autarquias, por exemplo. A única condição, segundo os ministros, é que a apólice tenha valor 30% superior ao da dívida, para atender às exigências legais.
A decisão, da 1ª Seção, foi tomada em caráter repetitivo e deve ser seguida pelas instâncias inferiores (Tema 1203). É importante porque, até então, a única forma de suspender a exigência de crédito não tributário era o depósito em dinheiro.
Em relação ao crédito tributário, não há entendimento a favor do contribuinte. Em 2010, a 1ª Seção definiu que a fiança bancária não é equiparável ao depósito em dinheiro para fins de suspensão da exigibilidade da dívida. Levou em consideração o artigo 151 do Código Tributário Nacional (CTN), que não lista esses produtos, e a Súmula nº 112 (Tema 378).
Embora a Lei de Execuções Fiscais (nº 6.830, de 1980) tenha sido alterada em 2014 para incluir o seguro e a fiança como formas de garantia, o STJ manteve o posicionamento, por meio das turmas de direito público. Entende que “não servem para a finalidade de suspender a exigibilidade do crédito tributário cobrado” (REsp 1854357 e REsp 2001275).
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No julgamento agora da 1ª Seção, o advogado Paulo Gustavo Medeiros de Carvalho, que defendeu a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), sustentou que as hipóteses de suspensão do crédito não tributário estão no artigo 38 da Lei de Execuções Fiscais. O artigo 9º, disse, apesar de permitir a apresentação de seguro ou de fiança, não os equiparou ao depósito em dinheiro. “Tanto é verdade que o parágrafo 4º estabelece de forma clara que só o depósito em dinheiro faz cessar a responsabilidade pela atualização monetária e os juros de mora”, afirmou.
Em seu voto, porém, o relator, ministro Afrânio Vilela, discordou dessa linha de raciocínio. Ele aglutinou previsões de diversas leis para justificar o entendimento. De acordo com ele, o artigo 9º da Lei de Execuções Fiscais lista o seguro garantia e a fiança bancária entre as garantias possíveis da execução, o artigo 835 do Código de Processo Civil (CPC) os equipara a dinheiro para fins de substituição da penhora e o artigo 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB) prevê que, quando a lei for omissa, o juiz pode decidir por analogia.
Ele acrescentou que, na apresentação das garantias, o montante total discutido deve ser acrescido de 30%, em obediência ao parágrafo único do artigo 848 do CPC. E que cabe ao juiz avaliar a idoneidade da instituição financeira que apresentou a garantia, e abrir espaço para que a parte contrária possa impugnar a proposta, se houver motivo.
“Com todas as garantias que o sistema bancário e de seguros oferecem atualmente, essa substituição traz não gravosidade à empresa, menor vulnerabilidade, liberação de capital de giro e segurança bancária”, disse o ministro Afrânio Vilela.
O entendimento já era majoritário no STJ desde 2019, quando a 1ª Turma aplicou pela primeira vez o “método integrativo por analogia” e combinou o CPC e a Lei de Execuções Fiscais para entender que as garantias são válidas para suspender o crédito, “uma vez que não há dúvida quanto à liquidez de tais modalidades de garantia, permitindo, desse modo, a produção dos mesmos efeitos jurídicos do dinheiro” (REsp 1381254).
A 2ª Turma também passou a adotar o mesmo entendimento, consignando que, “quanto aos créditos não tributários, a oferta de seguro garantia ou fiança bancária tem o efeito de suspender a exigibilidade, não se aplicando a Súmula 112/STJ” (REsp 1919016).
Segundo advogados, o entendimento é positivo para as empresas. Janaína Carvalho, sócia do Henrique Mourão Advocacia, defendeu a Amil em um dos processos repetitivos e afirma que a principal vantagem para as empresas é não ter que desembolsar o montante total discutido por meio de depósito em juízo.
Para ela, o impacto vai além do setor de saúde, que foi representado na maioria dos recursos no STJ. “Toda e qualquer multa administrativa, ou seja, todo e qualquer crédito não tributário, poderá ser objeto de discussão com o oferecimento de seguro garantia ou carta fiança, e não mais por depósito em dinheiro”, explica.
O entendimento aumenta as possibilidades para as empresas gerirem caixa e investirem, segundo ressalta Arthur Mendes Lobo, sócio do Wambier, Yamasaki, Bevervanço & Lobo Advogados. “Com o entendimento consolidado, os executados têm opção real e menos onerosa para garantir seus recursos produtivos, enquanto o credor mantém seu direito, desde que a garantia seja adequada”, diz.
Além disso, o seguro garantia e a fiança bancária são instrumentos altamente regulados, conforme lembra Cristiane Romano, sócia de contencioso do Machado Meyer. “Esses institutos são expedidos por instituições financeiras e seguradoras, setores altamente regulados e com regramentos muito rígidos. Também são instrumentos muito líquidos. Se o credor não pagar, o banco ou a seguradora podem ser acionados”, afirma.
Fernando Mendes, sócio do escritório Warde Advogados, concorda que tanto o seguro garantia quanto a fiança são meios idôneos para garantir os direitos tanto do credor quanto do devedor, pois “conforme entendimento do próprio STJ, dá-se liquidez ao crédito do exequente, sem comprometer o capital do executado, produzindo os mesmos efeitos jurídicos que o dinheiro”.
Entre outubro e dezembro de 2024, a Advocacia-Geral da União (AGU) abriu um programa de transação para esse tipo de crédito. Segundo o mais recente balanço parcial, foram recebidos 2.493 pedidos, com projeção de arrecadação de R$ 3,62 bilhões em transações aprovadas. O valor pode chegar a mais de R$ 4 bilhões após o fim da apreciação de todos os pedidos de adesão, informa a AGU em nota.