Justiça flexibiliza quarentena para nova transação tributária
Por Marcela Villar — De São Paulo
Uma decisão da Justiça Federal de São Paulo flexibilizou a quarentena de dois anos imposta pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) quando uma empresa descumpre acordo de transação tributária. Durante esse período, o contribuinte fica impedido de fazer nova negociação para quitar débitos com o Fisco. A liminar permite que o fim do prazo seja antecipado ao contar a partir da data da inadimplência, em vez do fim do processo administrativo.
A quarentena de dois anos é regulamentada pela lei de transação tributária (nº 13.988, de 2020). Para o juiz Marco Aurelio de Mello Castrianni, da 1ª Vara Cível Federal de São Paulo, o prazo deve começar a correr imediatamente após o inadimplemento da terceira parcela – o que, no caso da fabricante de produtos médicos em recuperação judicial HN, ocorreu em 1º de janeiro de 2023.
Já para a PGFN, o marco temporal deve ser a conclusão do processo administrativo que apurou o não pagamento das parcelas e a consequente rescisão do contrato – isto é, dia 5 de janeiro de 2024. Esse também tem sido o entendimento majoritário dos Tribunais Regionais Federais (TRFs), segundo levantamento da tributarista Andréa Mascitto, sócia do Pinheiro Neto.
O magistrado levou em conta o argumento de que a procuradoria demorou para analisar a rescisão e que o contribuinte não pode ser penalizado pela demora da administração pública. Se fosse considerada a data do fim do processo administrativo, a empresa não poderia fazer outra transação até janeiro de 2026.
Com a liminar, esse empecilho foi afastado. Segundo o advogado do caso, Thiago Taborda Simões, do TSA Advogados, a cautelar possibilita a regularização tributária da fabricante, que está em recuperação judicial desde o fim do ano passado e precisa do certificado de regularidade para que o plano com credores seja homologado – ainda não houve assembleia ou apresentação do plano. De acordo com ele, a HN deve cerca de R$ 30 milhões à União por tributos não pagos nos últimos sete anos.
A HN fez a primeira transação por adesão em julho de 2021 e pagou regularmente 16 parcelas. Menos de um ano e meio depois começou a inadimplir o acordo. Ela defende, na ação judicial, que a rescisão automática da transação deveria ter ocorrido após o não pagamento de três parcelas consecutivas, ou seja, em janeiro de 2023, conforme a Portaria PGFN nº 14.402, de 2020.
Diz que o impedimento colocado pela PGFN prejudica a reestruturação financeira da empresa, argumento acatado pelo juiz. Para o magistrado, o “periculum in mora”, requisito para a concessão de uma liminar, é o prazo curto para adesão ao Edital PGDAU nº 6/2024 da PGFN, vigente até o dia 30 de maio.
“A manutenção do impedimento administrativo poderá inviabilizar, de forma definitiva, a inclusão da impetrante na transação tributária, frustrando a finalidade do presente writ e prejudicando o processo de reorganização empresarial atualmente em curso”, disse Castrianni.
Na visão dele, a rescisão da transação por inadimplemento de três parcelas consecutivas ou alternadas é automática, “não dependendo de ato formal subsequente da Administração para sua configuração”. Para o juiz, “não se mostra razoável, tampouco juridicamente aceitável, que o contribuinte fique sujeito à fluência de prazos sancionatórios a partir de ato administrativo tardio e meramente declaratório” (processo nº 5012085-67.2025.4.03.6100).
Decisão é atípica em comparação com linha seguida pelos TRFs”
— Andréa Mascitto
Uma decisão similar foi dada recentemente pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5). Mas, nesse caso, a Corte livrou o contribuinte de cumprir a quarentena e determinou que a PGFN fechasse acordo com a empresa inadimplente (processo nº 0801350-37.2025.4.05.0000). Em outro caso, do TRF-2, o acórdão diz que “a rescisão da transação não se opera automaticamente, dependendo de processamento no sistema da administração tributária” (processo nº 5000661-22.2025.4.02.0000).
O advogado da HN no caso, Thiago Taborda Simões, diz que a quarentena é a única punição prevista na lei de transação tributária, que permite uma série de benefícios. No caso do Edital PGDAU nº 6/2024, possibilita a negociação de dívidas de até R$ 45 milhões, inscritas até agosto de 2024, com parcelamento em até 133 vezes.
Para Simões, a empresa não poderia ser punida por demora da PGFN. “A exclusão da transação deveria ser ato contínuo, porque a portaria fala que implica rescisão o não pagamento de três parcelas consecutivas ou alternadas”, diz. Segundo ele, é comum que a Fazenda demore para analisar a rescisão de transações por inadimplemento. “Já vi casos que demoram seis meses para excluir”, acrescenta.
A liminar permite a adesão a um edital de transação após a empresa ter inadimplido um acordo anterior em menos de dois anos. Simões pretende recorrer da liminar para torná-la mais abrangente, permitindo a transação individual – que permite maiores descontos durante uma recuperação judicial. “A diferença entre as duas é o uso do prejuízo fiscal, que na adesão não dá para usar, e já dá um bom desconto”, diz.
Para a tributarista Andréa Mascitto, do Pinheiro Neto, a decisão é atípica. “Os TRFs seguem na linha de que a rescisão tem que ser considerada a partir do momento que ela for formalizada pela PGFN”. Ela lembra que, segundo a lei da transação, o contribuinte será notificado ao incidir uma das hipóteses de rescisão e haverá prazo de 30 dias para manifestação.
Andréa concorda com a liminar, mas entende que ela deveria ter sido concedida com base nos prazos da lei geral do processo administrativo (nº 9784, de 1999). Nela, se estabelecem prazos para coibir a morosidade da Fazenda Nacional. “Houve um tempo de quase um ano entre a constatação e a intimação da rescisão”, acrescenta ela, mencionando que o período ultrapassa o razoável.
Em nota, a PGFN disse que a liminar “diverge da posição majoritária do TRF-3, que tem reiteradamente afirmado que o prazo de dois anos para realização de nova transação tem como marco inicial a rescisão formal da transação anteriormente firmada”. “A União está convicta que a decisão será reformada”, disse, citando precedentes (processo nº 5002968-19.2025.4.03.0000).