Contribuintes conseguem no Judiciário adiar o fim do benefício fiscal do Perse

Por Laura Ignacio e Arthur Rosa — De São Paulo Advogada Florence Haret: benefício fiscal do Perse deveria vigorar por mais dois anos, até 18 de março de 2027 — Foto: Divulgação Empresas conseguiram liminares e sentenças no Judiciário para estender o prazo do benefício fiscal do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), que teria acabado no dia 1º de abril, ao atingir R$ 15 bilhões de renúncia fiscal. As decisões determinam a manutenção da alíquota zero de Imposto de Renda (IRPJ), CSLL, PIS e Cofins até março de 2027, com base na lei original do Perse, a de nº 14.148/2021, ou mais três meses para as contribuições sociais e quase um ano para o IRPJ – ao aplicar a anterioridade tributária. O teto de R$ 15 bilhões foi instituído em 2024, por meio da Lei nº 14.859. E a data determinada para o fim do benefício, com o atingimento do limite, veio com Ato Declaratório Executivo nº 2/2025, editado pela Receita Federal. Essas duas normas são questionadas pelos contribuintes nas ações. Uma das decisões beneficia os associados da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). A liminar foi concedida pela 4ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, que estendeu o benefício fiscal do Perse “até o efetivo esgotamento do prazo de 60 meses previsto no artigo 4º da Lei nº 14.148/2021” (processo nº 1027337-87.2025.4.01.3400). Na decisão, o juiz Itagiba Catta Preta Neto afirma que “a cessação abrupta do benefício fiscal, com exigência dos tributos a partir de abril de 2025, implica ônus financeiro imediato e desproporcional às empresas representadas, muitas das quais ainda em recuperação dos efeitos da pandemia”. Para ele, houve “cobrança antecipada, sem o devido respeito aos princípios constitucionais de anterioridade e à garantia legal do benefício”. LEIA MAIS: Donos de bares e restaurantes que quase faliram na pandemia contam como deram a volta por cima O magistrado acrescenta, na decisão, que o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que benefício fiscal concedido por prazo certo e com condições específicas não pode ser revogado por norma posterior, por configurar direito adquirido (RE 169.880 e RE 91.291). “Além disso, o próprio artigo 178 do CTN [Código Tributário Nacional] exige que a revogação de isenções condicionadas e por prazo certo respeite os direitos já constituídos. O ato coator, ao desconsiderar esses limites, afronta tanto a legalidade quanto a segurança jurídica.” Daniel Freire Carvalho, do escritório DF Carvalho Advogados, que representa a Abrasel no processo, destaca a importância da decisão garantir o prazo original do benefício. E acrescenta que o ato declaratório da Receita que estabeleceu o fim do benefício fiscal tem como base “mera projeção e cálculo que inclui valores sub judice, ainda não definitivamente julgados”. “Está em relatório da Receita Federal de março, mas não há comprovação de que efetivamente o teto de R$ 15 bilhões foi atingido”, afirma o advogado. Duas empresas do setor de transporte rodoviário coletivo de passageiros conseguiram sentenças para garantir o benefício fiscal até março de 2027. As ações estão mais adiantadas, segundo o advogado Ricieri Calixto, sócio do escritório Salamacha Advocacia, que defende os contribuintes, porque foram ajuizadas contra a Lei nº 14.859, de 2024, que estabeleceu o teto de R$ 15 bilhões. “Lá atrás, já se sabia que o benefício fiscal ia acabar antes dos 60 meses previstos inicialmente”, diz. “A limitação dos R$ 15 bilhões, porém, é ilegal, pois o programa foi instituído com prazo certo e determinado.” As decisões foram proferidas pelo juiz Antônio César Bochenek, da 2ª Vara Federal de Ponta Grossa (PR). “O benefício fiscal em comento possui natureza de isenção e, nos termos do artigo 178 do CTN, como foi concedida por prazo certo, não pode ser livremente revogada”, afirma o magistrado (processos nº 5006860-62.2024.4.04.7009 e nº 5005757-20.2024.4.04.7009). Em São Paulo, duas empresas de organização de eventos obtiveram liminares para manter a alíquota zero de PIS, Cofins e CSLL até 1º de julho. Para o IRPJ, o prazo aplicado foi maior: 1º de janeiro de 2026. Em ambos os casos, os juízes entenderam que ao menos é preciso respeitar o princípio da anterioridade anual para o IRPJ e o da anterioridade nonagesimal para as contribuições sociais, com base no artigo 178 do CTN (processos nº 5000974-93.2025.4.03.6130 e nº 5007873-03.2025.4.03.6100). De acordo com a advogada Florence Haret, sócia do NHM Advogados, que defende os contribuintes, as ações foram ajuizadas para contestar o ato declaratório da Receita Federal, publicado em 23 de março, para determinar que a partir de 1º de abril o benefício da alíquota zero do Perse estaria revogado. “Deram oito dias para as empresas se organizarem. Mas o Perse deveria vigorar até 18 de março de 2027, ou seja, mais dois anos de incidência”, diz. Segundo Florence, outros clientes da banca também entraram com mandado de segurança com pedido de liminar na Justiça, ainda sem resposta. “O maior caso no escritório é de uma empresa que, pelos nossos cálculos, perderá R$ 24 milhões de benefício fiscal em dois anos”, afirma. “Por meio das duas primeiras liminares obtidas, garantimos ao menos a anterioridade, mas entramos com agravo e esperamos que o benefício como um todo seja postergado até 2027.” Florence argumenta ainda que, conforme o parágrafo 11 do artigo 4 da Lei nº 14.148/21, as empresas do Perse foram submetidas a “condições onerosas” decorrentes da pandemia. “É essa condição onerosa que impede a revogação do benefício”, diz. Sobre o impacto do fim do Perse nos contratos, a advogada orienta que, até uma decisão transitada em julgado (quando não cabe mais recurso), é preciso considerar essa mudança tributária na composição de preço, “mesmo com liminar favorável”. Já Ilan Gorin, do Gorin Advocacia, aponta que a argumentação usada agora contra o fim do Perse é a mesma proposta contra as limitações impostas pela União para o aproveitamento do benefício fiscal nos últimos anos. “Primeiro várias atividades deixaram de poder usar a alíquota zero, depois impediram o uso do crédito de PIS e Cofins e sempre alegamos o artigo 178 do CTN”, afirma. Para o tributarista, para colocar uma pá de cal no assunto seria necessária uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). No próximo dia 9, a Corte julgará um recurso repetitivo sobre o Perse, mas a princípio os ministros abordarão dois assuntos: a exigência do cadastro prévio no Cadastur para o uso do benefício e o aproveitamento da alíquota zero por empresas tributadas pelo Simples (Tema 1283). Por meio de questão de ordem, Gorin pedirá a ampliação da discussão desse recurso repetitivo, colocando os artigos 178 e o 111 do CTN sob análise. “O STJ sempre foi rigoroso em respeitar ambos os artigos do CTN e já ampliou discussões em recurso repetitivo, como no julgamento do Tema 1239, que tratava só de pessoa física e a decisão abrangeu também pessoa jurídica”, diz. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) defende a legalidade do encerramento do Perse, “uma vez que o custo total de R$ 15 bilhões estabelecido pelo artigo 4º-A da Lei 14.148/2021 foi atingido”. Segundo o órgão, a Receita Federal já vinha divulgando relatórios periódicos que apontavam os valores gastos. Por meio de nota, a PGFN afirma ainda que, apesar de algumas decisões contrárias, há também precedentes favoráveis à União, a exemplo de um agravo julgado pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (processo nº 0804477-80.20 25.4.05.0000) e de um mandado de segurança analisado na Justiça Federal da 6ª Região (processo nº 1012022-28.2025.4.01.3300). “Diante de liminares desfavoráveis, a Fazenda irá interpor os recursos cabíveis e confia na reversão das decisões judiciais”, diz o órgão. Autor do projeto de lei do Perse, o deputado Felipe Carreras (PSB/PE) afirma que a judicialização seria evitada se fosse cumprido o que foi acordado, que seria o teto de R$ 15 bilhões. “Existem dúvidas se de fato foram consumidos os R$ 15 bilhões, mas no prazo de dois a três meses será feita uma auditoria, com Congresso Nacional, TCU, Receita Federal e entidades empresariais e, caso seja identificado que houve falha, o programa poderá ser reaberto, conforme acordado verbalmente com o ministro da Fazenda”, diz. Segundo a Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape), a Receita informou que, em dezembro, o custo do Perse já tinha alcançado R$ 13,7 bilhões, mas a Consultoria Tendências estima para o mesmo período a soma de R$ 11 bilhões e que o término do benefício só ocorreria na passagem do primeiro para o segundo semestre deste ano. “Vai continuar havendo judicialização porque temos um entendimento diferente com relação às formas de cumprimento da lei do Perse”, afirma Doreni Caramori Júnior, presidente da entidade.

Fonte: Valor Econômico

Data da Notícia: 07/04/2025 00:00:00

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