STJ permite ações da Fazenda Nacional para anular créditos da ‘tese do século’
Por Marcela Villar, Valor — São Paulo
A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu ontem uma importante questão para a União. Os ministros, por maioria de votos, consideraram válidas as ações movidas pela Fazenda Nacional (rescisórias) para reformar decisões definitivas obtidas por contribuintes e anular créditos relativos à “tese do século” — a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins.
A decisão foi dada em julgamento de recursos repetitivos, ou seja, valerá para todos os processos sobre o tema, que estavam suspensos até essa definição. O entendimento afeta as ações que estariam fora do limite temporal (modulação) adotado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). São processos ajuizados depois do julgamento de mérito, no ano de 2017, e finalizados antes da modulação, em 2021.
Na 1ª Seção, a maioria dos ministros acatou a tese da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que moveu pelo menos 700 ações rescisórias contra empresas que conseguiram decisões favoráveis nesse período. Para o órgão, é preciso adequar as sentenças obtidas à modulação dos efeitos.
Em 2021, o Supremo restringiu o benefício da exclusão para quem já tinha ação sobre o tema até 15 de março de 2017, data de julgamento do mérito da tese do século. Na prática, de acordo com a modulação, só esses contribuintes poderiam recuperar o que foi pago nos cinco anos anteriores ao ajuizamento das ações.
Quem apresentou ação depois dessa data, só teria direito a parte do crédito — não cinco anos. Segundo a Fazenda Nacional, 78% dos processos sobre exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins foram levados ao Judiciário após o marco definido pelos ministros do STF, que é a data do julgamento de mérito.
A tese vencedora no STJ foi a do ministro Gurgel de Faria, que seguiu a divergência inaugurada pelo ministro Herman Benjamin, apenas discordando sobre a extensão do julgamento. Enquanto Benjamin propôs estender a possibilidade das rescisórias para outros casos, sendo seguido pelo ministro Benedito Gonçalves, Faria restringiu a aplicação para o Tema 69 (tese do século).
Gurgel de Faria foi acompanhado pelos ministros Sérgio Kukina, Afrânio Vilela, Paulo Sérgio Domingues e Teodoro Silva Santos. Ficou vencido o relator, Mauro Campbell Marques, que votou contra a União.
Na visão de Faria, a modulação do STF faz parte do precedente. Por isso, quando as sentenças dos contribuintes transitaram em julgado, entre 2017 e 2021, a tese não havia se aperfeiçoado ainda. A decisão analisada, portanto, “não está em harmonia com parte dos efeitos produzidos pelo Tema 69, especificamente no tocante à modulação operada pelo próprio Supremo”, segundo afirmou ele durante a sessão.
Faria, que será o relator para o acórdão, fundamentou o voto no artigo 535 do Código de Processo Civil (CPC), que autoriza a revisão de decisões que, embora tenham seguido o entendimento consolidado à época, “ficaram em descompasso com novas orientações fixadas pelo Supremo no âmbito do controle de constitucionalidade” (REsp 2066696 e REsp 2054759).
Como sugestão de tese, Gurgel de Faria propôs: “Nos termos do artigo 535, parágrafo 8, do CPC é admissível o ajuizamento de ação rescisória para adequar julgado realizado antes de 13 de maio de 2021 à modulação dos efeitos do Tema 69 do STF”.
Alguns Tribunais Regionais Federais (TRFs), como o da 4ª Região, vinham dando razão ao governo para reformar as decisões dos contribuintes. No STJ, os precedentes eram divergentes, motivo pelo qual o tema foi afetado no fim do ano passado como repetitivo.
O procurador Leonardo Furtado, da Fazenda Nacional, que acompanhou a discussão no STF na época, diz que já em 2017 defendia a modulação. E que, de fato, acrescenta, foi preciso uma adequação para garantir isonomia tributária, principalmente porque 78% das ações dos contribuintes foram ajuizadas após o julgamento de mérito.
Por isso, a decisão do STJ é relevante para uniformizar esses entendimentos diversos que ocorreram durante esse período, diz ele. “Cada Corte tem seu tempo de julgamento. Então foi uma loteria, a depender de onde a ação caísse. No TRF-4, por exemplo, o processo corre rápido. E outros casos demoraram, então não precisou de rescisória porque o próprio Judiciário aplicou a modulação”, afirma o procurador.
Para Bruno Teixeira, sócio tributarista de TozziniFreire Advogados, com a decisão do STJ, a “segurança jurídica no Brasil sai prejudicada”. “A rescisão de uma sentença pode acarretar não apenas a devolução dos valores compensados, mas também a aplicação de multa ao contribuinte. Ou seja, o contribuinte vai dormir credor e acorda devedor do Fisco, com multa incluída”, diz.
Ele destaca que um de seus clientes vai perder 80% dos créditos que já estavam sendo usados em compensações tributárias. “Isso envia uma mensagem preocupante não apenas ao país, mas ao mundo, sobre a segurança jurídica das decisões no Brasil, o que é extremamente grave.”
Janssen Murayama, sócio do Murayama & Affonso Ferreira Advogados, afirma que, com a decisão do STJ, fica “uma lição para o contribuinte”. “Uma vez pautado o caso, é preciso ajuizar imediatamente sua ação judicial, para evitar perder o direito à restituição. Quase 80% das ações que discutiam essa tese foram ajuizadas depois do julgamento, e por isso a Fazenda vinha trabalhando muito pela modulação”, diz.
De acordo com ele, nesse caso específico, o STF deveria ter modulado a partir do julgamento dos embargos, em 2021, e não retroagir ao julgamento do mérito, em 2017. “Causa muita insegurança no ordenamento jurídico o STF esperar quatro anos para julgar a modulação. O adequado seria julgar o mérito e, havendo embargos de declaração, tentar analisá-los em meses ou, no máximo, em um ano, para não criar esse limbo.” (Colaborou Luiza Calegari)