Incidência do IBS e da CBS sobre importações
Fernando Pieri
A reforma tributária vem ocupando a coluna em várias publicações [1]. Hoje vamos direcionar nossa atenção para os artigos 62 a 82, do Projeto de Lei Complementar no 68/24, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados e está em trâmite no Senado.
A nova sistemática prevê a incidência do IBS e da CBS sobre as importações, sejam promovidas por pessoa física ou jurídica (artigo 62, caput). A definição de bem, para delimitação desse aspecto material da hipótese de incidência, encontra-se no artigo 3º, I, abrangendo qualquer bem material, ou imaterial, inclusive direito. Às importações, salvo previsões específicas, aplicar-se-ão as regras gerais para operações onerosas previstas entre os artigos 4º a 41, do PLP 68/24. Os dois novos tributos deverão incidir sobre a importação: de serviço, ou de bem imaterial, inclusive direitos (artigo 63) e de bens materiais (artigo 64).
Importação de serviço, bem imaterial ou direito
Quanto à importação de serviço, bem imaterial ou direito, o aspecto material de sua hipótese de incidência deve congregar o fornecimento realizado por residente, ou domiciliado no exterior, para adquirente, ou destinatário no Brasil, e seu consumo no país, ainda que seja preparado, ou realizado no exterior. O consumo do serviço ou bem imaterial, para incidência tributária, vai se dar com a sua utilização, exploração, aproveitamento, fruição, ou acesso aos mesmos (artigo 63, §4º). Uma previsão que merece destaque na tributação da importação dos serviços e bens imateriais, inclusive direitos, é a de que se estiverem incluídos no valor aduaneiro dos bens materiais importados, sujeitar-se-ão à tributação dos bens materiais pelo valor total da operação.
O aspecto temporal de incidência será o momento do fornecimento ou do pagamento, ainda que parcial, o que ocorrer primeiro (artigo 10). No caso do fornecimento, ele será considerado ocorrido quando do término do fornecimento. Quanto ao local de ocorrência do fato gerador, deve-se observar a regra geral prevista no artigo 11, devendo se definir, na maioria dos casos pelo domicílio principal do destinatário (artigo 11, X) ou pela prestação serviços fisicamente, atraindo a incidência para o local da sua prestação (artigo 11, III).
A base de cálculo será o valor da operação, compreendendo o valor cobrado pelo fornecedor incluindo todos os ajustes que sofra, juros, multas, acréscimos e encargos, descontos condicionados, tributos e preços públicos, inclusive tarifas suportadas pelo fornecedor, seguros, taxas e quaisquer outras importâncias cobradas ou recebidas (artigo 12, caput e §1º). Os tributos serão calculados por fora, sem inclusão do IPI e dos descontos incondicionais.
As alíquotas deverão ser as mesmas incidentes no fornecimento do serviço ou bem imaterial no país, observando-se as alíquotas nas operações sujeitas aos regimes específicos de tributação. O dispositivo é relevante na medida que respeita o princípio do tratamento nacional do Gats [2], evitando-se exonerações em operações internas que não sejam aplicadas às importações.
O local de destino da operação é o critério para definir a alíquota do IBS. O contribuinte é o fornecedor (artigo 3º, III) residente, ou domiciliado no exterior (artigo 63, §5º, VI). Esse deverá se cadastrar nos cadastros relativos ao IBS e à CBS, considerando as operações ocorridas no país (artigo 21, §1º e 8º). As disposições alteram as previsões atuais em que o importador dos serviços situado no Brasil é o contribuinte do PIS e da Cofins sobre as importações e do ISS.
Spacca
A disposição do artigo 63, §5º, VII prevê o direito à apropriação de créditos, observados os dizeres dos artigos 28 a 38, não obstante, sendo o fornecedor empresa situada no exterior, não se verifica como ela poderá fazê-lo. A previsão só faz sentido conjugada ao inciso VIII, §5º, do artigo 63, que prevê a condição de responsável solidário do adquirente dos serviços, bens imateriais ou direitos. Esse, sediado no país, arcará com os tributos e poderá se creditar deles.
Importação de bem material
A entrada de bens de procedência estrangeira no território nacional atrai a incidência do IBS e da CBS, conforme caput do artigo 64. O artigo 65, a seu turno, traz nove hipóteses de não incidência dos tributos, mantendo sintonia com previsões semelhantes em relação ao Imposto de Importação, presentes nos artigos 70 e 71, do RA/09.
RTE e RTS
O artigo 66 prevê a isenção do IBS e da CBS nas importações de bens desde sejam isentas do II, nas hipóteses de bagagens de viajantes, acompanhadas ou desacompanhadas, e nos casos de remessas internacionais, quando o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas e não tenha ocorrido a intermediação por plataforma digital. A norma, no entanto, atende parcialmente ao desejado e provoca, da forma como se encontra, insegurança.
No caso do regime de tributação dos bens de viajantes do exterior, o que a legislação aduaneira prevê é aplicação do Regime de Tributação Especial-RTE, conforme nos artigos 101 e 102 do RA/09, assim como na IN RFB 1.059/2010. Para essa hipótese, o II incide à alíquota de 50% para importações que ultrapassem a faixa de isenção de US$ 1 mil. A partir desse valor, a tributação será de 50% do que exceder o limite exonerado.
No entanto, não há cobrança, na atualidade, de IPI, PIS, Cofins ou mesmo ICMS. Exige-se o II, à alíquota de 50% até o limite de US$ 3 mil, a partir do qual a importação será considerada comum, sujeitando-se à incidência de todos os outros tributos sobre as importações com suas alíquotas específicas, definidas a partir da sua classificação tarifária. Se a isenção do IBS e da CBS está prevista para acompanhar a do II, no caso das bagagens, se seu valor superar o limite de isenção e houver a incidência do imposto, os entes federados estarão autorizados a exigirem o IBS e a CBS. Seria esse o objetivo? E, tais tributos sobre o consumo na importação somar-se-ão com sua alíquota (estimada em) 26,5% aos 50% do II? Parece-nos que o artigo 66 merece revisão para acolher o tratamento já vigente, de que, nesses casos, o gravame a ser exigido será somente do II, mantendo-se a isenção quanto aos novos tributos.
No que tange à tributação das remessas internacionais, esse é um tema que se encontra na ordem do dia, com inúmeros pontos de atenção, tendo sido abordado diversas na coluna [3]. A mais recente norma sobre o tema prevê a tributação de todas as operações de remessa postal internacional em 20%, se o valor da importação for de até US$ 50, mantendo-se a alíquota de 60% na faixa de valor entre US$ 50 até US$ 3 mil, no Regime de Tributação Simplificada-RTS [4]. No caso das remessas expressas, a tributação será sempre de 60% sobre o valor da aquisição, exceto se for realizada por plataforma digital certificada no Programa Remessa Conforme-PRC, quando se aplica a redução da tributação a 20% nas compras até US$ 50.
No modelo atual; IPI, PIS e Cofins não incidem, e o ICMS incide à alíquota de 17%. Nos termos previstos no artigo 66 do PLP 68/24, como não haverá isenção do imposto de importação quando o remetente for pessoa jurídica, portanto, da forma como se encontra redigido o inciso II, do referido artigo, sempre haverá a incidência do IBS e da CBS, ainda que não tenha havido intermediação de plataforma digital. Um possibilidade aqui seria incorporar a lógica do Remessa Conforme, a partir da certificação da RFB, e diferenciar a tributação, quando as mercadorias sejam adquiridas nas plataformas das empresas certificadas, assim como conferir o tratamento diferenciado para as aquisições via remessa postal.
Aspecto temporal do IBS e da CBS na importação
Aqui uma novidade, pois será considerado ocorrido fato gerador no momento da liberação dos bens submetidos a despacho para consumo. O texto do projeto incorpora o conceito da CQR/OMA, previsto em seu Anexo Geral, Capítulo 2, em substituição ao desembaraço aduaneiro.
Oportuno notar que o artigo 67, II, fez menção expressa ao momento da ocorrência do fato gerador, em relação ao regime aduaneiro especial de admissão temporária para utilização econômica, seguindo a legislação aduaneira (artigo 72, do RA/09), pois assim se define que o fato gerador ocorre no registro da DI/Duimp, ou na liberação dos bens, mas sempre na sua entrada. Evita-se com isso incertezas quanto ao momento da ocorrência do fato gerador, se ele poderia ser considerado consumado, no futuro, quando do despacho para consumo do bem [5].
Outrossim, vale observar que, no modelo vigente, relativo ao ICMS – importação, sob o qual o fato gerador só se consuma com a transferência da titularidade do bem, não há que se falar em sua cobrança no regime de admissão temporária para utilização econômica [6]. E assim o é na medida em que o regime só é deferido mediante contratos internacionais em que é transferida apenas a posse dos bens. No IBS e na CBS, no entanto, o fato gerador abrangerá conceitos mais amplos, incluindo operações de locação e mútuo. Deve-se extinguir, portanto, a querela em relação à incidência do ICMS-importação, quando o IBS estiver implementado.
Sobre o pagamento, os tributos deverão ser quitados até a entrega dos bens submetidos ao despacho para consumo (artigo 80), sob pena de não poderem ser retirados (artigo 80, §4º), como já ocorre. O sujeito passivo poderá antecipar o pagamento para o momento do registro da DI/Duimp, igualando-o ao do II e o regulamento poderá incorporar o diferimento do recolhimento do IBS e da CBS em relação a intervenientes OEA, medida que deve ser implementada em relação aos tributos federais vigentes, em sendo convertido em lei o PL no 15/2024.
Local da operação de importação de bens materiais
Um dispositivo que merece crítica é o que define o local da importação de bens materiais e, consequentemente, o local do destino e o estado credor do IBS. Nesse sentido, artigo 68, I, prevê ser o local da importação aquele correspondente ao local da entrega dos bens ao destinatário final, nos termos do artigo 11, inclusive nas operações de remessa internacional. O artigo 11, I, por sua vez, considera local da operação com bem móvel material, o local da entrega, ou de sua disponibilização para o destinatário. Esse, por sua vez, está definido no artigo 3º, V, como sendo aquele a quem for fornecido o bem ou serviço, podendo ser o próprio adquirente, ou não.
Nas importações diretas e indiretas intermináveis foram as disputas, quanto ao estado credor do ICMS–importação. Pacificou-se, em grande medida, a controvérsia com o julgamento do Tema 520 pelo STF [7]. Definindo-se o Estado da localização do importador como aquele credor do imposto nas importações diretas e por encomenda e o do real adquirente, na por conta e ordem. O legislador complementar, atento ao entendimento da RFB [8] sobre a sujeição passiva na importação por conta e ordem, assim como ao Tema 520, STF, já previu o real adquirente como contribuinte do IBS e da CBS (artigo 72, § único).
Nesse sentido, a disposição sobre o local em que se dá a operação de importação como sendo o local da entrega dos bens ao destinatário final cria uma nova odisseia de incertezas. Seria o destinatário final o estabelecimento onde o bem importado vai entrar fisicamente pela primeira vez? Ou, seria o destinatário final da importação o importador/contribuinte, ainda que não entre fisicamente em seu estabelecimento o bem importado? Se for por conta e ordem, e não entrar fisicamente no real adquirente, já sendo revendida para um terceiro, esse estabelecimento e localização definem o local da operação, o Estado de destino e a alíquota aplicável (artigo 71, §1º)? Enfim, esperamos que o Senado reveja essa disposição e evite novas discussões judiciais.
Base de cálculo e não-cumulatividade
Manteve-se a base alargada com adição ao valor aduaneiro do II, do Imposto Seletivo (IS), taxa do Siscomex, AFRMM, Cide-combustíveis, direitos antidumping, direitos compensatórios, medidas de salvaguarda e quaisquer outros impostos, taxas, contribuições ou direitos incidentes sobre os bens importados até a sua liberação. O ponto positivo é o cálculo por fora dos tributos. O artigo 71 respeita o princípio do tratamento nacional previsto no artigo III do Gatt, ao estabelecer que devem ser aplicadas na importação as mesmas alíquotas que sejam praticadas nas operações internas, inclusive nos regimes específicos de tributação.
O princípio da não cumulatividade está previsto no artigo 82 e preconiza o crédito amplo do IBS e da CBS suportados na importação pelos importadores e pelos destinatários das remessas internacionais, que estão autorizado a se apropriarem e utilizarem-se dos créditos correspondentes aos valores efetivamente recolhidos. As empresas importadoras não contribuintes não detinham direito a crédito nas importações, passando a se creditar dos tributos que recolham em suas importações.
Para todos os importadores, a unificação da legislação dos tributos sobre consumo, hoje regulados por normas específicas do IPI – importação, do PIS/Cofins – importação e de 27 diferentes Estados, é um ponto positivo. Há muitos negativos, e um deles, que precisa ser revisto, é a inclusão do despachante aduaneiro no rol de responsáveis solidários do artigo 24, IV. A sua exclusão dessa lista é medida necessária. Há muito a ser estudado, considerando a amplitude e profundidade das mudanças que estão sendo levadas a efeito. Por hora, gostaríamos de convidar os leitores(a) para participarem do Congresso Internacional de Estudos Aduaneiros da Abead que será realizado, em modelo presencial, nos dias 29 e 30/8, em BH, no Auditório da Cidade Administrativa, sede do Governo do Estado de Minas Gerais, onde esse e outros temas serão debatidos [9].
[1] De nossa autoria em conjunto com Carlos Eduardo Navarro. Disponível em: link . Acesso em: 20/5/2024. E com Daniela Lacerda. Disponível em: link . Acesso em: 20/5/2024. Dois outros artigos escritos por Liziane Meira: Disponível em: link Acesso em: 20/5/2024. Disponível em: link. Acesso em: 20/5/2024. E o mais recente, da mesma autora em coautoria com Arnaldo Diefenthaeler. Disponível em: link. Acesso em 8/8/2024.
[2] Artigo XVII. Nos setores inscritos em sua lista, e salvo condições e qualificações ali indicadas, cada Membro outorgará aos serviços e prestadores de serviços de qualquer outro Membro, com respeito a todas as medidas que afetem a prestação de serviços, um tratamento não menos favorável do que aquele que dispensa seus próprios serviços similares e prestadores de serviços similares
[3] De nossa autoria em conjunto com Cristiano Morini: Disponível em: link Acesso em 08/08/24. De autoria de Fernanda Kotzias. Disponível em: link. Acesso em 8/8/2024.
[4] link.
[5] Cabe aguardar a regulação sobre o pagamento dos tributos na renovação do regime, pois, no âmbito federal exige-se acréscimos moratórios, o que tem sido repudiado pela jurisprudência. Sobre o tema: link.
[6] Tema 297/STF – “Não incide o ICMS na operação de arrendamento mercantil internacional, salvo na hipótese de antecipação da opção de compra, quando configurada a transferência da titularidade do bem”.
[7] link
[8] link
[9] Programação
Fernando Pieri
sócio fundador da HLL & Pieri Advogados, mestre em Direito pela UFMG, pós-graduado em Direito Aduaneiro Europeu pela Universidade Católica de Lisboa, professor de Direito Aduaneiro e Tributário, Membro da Comissão Especial de Direito Aduaneiro do Conselho Federal da OAB, presidente da Comissão de Direito Aduaneiro da OAB-MG, multiplicador do Programa OEA da Receita Federal, membro de nº 51 da Academia Internacional de Direito Aduaneiro.