Instrução Normativa RFB nº 2.201: alterando a lei por ato administrativo

Elidie Palma Bifano

A recente Instrução Normativa nº 2201/24, da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) é o exemplo do que não se deveria fazer, pois a pretexto de alterar a Instrução Normativa RFB nº 1700/17, que trata da apuração do lucro real para incorporar, dentre outros, os novos critérios de apuração dos juros sobre o capital próprio (JCP), logrou alterar o conteúdo da lei ordinária, matriz dessas mudanças.

De fato, uma análise comparativa entre a Lei nº 14.789/23, que alterou a Lei nº 9.249/95 a qual em seu art. 9° introduziu a possibilidade de se pagar JCP, e a Instrução Normativa nº 2.201/24 mostrará, claramente, aonde a regulamentação chegou, assim desconsiderando a lei matriz, em total ofensa ao princípio da hierarquia das leis.

A hierarquia das leis é princípio de obrigatória observância
Somos ensinados que somente a lei pode determinar comportamentos e a lei que aprendemos a tratar e interpretar é aquela emanada do Poder Legislativo, único instrumento hábil para determinar comportamentos. De outro lado as normas, no sistema legislativo brasileiro, estão dispostas em ordem de precedência sendo que a Constituição Federal prevalece sobre as demais, uma vez que é fonte de todas elas, como se pode observar do disposto em seu art. 59 ao tratar do processo legislativo de elaboração de normas e que consubstancia o princípio da hierarquia das leis.

O dito artigo 59 descreve que nosso sistema normativo, após a Constituição, que é pressuposta como norma fundamental, contempla: emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções. Afora esse elenco, há todo um conjunto de normas que emanam de órgãos voltados à administração da coisa pública, que recebem sua competência por força de outorga constitucional, com fundamento no artigo 84 da Lei Maior que autoriza o presidente da República, dentre outras tarefas, a expedir decretos e regulamentos para fiel execução das leis, bem como a dispor, mediante edição de decretos, sobre as matérias arroladas no inciso VI do já referido artigo 84.

Assim uma lei ordinária, editada pode não ser automaticamente aplicável se houver previsão de que deva ser regulamentada mediante decreto do presidente da República. Observado o princípio da hierarquia das leis, o decreto que regulamenta a lei ordinária a ela deverá estar subordinado, não podendo inserir qualquer mudança ou extrapolar o conteúdo da lei que está sendo regulamentada. O presidente da República, de sua vez, nomeia nos termos do artigo 87 da Lei Maior, os ministros de Estado que terão a função de, dentre outras tarefas, exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área de sua competência e referendar os atos e decretos assinados pelo presidente da República, além de expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos.

Ocorre que muitas vezes, em matéria tributária, as leis são objeto de regulamentação por ato administrativo oriundo do ministro ou de órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, como é o caso das instruções normativas as quais, ao mesmo tempo que interpretam a lei, expedem determinações sobre obrigações acessórias e similares. Contudo, a par de orientarem e interpretarem a matéria que lhes é afeta, as autoridades que desempenham essa tarefa, não poucas vezes, extrapolam no exercício de sua missão, criando obrigações novas, limitando direitos e ampliando o alcance da lei ou decreto, em nítida manifestação de ilegalidade, com isso fugindo à simples tarefa de esmiuçar a lei ordinária ou o decreto.

Spacca
Esse fenômeno não é novo e vem ocorrendo há tempos já tendo sido considerado como ilegal pelos tribunais superiores, como é o caso da delegação de poderes do Decreto-lei nº 1.724/1979, que permitiu ao ministro da Fazenda revogar benefício fiscal voltado à exportação de manufaturados, delegação essa considerada ilegal pelo Superior Tribunal de Justiça. Com isso deve-se ter cautela na leitura desses atos de natureza regulamentar para que fique claro se houve ou não uma extrapolação por parte do poder público.

A Instrução Normativa nº 2.201/24, ao alterar o artigo 75 da Instrução Normativa nº 1.700/17, aparenta conter disposições ilegais, inclusive evidenciando uma tentativa de produzir, por via indireta, mudanças na Lei nº 14.789/23, artigo 18 e, em linha, na Lei nº 9.249/95, artigo 9°. Daqui para frente, todas as menções ao artigo 75, da Instrução Normativa nº 1.700/17, referem-se à redação a ele dada pela Instrução Normativa nº 2.201/24.

Equívoco no trato da reserva de incentivos fiscais capitalizada?
Atestando esse fato, o primeiro aspecto que merece comentário é o §1°, do artigo 75, que trata da base de cálculo do JCP o qual, em seu inciso V, dispõe que a reserva de incentivos fiscais formada pela parcela do lucro líquido decorrente de doações ou subvenções governamentais para investimentos, nos termos da Lei nº 6.404/76, cujo cômputo está vedado pela Lei nº 14.789/23 na base de cálculo do JCP, tampouco pode ser computada se destinada a aumento de capital ou para reserva de capital.

Tal determinação não consta da Lei nº 14.789/23 e, portanto, extrapola de sua competência. De toda sorte, desde a Lei nº 11.941/2007, o fruto das subvenções deve transitar em resultado, o que significa que ele é tributado pelo Imposto sobre a Renda e pela Contribuição Social sobre o Lucro e o chamado crédito fiscal decorrente da subvenção deve ser apurado, extracontabilmente, apenas para fins fiscais e com base nas alíquotas de Imposto sobre a Renda. A nosso ver a destinação da reserva de incentivos para aumento de capital ou sua capitalização, em nada fere os objetivos da lei. O equivocado ajuste, hoje exigido pela RFB, não consta da Lei nº 14.789, logo não era pretendido pelo legislador.

Ainda que se possa afirmar que se trata de interpretação razoável, dada a natureza dessa parcela de lucro ser oriunda de incentivo fiscal que não se submete à tributação pelo Imposto sobre a Renda, essa conclusão não é suficiente para impedir a sua utilização para fins de cálculo do JCP, considerando-se que o JCP é instituto contábil que pode gerar efeitos, nos moldes autorizados pela lei. Um modelo que pode ser tomado no exame dessa matéria, é a reavaliação de ativos e sua correspondente reserva. Assim no tempo em que vigorava a prática da reavaliação de ativos, a contrapartida da mais valia desses bens era alocada em uma reserva de capital dita de subvenção, hoje revogada, que a Lei nº 9.249/95, expressamente, excluía da base de cálculo do JCP, enquanto não realizada. Ocorre que essa reserva não era formada por verbas que tivessem transitado em conta de lucro, pois eram diretamente creditadas no patrimônio líquido. Nesse caso havia uma manifestação da lei impedindo o seu cômputo para fins de JCP, o que não ocorre hoje com a reserva de incentivos fiscais, ainda que utilizada para aumento de capital, pois transitou em resultado e foi assim tributada.

A conta de lucros acumulados foi revogada
O inciso VI, §1°, do artigo 75, da Instrução Normativa nº 1.700/17, dispõe que a conta de lucros acumulados prevista no inciso V do caput do mesmo artigo 75, é aquela apurada no decorrer do exercício social, antes de sua destinação. Essa determinação não integra a Lei nº 14.798/23 e merece um comentário à parte.

A Lei nº 6.404/76, contempla em seu artigo 176, as seguintes demonstrações financeiras: balanço patrimonial, demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados, demonstração do resultado do exercício, demonstração dos fluxos de caixa e, se companhia aberta, demonstração do valor adicionado. O artigo 178, §2°, III, da mesma Lei nº 6.404/76, de sua vez, ao descrever as contas de patrimônio líquido identifica capital social, reservas de capital, ajustes de avaliação patrimonial, reservas de lucros, ações em tesouraria e prejuízos acumulados, inexistindo conta de lucros acumulados uma vez que todos os lucros, por boa prática contábil, devem ser apropriados ou distribuídos. Não se deve, pois, confundir a demonstração de lucros ou prejuízos contábeis, uma dentre outras demonstrações da lei, com a conta de prejuízos acumulados, de vez que inexiste conta de lucros acumulados, relembrando-se que para fins de apuração de tributos sobre o lucro, é obrigatória a observância das disposições da Lei nº 6.404/1976.

Com isso é de se concluir que inexiste conta de lucros acumulados, muito menos apurados no ano, ou em qualquer outro período, mas existe, sim, conta de demonstração do resultado do exercício. É possível, porém, existir mais de um encerramento de contas no ano, se a sociedade tiver autorização estatutária para levantar balanços em períodos menores do que o ano, mas ainda assim não se caracterizarão como lucros acumulados de anos anteriores, mas como resultado do exercício. Portanto, de impossível aplicação o disposto no Instrução Normativa nº 1.700/17, artigo 75, inciso VI, §1°, quando dispõe que a conta de lucros acumulados prevista no inciso V do caput do mesmo artigo 75, é aquela apurada no decorrer do exercício social, antes de sua destinação !!!

De outro lado, não havendo determinação legal nesse sentido, tampouco poderia a instrução normativa determinar que somente lucros acumulados do ano devem ser computados na base de cálculo do JCP quer por não existirem, quer porque a determinação não veio por veículo adequado. No nosso entender essa disposição tem como finalidade impedir que lucros gerados em anos anteriores e ainda integrantes do patrimônio líquido, sirvam de base de cálculo do JCP, no negócio jurídico denominado pagamento de JCP acumulado, que movimentou os tribunais administrativos e judiciais sob a equivocada designação de “JCP retroativo”, consistente em remunerar, ao longo do tempo, o custo — benefício dos recursos dos sócios apropriados em conta de patrimônio líquido de uma sociedade. Esse instituto tem como suporte e fundamento a remuneração necessária de recursos aportados na entidade, ao longo do tempo, podendo-se afirmar que os juros computados, incluindo os períodos anteriores àquele em que são calculados, são juros que se acumularam, pois se não puderam ser exigidos por falta de deliberação permanecem não colhidos, como frutos pendentes que são. Os juros, como preço do dinheiro no tempo, são um constante fluir, independentemente de qualquer ação por parte do credor ou do devedor e somente são suscetíveis de terem seus montantes determinados quando nascer decisão nesse sentido.

Outro aspecto que não consta da Lei nº 14.789/23 e que foi objeto de determinação no § 1º-A, artigo 75 da Instrução Normativa nº 1.700/017 trata do âmbito da expressão atos societários definido como aqueles relativos ao aumento de capital integralizado em bens e direitos, incorporação de ações, fusão, cisão e incorporação. Conquanto não conste da Lei nº 14.789/23 está correto no nosso entender, visto que os negócios jurídicos a que se refere são amplos e abrangentes, embora submetidos a conteúdos (definições) relevantes para fins de elucidação da matéria.

O § 3º, do artigo 75 da Instrução Normativa nº 1.700/17, determina que para efeitos do disposto no inciso I do § 2º, do mesmo artigo 75 [1], limites de lucros na base do JCP, o lucro será aquele apurado após a dedução da Contribuição Social sobre o Lucro. A Lei nº 7.689/88, que instituiu a Contribuição Social sobre o Lucro, em seu artigo 2° dispõe que a base de cálculo da contribuição é o valor do resultado do exercício, antes da provisão para o Imposto sobre a Renda. Com isso, o lucro suscetível de apropriação para cálculo desse tributo já viria deduzido dessa contribuição. De toda sorte não há disposição nesse sentido na Lei nº 14.789/23, o que pode ensejar alguma discussão, contudo o tratamento da contribuição social não parece tão inadequado e sua dedutibilidade já foi objeto de discussão nos tribunais, em desfavor dos contribuintes, parecendo a única falha é ter sido introduzido por Instrução Normativa e não por lei.

JCP acumulado: inobservância pela RFB do entendimento judicial
O § 4º do artigo 75, da Instrução Normativa nº 1.700/17, dispõe que a dedução dos juros sobre o capital próprio só poderá ser efetuada no ano-calendário a que se referem os limites de que tratam o caput e o inciso I do § 2º. Essa determinação, além de não ter base legal, não considera a decisão do Superior Tribunal de Justiça, em a 20/6/2023, por sua 1ª Turma, no julgamento do REsp nº 1.971.537/SP, no qual se discutiu a possibilidade de dedução do JCP acumulado (retroativo nos termos adotados pelo tribunal) na base de cálculo do Imposto sobre a Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro, no mesmo sentido tomado pela 2ª Turma desse mesmo Tribunal em duas outras ocasiões (Recursos Especiais 1.946.363 e 1.955.120). Assim, ficou mantida a decisão favorável aos contribuintes, como os tribunais regionais o vêm fazendo e pacificada a matéria, sem qualquer divergência.

É de se destacar que no julgamento do Recurso Especial n° 1.086.752, foi enfatizado que a legislação do JCP nunca exigiu que a sua dedução fosse feita no mesmo exercício-financeiro em que tivesse sido apurado o correspondente lucro, admitindo-se, assim, que o JCP seja declarado em outro ano-calendário, no futuro, quando a sociedade optar por remunerar seus sócios. O que se percebe no § 4º do artigo 75, da Instrução Normativa nº 1700/17, em sua nova redação, é uma clara tentativa da RFB de não permitir a dedução de JCP se ela estiver referida a ano-calendário diverso daquele em que está sendo apurado, a despeito do decidido pela Justiça, que não o é em caráter de recurso repetitivo por não haver decisão contrária em uma das Turmas e, ao que parece, à luz dos fatos, hoje, de difícil consecução. Esse posicionamento do Fisco não é novo e ensejou todo o contencioso hoje conhecido.

Considerando-se que tanto Judiciário quanto Executivo buscam formas de reduzir o contencioso, a Instrução Normativa nº 2201/23 significa, sob alguns aspectos, um desserviço ao país, gerando maiores discussões e resultando em um retrocesso em nosso sistema jurídico.

[1](…)

§ 2º O montante dos juros remuneratórios passível de dedução nos termos do caput não poderá exceder o maior entre os seguintes valores:

I – 50% (cinquenta por cento) do lucro líquido do exercício antes da dedução dos juros, caso estes sejam contabilizados como despesa; ou

II – 50% (cinquenta por cento) do somatório dos lucros acumulados e reservas de lucro

Elidie Palma Bifano

é mestra e doutora em Direito Tributário pela PUC-SP, professora no curso de mestrado profissional da Escola de Direito de São Paulo/FGV e nos cursos de especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e da Escola de Direito do CEU—IICS e advogada em São Paulo.

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