Receita nega Imposto de Renda menor para servidor público em teletrabalho no exterior
Por Beatriz Olivon — De Brasília
Não basta avisar a Receita Federal que foi morar no exterior para ser considerado “não residente” e ter o direito de pagar alíquota menor de Imposto de Renda (IRRF) sobre salário. É necessário comprovar a intenção de seguir residindo fora do país e ter essa possibilidade comprovada por meio da fonte pagadora. O entendimento do órgão, que deve ser seguido por todos os auditores fiscais do país, está na Solução de Consulta nº 133, editada neste mês pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit).
O caso analisado foi apresentado por uma auditora fiscal, que trabalha de forma remota para a Receita Federal. Ela saiu do país em fevereiro de 2021 para acompanhar o marido, que não é servidor público e foi transferido. A auditora informou que não apresentou “Comunicação de Saída Definitiva do País”, por ter dúvidas se seria necessária.
A decisão vai na mesma linha de outra solução de consulta publicada também neste mês, de nº 130, que envolve uma servidora do Senado. No caso, o Serviço de Operações Tributárias do Senado havia considerado que o domicílio fiscal da contribuinte não seria o Brasil, sem apontar onde seria, e alterou a forma de retenção do Imposto de Renda.
As respostas podem ser aplicadas em outros casos, e não apenas naqueles que envolvem teletrabalho de servidor público, segundo Hermano Barbosa, sócio do BMA Advogados. As explicações, diz o advogado, são relevantes. “Detalham o entendimento da Receita sobre quando a pessoa deixa de ser considerada como residente no Brasil, mesmo tendo apresentado formalmente uma comunicação de saída definitiva”, afirma. “Não basta dizer que saiu. Tem que reunir indícios que demonstrem que queria sair, com ânimo definitivo.”
No Brasil, o residente está sujeito à alíquota progressiva de até 27,5% sobre o salário. A alíquota do não residente é de 25%. Essa classificação é importante também por impactar outras receitas, de acordo com tributaristas. O não residente não paga Imposto de Renda sobre rendimentos e ganhos obtidos no exterior, enquanto o residente é tributado.
A discussão envolve a Instrução Normativa nº 208, de 2002. A norma traz algumas exceções que poderiam ser aplicadas à situação da auditora fiscal. Por isso, ela resolveu formular uma consulta.
Na resposta, a Receita Federal destaca que o caso não trata de trabalho executado para órgãos da Receita Federal situados no exterior. E que, para ser considerado como não residente, o contribuinte deve se retirar do país com intenção definitiva.
“A mera saída do território nacional não é condição suficiente para caracterizar a perda de residência fiscal, exigindo-se que o afastamento seja acompanhado de um elemento de vontade específico”, afirma a Receita Federal na solução de consulta.
O órgão acrescenta que o contribuinte que quer se retirar em caráter permanente deve apresentar à administração tributária a Comunicação de Saída Definitiva. Porém, diz, essa comunicação será considerada meramente declaratória, não sendo capaz de caracterizar, por si só, a condição de não residente.
“Para que o contribuinte passe a ser considerado como não residente, a Comunicação de Saída Definitiva deve refletir a vontade de se ausentar em caráter permanente do país. A Comunicação que não estiver revestida deste pressuposto volitivo não merece fé, não sendo suficiente para que o contribuinte brasileiro passe a ser considerado, para fins fiscais, como não residente”, afirma.
Para a Receita, o simples desejo de morar em outro país não descaracteriza a residência fiscal do contribuinte. No caso concreto, definiu o órgão, a situação jurídica da auditora fiscal não permite que ela opte pela saída definitiva do país.
“O regime jurídico de seu vínculo de trabalho com o Estado brasileiro pressupõe que a servidora deva voltar ao exercício de suas funções no local de sua lotação. Em outras palavras, a autorização dada pela Portaria da RFB para que a consulente desempenhe suas atividades em regime de teletrabalho no exterior é precária, existindo somente enquanto perdurar o evento que justificou sua concessão”, diz a Receita.
Ainda que a auditora se mantenha em regime de teletrabalho no exterior, os seus rendimentos, de acordo com o órgão, devem ser tributados pela regra geral, assim como ocorreria se estivesse exercendo suas atividades presencialmente no Brasil – alíquota progressiva de até 27,5%.
Essa tributação vale para o primeiro ano fora do país. Segundo a Receita, também se aplica à auditora fiscal a previsão de que contribuintes residentes no país que estiverem ausentes no exterior por período superior a doze meses passarão a ser tributados como não residentes, submetendo seus rendimentos recebidos de fontes situadas no Brasil à tributação exclusiva na fonte à alíquota de 25%. O mesmo entendimento foi aplicado no caso da servidora do Senado.
Hermano Barbosa afirma que a Receita não se contentou com uma declaração prestada pelo contribuinte de que estava saindo do Brasil de forma definitiva. O órgão, acrescenta, quis avaliar se aquela pessoa realmente demonstrava que a declaração refletia a realidade. Ainda segundo o advogado, embora seja um caso peculiar, a resposta mostra uma forma mais complexa e potencialmente mais subjetiva de a Receita tratar essas situações.