O direito administrativo do Comitê Gestor do IBS

Pedro Merheb

A procuradora Melissa Guimarães Castello, em evento da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), apresentou ao auditório um enigma que, embora exista desde a promulgação da PEC 132, ainda não veio a ser endereçado diretamente e foi reanimado pela apresentação do projeto de lei complementar recém-enviado à Câmara dos Deputados pelo Poder Executivo.

Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Bernard Appy, secretário extraordinário da reforma tributária

A controvérsia em torno da constitucionalidade do Comitê Gestor à luz da forma federativa do Estado foi denodada anteriormente em texto publicado aqui nesta Conjur e ratificada pelo documento [1] produzido pelo grupo de trabalho instalado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) para a reforma tributária. Porém, a configuração administrativa desta unidade perfilhada pelo artigo 156-B da Emenda Constitucional nº 132 ainda é uma quimera que não superamos tecnicamente, dado que se trata de uma unidade administrativa sem paralelo tanto no direito público interno como internacional.

O § 1º do artigo 156-B da Constituição consagra o Comitê Gestor como uma entidade pública sob regime especial cuja estrutura e atuação têm como eixo cardinal a independência. A primeira conclusão, a partir de um raciocínio lógico-dedutivo, é a de que se trata de uma unidade da administração pública indireta — no entanto, a sua natureza jurídica não corresponde a nenhuma das classificações admitidas pelo direito administrativo interno.

Na semana anterior, o Poder Executivo enviou o projeto de lei complementar nº 108 à Câmara dos Deputados para regulamentar o Comitê Gestor e suas funções. Em seu artigo 1º, parágrafo único, II, temos que “o CG-IBS, nos termos desta lei complementar: (…) terá sua atuação caracterizada pela ausência de vinculação, tutela ou subordinação hierárquica a qualquer órgão da administração pública”.

Identificação do CG

À primeira vista, sua vocação eminentemente técnica e operacional induz à identificação do Comitê Gestor como uma autarquia estruturada aos moldes de uma agência executiva, considerando que ambas as figuras compartilham da (a) independência e de (b) um escopo fundamentalmente burocrático.

No entanto, em que pese a ausência de subordinação institucional comum ao Comitê Gestor e às agências executivas, o segundo pertence ao horizonte administrativo da União, enquanto o primeiro não se relaciona, pelo menos estruturalmente, em nenhuma medida com a União, posto que vocacionado à administração tributária dos entes subnacionais, como é financeiramente independente, ainda que durante a sua primeira infância suas despesas serão assumidas pela União na proporção fixada pelo artigo 62 do projeto de lei complementar nº 108.

Spacca
Assim, o Comitê Gestor, regido pela independência orçamentária e financeira, nos termos do artigo 156-B, § 1º, após o seu primeiro quadriênio, não fará jus a uma rubrica orçamentária anualmente prevista em lei como é o caso das agências executivas. Isso não significa, todavia, que ele não fará jus a recursos necessários para operacionalizar sua missão constitucional. Diz o § 2º, III, do mesmo artigo que ele “será financiado por percentual do produto da arrecadação do imposto destinado a cada ente federativo”, na proporção estabelecida nos termos do artigo 61.

Diante da arquitetura institucional do consórcio federativo em evidência, o mais próximo de uma unidade administrativa tão sui generis seria o Fundo Garantidor de Créditos, associação civil sem fins lucrativos criada pelo Banco Central para fazer as vezes de seguradora do sistema financeiro brasileiro. No caso do Comitê Gestor, o seu financiamento se dará por um percentual do produto arrecadado pelos seus “associados”, quais sejam, os estados e municípios.

Como o FGC é subordinado às decisões do Banco Central, a comparação ainda é imperfeita, considerando que o CG-IBS não é organicamente vinculado a nenhum ente federativo. Assim, identidade administrativa do Comitê Gestor, absolutamente estranha aos Decretos-Lei 200 e 900 que edificaram a administração pública federal, é um verdadeiro desafio aos exegetas do nosso direito público, além de um experimento inaudito em outros modelos de tributação sobre o valor agregado.

Podemos, sem embargo, concluir que a projeção de uma unidade administrativa tão peculiar por meio de uma engenharia técnica tão zelosa, ainda que no bojo de uma reforma que importa para o direito tributário brasileiro a experiência de mais de uma centena de países, representa um notável exercício de criatividade institucional tanto para nós, tão familiarizados com a institucionalidade marginal e fetichista condenadas por Oliveira Viana [2] e Mangabeira Unger [3], como para o modelo internacional que ora adaptamos à nossa realidade.

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Bibliografia

CONGRESSO NACIONAL. Emenda Constitucional nº 132. Brasília, 2023

PODER EXECUTIVO. Projeto de Lei Complementar nº 108. Brasília, 2024.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Resultados do Grupo de Trabalho sobre a Reforma Tributária. Brasília, 2023. Pg. 28.

UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. São Paulo: Boitempo, 2004.

VIANA, Oliveira. Instituições políticas brasileiras. Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2019.

[1] TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Resultados do Grupo de Trabalho sobre a Reforma Tributária. Brasília, 2023. Pg. 28.

[2] VIANA, Oliveira. Instituições políticas brasileiras. Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2019.

[3] UNGER, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. São Paulo: Boitempo, 2004.

Pedro Merheb

consultor-chefe e coordenador de assuntos legislativos da Merheb Consultores em Brasília, ex-assessor dos grupos de trabalho na Câmara dos Deputados e do Senado Federal para a reforma tributária.

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