Apropriação indébita tributária e expressão ‘cobrado na qualidade de sujeito passivo’

Cleide Regina Furlani Pompermaier

O tema é antigo, as discussões jurídicas em torno da matéria, também, mas ele sempre está no centro das atenções quando se se fala em crimes contra a ordem tributária. Assim dispõe o contido no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90:

“Art. 2°. Constitui crime da mesma natureza: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000) (…)

II – Deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos” (grifos da articulista).

Faz-se mister esclarecer, primeiramente, que a conduta do artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, nos anos 2000 era nominada como crime de omissão no recolhimento de tributo e não como apropriação indébita tributária como ocorre nos dias de hoje, justamente porque de apropriação indébita não se trata, ao menos no que concerne as operações próprias.

O fato é que tanto o Supremo Tribunal Federal como o Superior Tribunal de Justiça já se debruçaram sobre a matéria, tendo entendido a Corte Constitucional, em suma, que “O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990”. O STJ, por sua vez, editou a Súmula nº 658 com o seguinte teor: “O crime de apropriação indébita tributária pode ocorrer tanto em operações próprias como em razão de substituição tributária”.

Não se concorda com tais conclusões, ao menos no que concerne as operações próprias e explicaremos o porquê.

Contribuinte e responsável

Em nosso sistema tributário, existem dois sujeitos da obrigação tributária, segundo se depreende do artigo 121, do Código Tributário Nacional: 1) o contribuinte e o responsável. Contribuinte é a pessoa que realiza o fato gerador, enquanto o 2) responsável é o eleito pela lei como devedor da obrigação tributária por razões de conveniência e de necessidade da administração tributária. Contribuinte é o personagem principal, enquanto o responsável é o figurante, como acena Luciano Amaro.

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Contribuinte é quem realiza o fato gerador, enquanto responsável é o sujeito de alguma forma vinculado ao fato gerador, eleito pela lei como devedor do tributo, senão vejamos:

“Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I – Contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

I – Responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei. (Grifos nossos).”

Ou seja; ao descrever o tipo penal do artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90 fica óbvia a intenção do legislador em punir quem desconta ou cobra na qualidade de sujeito passivo o tributo, não entregando o referenciado valor aos cofres públicos, diferentemente do contribuinte, que contabiliza o imposto municipal, mas não efetua o pagamento de tal receita ao Estado.

Responsabilidade por substituição
Uma das modalidades mais utilizadas na responsabilidade tributária é a responsabilidade por substituição, conforme reza o artigo 128, do Código Tributário Nacional.

Especificamente no caso do ISS, por exemplo, a responsabilidade do artigo 6º, da LC nº 116/2003 — por substituição — apresenta, num primeiro momento, contornos de mera obrigação acessória. Num segundo momento é que assume a verdadeira feição de responsabilidade, ou seja, somente se houver o descumprimento da obrigação acessória de reter o tributo municipal do prestador do serviço, é que o tomador responderá pelo pagamento do tributo.

Ou seja: no ISS, se o responsável não fizer a retenção do tributo que lhe compete fazer, ele passa a ser o responsável pelo pagamento da exação, porque o fisco, ao menos num primeiro momento, direcionará a exigência tributária para a sua pessoa. Daí a expressão “descontado ou cobrado” na qualidade de sujeito passivo, diante da imposição da responsabilidade por substituição.

Vejamos um exemplo
A Lei Complementar nº 116/2003 determina que, regra geral, o imposto é devido no local do estabelecimento prestador. Como exceção à regra, a referida legislação lista 25 casos em que o tributo deve ser recolhido no local onde efetivamente o serviço é executado, mesmo que seja em lugar diferente da sede da empresa, casos esses em que haverá retenção do ISS pelo tomador do serviço (contratante).

Se esse tomador não fizer a retenção (que é exatamente a expressão “descontado” do tipo penal), o fisco municipal exigirá o imposto municipal do mesmo tomador, contratante da obra (momento em que desvendamos o termo “cobrado”) do tipo penal descrito no artigo 2º, do inciso II, da Lei 8.137/90.

Tese não se sustenta
Dizer, como disse o STJ, que o crime de apropriação indébita tributária pode ocorrer tanto em operações próprias como em razão de substituição tributária não é correto, data máxima vênia, pelos motivos acima fundamentados.

Em nosso entendimento não há crime nas operações próprias envolvendo o ISS, no que toca a conduta descrita no artigo 2º, do inciso II, da Lei 8.137/90.

Segundo o STJ, tributo “cobrado” é expressão que abrange todos os demais casos em que o ônus financeiro do tributo incidente sobre o consumo (tributo indireto) é repassado (“embutido”) no preço do produto pago pelo consumidor, mas acaba sendo “apropriado” pelo contribuinte, que deixa de recolher o tributo aos cofres públicos.

A tese de que o dolo de apropriação é genérico e ínsito à conduta de declarar e não pagar o imposto descontado ou cobrado do contribuinte final, não se sustenta.

O contribuinte de fato é um estranho na relação obrigacional tributária dentro da ótica da expressão “cobrado”. Tanto isso é verdade que somente ao sujeito passivo (o dito “contribuinte de direito”) é conferida essa faculdade a faculdade de repetir o indébito tributário, desde que cumpridos os requisitos do artigo 166 do Código Tributário Nacional.

É exatamente essa orientação que restou consolidada, no âmbito do STJ, no REsp repetitivo 903.394/AL. Ou seja: o fato de o contribuinte não entregar para o Estado a cifra tributária que ele teria “cobrado” do terceiro, não pode ser considerada uma conduta delituosa TRIBUTÁRIA porque se trata de uma mera inadimplência perante o Fisco.

Veja-se que o tipo penal fala em “Deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; ”. E não cobrado de terceiro, como entende parte da doutrina.

Ou seja: a palavra terceiro foi inserida pela doutrina. Se o legislador tivesse tido essa intenção, teria escrito a expressão “de terceiro”, mas não o fez. O tipo penal se refere a conduta de deixar de recolher tributo cobrado, na qualidade de sujeito passivo da obrigação. E só.

Tipicidade cerrada
Dito isso, não se pode afirmar que quando a lei fala em deixar de recolher tributo cobrado, está a se dizer, “deixar de recolher tributo cobrado de terceiro”. A interpretação não pode ir além do que está contido no tipo penal, considerando que nessa ciência predomina o princípio da tipicidade cerrada não se admitindo que se incluam elementos e expressões que a lei não utiliza, principalmente para se chegar a conclusões in malam partem, como estão a fazer os tribunais superiores.

Por conta dessa interpretação aumentada, não há como se afirmar que na conduta de deixar de recolher tributo cobrado, na qualidade de sujeito passivo da obrigação existe o emprego de fraude, que é imprescindível para a caracterização do crime de apropriação indébita.

O inadimplemento constitui infração administrativa que não constitui crime e que tem por consequência a cobrança do tributo acrescida de multa e de juros, via execução fiscal ou outra medida administrativa.

Se houve uma conduta delituosa (e essa situação deve ser provada) essa se deu entre o contribuinte de direito (prestador) e o usuário do serviço (consumidor final), porque, em tese, esse teria sido ludibriado pelo prestador, fazendo-o acreditar que estaria adotando o seu papel de cidadão e honrando com o seu dever de auxiliar no financiamento do Estado, quando, na verdade, a quantia estaria nas mãos do particular que realizou o serviço.

Conclusão
Enfim, o fato é que o tipo descrito no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, não caracteriza crime em operações próprias, conforme entendimento do STJ cristalizado na Súmula nº 658, porque para a caracterização da apropriação indébita tributária nesses casos, não basta o contribuinte cobrar o tributo de terceiro e não repassar o valor referente ao imposto aos cofres públicos, porque não é essa a dicção do tipo penal.

Cleide Regina Furlani Pompermaier

é procuradora do município de Blumenau, especialista em Direito Tributário pela UFSC, especialista em Mediação Conciliação e Arbitragem pela Faculdade Verbo Educacional-RS, membro titular do grupo de análise jurídica à Implementação da Reforma da Tributação sobre o Consumo, criado pela Portaria do Ministério da Fazenda nº 34/2024, membro-fundador e conselheira superior de orientação do Instituto Brasileiro de Estudos de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário (Ibdaft).

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