Trocando em miúdos a simplificação promovida pela reforma tributária

Victor Hugo Rocha

Em fase de regulamentação, a reforma tributária volta a mobilizar opiniões e análises por parte dos mais diversos setores. Nesse debate, o grande mérito da reforma — a simplificação — tem sido por vezes colocado sob suspeita. Mas basta esmiuçar o projeto de lei de sua regulamentação (PLP nº 68/2024) para verificar que não existe contradição no que se propõe com a Emenda Constitucional 132, aprovada pelo Congresso no ano passado com as diretrizes da reforma tributária.

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Muitas das críticas começam com o tamanho do PLP 68. Ele conta com 350 páginas e 499 dispositivos. De fato, não se trata de texto enxuto. Porém, em comparação ao que existe hoje de legislação tributária, pode-se dizer que o PLP é uma mísera folha de papel diante de uma coleção de enciclopédias. Ele substitui diversas leis, decretos e outros atos normativos em âmbito federal, estadual e municipal, referentes a cinco tributos diferentes, a serem unificados com a reforma.

Basta observar que, em relação às contribuições sociais (PIS e Cofins), há mais de 100 dispositivos que regulamentam sua incidência em situações e regimes diferentes (9.718/1998, 10.637/2002 10.833/2003, 10.865/2004 e 10.925).

O IPI, dada a ausência de uma lei que concentre suas normas de forma clara e suficiente, depende do Decreto 7.212/2010, com mais de 600 artigos.

Quanto ao ICMS, a complexidade atual é alarmante. Apesar de ser estabelecido por uma lei com pouco mais de 30 artigos, a Lei Complementar 87/1996, esse imposto conta com uma série de convênios celebrados entre os estados para estabelecer regras específicas de apuração, regimes de substituição tributária, sem mencionar as leis e decretos estaduais publicados por cada uma das unidades federativas para a regulamentação do imposto nos seus respectivos territórios.

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De forma semelhante, o ISS conta com a Lei Complementar 116/2003 no âmbito nacional e milhares de leis publicadas pelos municípios brasileiros.

Simplificação, transparência e segurança
Mas os argumentos pró-simplificação vão além desses números. Além de reduzir a enorme quantidade de leis e dispositivos destinados a regulamentar os tributos, o que mais importa destacar é que a reforma tributária proporcionará simplificação na aplicação das regras tributárias.

No sistema atual, a empresa que vende uma mercadoria ou presta um serviço deve atender a normas estabelecidas em leis diferentes, que regulamentam tributos diferentes, os quais possuem alíquotas e bases de cálculo diferentes. Cada um desses tributos possui regras específicas quanto a creditamento e também exigem o cumprimento de obrigações acessórias próprias. Com a reforma, o sistema tributário tende a ficar mais simples, transparente, e compreensível para as empresas, aumentando a segurança quanto à sua aplicação e reduzindo o chamado “custo de conformidade”, isto é, o dispêndio necessário para o correto atendimento das exigências fiscais.

A reforma tributária traz a substituição dos cinco tributos mencionados anteriormente por três: o IBS, a CBS e o Imposto Seletivo. Contudo, os dois primeiros possuem as mesmas regras de creditamento, incidência, apuração e recolhimento. Na prática, se apresentarão como um único tributo aos contribuintes. A diferenciação entre IBS e CBS com a reforma presta-se basicamente aos entes federativos na administração de seus recursos.

Aqui, cabe ressaltar que a arrecadação e destinação desses tributos aos seus respectivos entes, bem como a apuração de créditos para o contribuinte, serão automáticas, a partir da implantação da tecnologia financeira IVA 5.0 (split payment/modelo Abuhab).

O regime comum do IBS e da CBS está delimitado em cerca de 60 artigos do PLP nº 68/2024, estabelecendo suficientemente regras concernentes à hipótese de incidência, apuração e recolhimento do tributo.

A maior parte do PLP é composto por capítulos que estabelecem tratamentos e regras específicas do IBS e da CBS, que deverão ser observadas apenas por determinados contribuintes (importadores, instituições financeiras, incorporadoras, administradoras de planos de saúde, hotéis etc.)

Quanto ao Imposto Seletivo, recebeu apenas 30 artigos na regulamentação. Ele incidirá sobre bens e serviços específicos, uma única vez na cadeia de produção e distribuição. Logo, apenas uma parcela pequena dos contribuintes terá de se atentar às suas regras de apuração e recolhimento.

No mais, o projeto trata de revogações às legislações vigentes e regras de transição para o novo modelo.

O período de confluência dos regimes tributários certamente não será simples, porém sua complexidade e sensibilidade decorrem de aspectos do próprio sistema tributário atual que precisam ser superados. Trata-se de regramento necessário, que exige uma regulamentação extensa e detalhada para propiciar a boa migração aos novos tributos.

Assim, pelo seu desenho, a reforma carrega uma efetiva simplificação para o sistema tributário, que não consiste simplesmente em reduzir dispositivos e textos normativos.

A uniformização em âmbito nacional do tratamento fiscal de mercadorias e serviços torna-o mais claro. A redução de obrigações acessórias e procedimentos torna mais ágil a gestão fiscal.

Em resumo, busca-se a construção de um sistema tributário que proporcione segurança e praticabilidade às empresas, permitindo-lhes, finalmente, concentrarem recursos e esforços no desenvolvimento de suas atividades.

Victor Hugo Rocha

advogado na área tributária e diretor jurídico do movimento Destrava Brasil.

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